...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

quarta-feira, 28 de abril de 2010

VENDE-SE TERRENO COM BONS ACESSOS



A despropósito, alguns alemães propuseram que a grécia venda algumas das suas muitas ilhas para diminuir a dívida pública.
As berlengas ou as selvagens servem para alguma coisa? E a Ponta do Sol? E a ilha de Faro?
Podíamos, no mínimo, dar Olivença a preço de rebajas e não se falava mais nisso. Ou expropriar o estádio do dragão e vendê-lo ao Celta de Vigo, para campo de treinos.
Ou vender a residência oficial do Sócrates ao Corte Inglês, ele depois desenhava uma casa mais arejada com mezzanine.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

UM BRINDE A MOUNTAIN VIEW

Volta não volta, vou bisbilhotar o sitemeter deste blogue, para ver a "bilheteira" e saber de onde são os fregueses.
Há clientes da Setúbal, Cacais, Amadora, Lisboa, Queluz, Algés, Santarém, Cartaxo - mas esses devem conhecer alguém do painel.
Já me espanta que alguém de Ile-de-France, Dominica, L.A. ou Texas venha aqui parar, ou alguma regularidade com que nos visita gente que julgo não nos conhece, seja de Prime-Viseu, da Gafanha da Encarnação-Aveiro, ou um(a) qualquer expatriado(a) em Mountain View-California.
A este, e aos restantes, um brinde.

domingo, 25 de abril de 2010

SOMOS LIVRES*


Em miúdos, eu e as minhas irmãs sempre dividimos as preferências: tirando o frango (lutávamos pelas coxas até passarmos os 3 a querer os peitos), cada um tinha o seu clube, a cor primária e até o candidato às presidenciais de 76: a mais velha, do alto dos seus 7 anos, gostava do Eanes, eu gritava Otelo no eléctrico e a do meio preferia o Pinheiro de Azevedo porque estava “doentinho”. 34 anos depois, é esta a minha personagem preferida da (pós)revolução.
Como não ficar fascinado com o Almirante que, quando discursava na Praça do Comércio e rebentaram granadas lacrimogéneas da polícia militar (ligada então à extrema-esquerda) e petardos do partido revolucionário português (um PRP) contra os manifestantes, tentou acalmar a população em pânico exclamando “o povo é sereno, não tem perigo, é apenas fumaça. Ninguém arreda pé!”. Arredaram, quando o fumo subiu à tribuna.
O mesmo almirante sem medo, primeiro-ministro do 6º governo provisório, foi cercado por operários grevistas no parlamento e, quando lhe chamaram fascista, retorquiu “bardam… para o fascista”. Mais tarde explicou “’tou farto de brincadeiras, fui sequestrado já 2 vezes, já chega, não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia pá (…) e eu agora pá, vou almoçar pá”, com ar de enfado.
Vai daí, e por causa das manifestações contra o governo e porque os militares “primeiro fazem plenários e depois é que cumprem as ordens”, auto-suspendeu o governo. Ah, valente.
O Almirante representa o esplendor da época, a descontracção da oratória, a saturação do caos, a comicidade da história. E tinha razão, o povo é sereno, mesmo quando não deve.



* Ser desbocado e contestatário (a ponto de ganhar a alcunha de tóliban) em democracia já tem um efeito bastante "depilatório", não imagino sequer o que seria viver num país onde não se podia criticar o poder.
Pelo menos Caetano não desenhava mamarrachos.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

VERGONHAS 1


Carta a Dom Manoel sobre o Achamento do Brasil

Senhor,
posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!
Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.
(...)
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
(...)
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos!
(...)
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam.
(...)
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!
E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro -- o que d'Ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500
Pero Vaz de Caminha

A carta (para legitimar terras já conhecidas?) testemunha a chegada ao continente de Pedro Álvares Cabral, a 21 de Abril de 1500. Mas 'tá lá tudo, a troca comercial (passa para cá o ouro), a troca cultural (toma lá o meu Deus), o pudor e até, à portuguesa, o escrivão não acaba sem pedir ao rei a libertação do genro, preso por assalto e agressão.

VERGONHAS 2

1. ESQUECIDO. Manuel Alegre vai receber uma reforma de 3.219,95 euros mensais pelo cargo de coordenador de programas de texto da RDP que ocupou alguns meses em 1974-75, consta na lista da Caixa Geral de Aposentações. Em declarações ao Correio da Manhã, Alegre garantiu que nem se lembraria da reforma, não fosse a CGA a escrever-lhe uma carta. «Nunca mais lá trabalhei, mas descontei sempre».

2. VIAJADA. Inês de Medeiros sempre vai ter as viagens para Paris e ajudas de custo (€69 diários), por deliberação dos colegas. PSD e BE contra, CDS absteve-se (nojo), PCP e PEV faltaram, PS a favor - empate obrigou a decisão por voto qualificado do presidente da comissão, o grande Lello.

3. COMPETENTE. Para o cargo de assessor do IPJ, com vencimento de €3500, o método de selecção a utilizar é o concurso de prova pública que consiste na "...apreciação e discussão do currículo profissional do candidato" (aviso nº 11466/2008, DR 255 de 6/11/2008, 2ª série).
O método de selecção de coveiro para a CM de Lisboa (aviso simples, pág. 26922), com vencimento de €450, inclui uma prova de conhecimentos globais de natureza teórica e escrita com a duração de 90 minutos (sobre 1) Direitos e Deveres da Função Pública e Deontologia Profissional, 2) Regime de Férias, Faltas e Licenças, 3) Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos) e uma prova de conhecimentos técnicos (inumações, cremações, exumações, trasladações, ossários, jazigos, columbários ou cendrários, transporte e remoção de restos mortais). Se o candidato tiver escolaridade obrigatória somará + 16 valores, o 11º ano de escolaridade somará + 18 valores, o 12º ano de escolaridade somará + 20 valores. No final, haverá um exame médico para aferimento das capacidades físicas e psíquicas do candidato.
É mais complicado ser coveiro que assessor, pois é, não há lugar marcado!

Como gostava de ter uma Cidinha Campos, para chamar os bois pelos nomes...

DÔRES DE CRESCIMENTO


Como esclarecimento inicial, devo dizer que os filmes para as crianças são fabulosamente realizados e alguns são bem divertidos, a anos luz dos filmes da Disney que nós vimos na “nossa” altura.
Sei porque tenho pilhas deles em casa, e porque nos últimos anos, com raras excepções, as minhas idas ao cinema a eles se devem.
Um domingo destes, fui a Braga de manhã ver o Idade do Gelo 3. Encontrei uma conhecida, blábláblá, o que fazes aqui? Olha, fui cravado para ir ver um filme infantil, respondi com ar resignado. Ela retorquiu “aproveita, ainda vais ter saudades, os meus filhos já não querem sair connosco”.
Acredito piamente.
Mas, de momento, tenho é saudades de ir ao cinema ver um filme de crescidos.

Ainda vai demorar até as crianças quererem distância, por enquanto acordo a maioria dos dias com 3 (ou 4) pessoas na cama. Agora estou na fase em que desisto de explicar que há mulheres em países esquisitos obrigadas a sair à rua debaixo dum lençol, digo "imaginem o caloraço" e a mai' velha pergunta "como o homem que veste o fato do Panda?" (o da TV)
Tá bem, que o tempo corra devagar. Mas os próximos 3 meses podem andar depressa. É que o meu filho mais novo vai para a escola, o que significa que vai acabar a renda do infantário, que custa mais que a minha casa.
Claro, devo agradecer-lhes estes anos que guardaram e mimaram os miúdos, mas sou um homem do Excel, e 'tá lá que, em Julho próximo (e descontando alguns extras que não registei), gastámos €34.246,36 no ABC. Dava para comprar um carro bom.
Como diz um amigo meu, um filho custa o mesmo que um Ferrari. Sem tirar nem por.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

FAÇAM FAVOR DE SAIR, TÁ NA HORA DO RANCHO







Tenho um amigo que nasceu no Porto e nunca foi a Serralves, mas conhece o Louvre. Bem, ainda me falta conhecer o Soares dos Reis, e vivi um ano frente ao museu de arte antiga e nunca lá entrei.
Na verdade, é mais fácil fazer turismo cultural fora de casa.

Li uma reportagem sobre o museu da cidade de Lisboa e fiquei seduzido pelas mega-esculturas de Bordallo espalhadas no jardim e por um tal de "Luciano das ratas", uma personalidade lisboeta que procurava ouro nos subterrâneos de Lisboa e aproveitava para matar os ratos, razão pela qual a cidade lhe ficou grata.
Vai daí, resolvi ir de propósito à capital ver o dito local. O preço é simpático (quantas entradas custam €2,76?), mas o museu não é grande. Reúne objectos da pré-história, períodos romano - com várias lápides funerárias, como a da "Passéria Rómula, da tribo dos galérios" (como a maioria) - e árabe, idade média até à república.
Isto vi eu, porque o séc. XX (incluindo aquele quadro de Almada Negreiros, do Pessoa num cenário avermelhado) ficava no primeiro andar. Assim como o Luciano das ratas.
Ainda vimos as cerâmicas do Bordallo, mas a correr, enquanto éramos perseguidos por uma zelosa funcionária que nos tentava pôr na rua.
É que era 1 da tarde... e o museu fechava para almoço. Num sábado. Depois aqui d'el rei que as pessoas não vão aos museus. Brrrr.

Impedidos de ver o resto dos bichos do Bordallo, reproduzidos pela Joana Vasconcelos, resolvemos ir ver os originais da artista, no CCB. De graça, thanks to Comendador Berardo (e, parecendo que não, Estado português).
É consensual, está ali muita técnica de materiais, inspiração e suor. Já as preferências dividem-se: a autora tem um carinho especial pelo lustre de tampões, um dos meus hereges companheiros preferia o shopping Fátima (um motociclo de caixa cheio de nossas senhoras fluorescentes), eu gostei mais da cama de valium, forrada a comprimidos de verdade, e os corações minhotos de talheres de plástico.
Pièce de résistance, o sapato de panelas: um par deles, intitulado Marilyn, foi leiloado em 2010 pela Christie's por meio milhão de euros.
A visitar ambos. Não vão é ao fim da manhã.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

169 CANÇÕES DE ABRIL

Abril é de toda a gente, inclusive meu que não sou de esquerda: tipo redacção da escola, eu gosto muito do 25 do 4, o 25 do 4 é meu amigo. Claro que durou 2 dias (acabou às 24 horas de 25 de Novembro), e por volta do meio-dia o sonho quase se transformava em pesadelo.
Tinha 4 anos no PREC. As canções dessa altura fazem parte das minhas lembranças mais remotas, de Lisboa em 1975, e recordo-as com gosto.
 
Algumas são fenomenais, como a trova do tempo que passa, mudam-se os tempos, a pedra filosofal ou e depois do adeus. Ou aquela “A cantiga é uma arma e eu não sabia/tudo depende da bala e da pontaria/tudo depende da raiva e d’alegria/a cantiga é uma arma contra a burguesia”.
Outras recordam um tempo em que tudo parecia possível, uma espécie de festa colectiva: somos livres, mais conhecida pela gaivota; canta amigo canta, que diz “tu sozinho não és nada, junto temos o mundo na mão (…) vamos semear a tempestade, se queremos a bonança”; livre, informando que não há machado que corte a raiz ao pensamento.

Aqueloutras, bem datadas, testemunham a certeza nos amanhãs que cantam: até à vitória final, fartos da tirania e servidão, opondo o trabalho ao capital, contra os carrascos do povo, a canalha e os burgueses (o PCP ainda aí vai): desta vez é que é, sobre a revolução e o sol que virá, ou o povo unido jamais será vencido.
Há uma cantiga que é um programa político das nacionalizações, daqui o povo não arreda pé: os fascistas só têm um banco, o dos réus; o fascista sem a banca é como 1 touro capado, sem força para marrar; diz sim à reforma agrária, somos 1 país pequeno e pobrezinho, bem repartidinho dá para todos e sobeja.

Outras ainda são fotografias – a preto-e-branco cheias de grão – sobre os papões da reacção, os vira-casacas e o início da desilusão: viva o poder popular, que fala no facho filho da mãe e no rico transformado em democrata; a luta contra a reacção; a valsa da burguesia, “pela social-democracia, para nos travar o passo”; o facho, que “vira a casaca e diz que vota, saneia o chefe que o compromete” e “é democrata de longa data”; lá isso é, denunciando “partidos da direita que põem a bola ao centro”; venho aqui falar como “o socialista [que] desiste do socialismo é como fazer cabidela sem frango, nem arroz nem a panela”.

Há uma muito divertida sobre as senhoras do antigo regime, cantada pelo professor do fungágá, vamos brincar à caridadezinha, sobre a senhora "de não sei quem" que passa a tarde comendo a torrada e a pensar no pobre, coitada, e que rouba muito, mas dá prenda.
Trabalho muitas vezes no PC com um site ligado, algumas cantigas põem-me o pé a bater em compasso - convido-vos a bisbilhotar http://marius708.com.sapo.pt/Cantores%20de%20Intervencao.html


 




Foi bonita a festa, pá, fiquei contente
‘Inda guardo, renitente, um velho cravo para mim...
Chico Buarque

terça-feira, 20 de abril de 2010

LEGO DE PALAVRAS

Há uma música de Chico Buarque da Holanda particularmente bem conseguida. O poema chama-se "Construção" e é um jogo com as palavras: Buarque conta uma história e depois repete-a várias vezes, trocando os adjectivos.
A versão seguinte é acelerada (o original tem mais 2 minutos), mas serve.
Prestem atenção.



CONSTRUÇÃO, Chico Buarque

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse único
E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo por tijolo, num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima.

Sentou para descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido.
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contra-mão atrapalhando o tráfego.

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo por tijolo, num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego.

Sentou para descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música

E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido.
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contra-mão atrapalhando o público.

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou para descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe.
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado.

domingo, 18 de abril de 2010

PR'A SEMANA EXPERIMENTO



400 milhões de pessoas fazem parte da rede social Facebook. É muita gente, a somar aos "amigos" do twitter, do xing, do ning, do linkedIn, ...
Eu ainda não aderi, o que quase me torna excêntrico, visto que TO-DO o mundo já lá está.

Já pediram “a minha amizade” várias vezes, no Hi5 e no Facebook. Alguns dos convites eram de pessoas com quem raramente me cruzei, duma concelhia do PS e dum dirigente local do mesmo partido, que toda a gente sabe que não é o meu (partido que já me convidara para apresentações de candidatos em 2 terras bem afastadas, o que só prova que são nada selectivos – é quase assédio).
Mas compreendo que tenha interesse por motivos comerciais, políticos ou de intervenção cívica - a "coisa" é uma agenda de contactos gigantesca e uma mensagem pode espalhar-se em horas, como mil rastilhos.

Acompanhei uma estreia. Começa-se por encontrar uma série de gente, amigos perdidos e malta que já nem lembrávamos que existia: "olha o sabugo! olha o como é que se chama?! ena a Tecas!" Essa parte é óptima, como é descobrir grupos de fãs de bares do nosso roteiro nocturno na faculdade, e com velhas fotos anexas (um dos títulos, "já me senti indisposto no Pioledo", serve a milhares que lá passaram).
Depois vem a fase chata dos convites para amigo por gente chata. Faz-se de morto para não responder, como se evita atender o vendedor da ZON.
Diria que todos passam pelo mesmo, mas há quem aceite toda a gente e convide toda a gente, procurando ser amiga de pessoas que nunca viram mais gordas (como filhas de colegas...), ao mesmo tempo que não sabem a graça do vizinho do lado.
Há quem se meça pelo número de amigos, mas imaginem um ginásio com má acústica, ouvir 800 gajos a falar não é conversa, é ruído. Bem, é o regresso aos amigos imaginários, para quem os teve: chamar-lhes amigos faz-me lembrar o comentário de Mark Twain à notícia da sua morte, "é claramente um exagero".
Muitos são pessoas com quem não bebíamos um copo, a quem não telefonamos pelo TMN gratuito, ou ainda que vemos diariamente, sem trocar uma ideia.

E as relações são meio mecânicas ou robóticas, impessoais: há mensagens pré-formatadas à distância dum clique, como “Manuel manda abraço” - mesmo que a mensagem seja explicitamente dirigida a outrem -, ou “Isabel gosta disto”. Nem se escreve, clica-se!
O facebook tem os fãs e os fanáticos, verdadeiros apóstolos que cantam loas à ideia. Existem já clínicas para tratar o FAD (facebook adict disorder) em doentes que "têm que" visitar a rede todos os dias (by the way, é o vosso caso?).
É, só por febre a pessoa substitui contactos pessoais por mensagens no facebook: há dias, contaram-me o caso dum gajo que descobriu no facebook que o afilhado de casamento de separara...

Há ainda um grupo de gente, do meu tamanho, que se entretém a semear melões e uvas (esta uma boa opção, consta) e ganha moedas a adubar o campo dos vizinhos no Farm Ville, um jogo com gráficos pouco elaborados e com frases feitas, tipo “Susana precisa de ferradura” e “Carlos agradece presente”. Isso exige uma ou mais visitas diárias.
Em contra-mão, apareceram uns gajos que pretendem vandalizar as plantações, como quem invade campos de milho trangénico.
O jogo, a que eu chamo um tamagoshi estilo borda d'água, é porém simpático, os “vizinhos” ajudam-se mutuamente e trocam vaquinhas cor-de-rosa. Menos mal.

P'OGRESSO


Há uma história de B.D. que nunca esqueci. Juro que tem mais graça que a minha sinopse, mas reza mais ou menos assim: o Tio Patinhas aleijou-se num joelho e o Prof. Pardal inventou um assento com pernas articuladas, um sucesso que vendeu como pães quentes.
Encorajado, pensou que podia inventar um chapéu com braços articulados, e os patinhos passaram todos a andar com o robot na cabeça. Depois acrescentou-lhe dois olhinhos e, a seguir, uma boca para falar pelos palmípedes.
Chegou por fim à conclusão que os cidadãos de Patópolis caíam amorfos quando se lhes tirava as engenhocas, não conseguiam viver sem elas.
Vocês lembram-se como vivíamos sem Multibanco e telemóvel, e como nos conseguíamos encontrar uns com os outros à porta dum concerto, ou na praia?
Ah, na história, foi tudo resolvido com abstinência dos gadgets e ginástica colectiva.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

IDADE PARA TER JUÍZO


Tenho um amigo com idade para ter juízo: há meses, enviou esta música dos Deolinda a 5 pessoas que, como ele, participaram num protesto, escrevendo que se devia respeitar mesmo quem se acobardara e ficara quieto. Um dos destinatários disse mata e um outro disse esfola, enviando sem querer os mails a toda a gente.
Baile armado. A coisa não seria importante, não fora os mais furiosos serem amigos (rating AA) do rapaz com idade para ter juízo: “quem são vocês para se auto-intitularem de corajosos e dar lições de moral (…) se és meu amigo, podias dizer-mo na cara”.

O rapaz com idade para ter juízo só não aprendeu umas coisas, porque já as sabia:
1º Pela boca morre o peixe.
2º Uma mensagem que se quer bem disposta, pode ser piada de mau gosto para a plateia (que se entende) visada, é como contar anedotas de ciganos na feira de Carcavelos.
3º Epicuro escreveu “Faz tudo como se alguém te contemplasse”, eu diria fala ou escreve sempre como se o alvo das tuas palavras te ouvisse.

O rapaz com idade para ter juízo defendeu-se, alegando que não pretendeu provocar ninguém e que a mensagem era privada – o que, à primeira, me lembrou o Paulo Penedos na comissão da AR, sobre as escutas: mais importante que o conteúdo, é a forma indevida da divulgação?
Mas o argumento tem um fundo de razão: nas mensagens privadas, não há preocupação em escolher as palavras ou em evitar generalizações, que atingem todos indiscriminadamente. A mensagem teria outro efeito usando “algumas pessoas” e trocando cobardia por “instinto de sobrevivência” - redonda e diplomaticamente suave.

O dizer-na-cara-do-amigo leva-nos para outro lado. Li algures que, em média, as pessoas dizem 7 mentiras por dia, geralmente piedosas e/ou para manter a paz social.
Mais que mentiras, há omissões: se toda a gente dissesse sem rodeios tudo o que pensa, o mundo deixava de funcionar: haveria arraial como na aldeia de Asterix, com pafs, peixes e bigornas a voar. E um amuo geral eterno.

Tirando o comum “tá bom, tá!” quando a anfitriã pergunta pelo seu repasto apenas tragável, há coisas que preferimos calar: “A tua mulher é uma imbecil, pá.”, “Não acredito em tudo o que contas, gostas de apimentar as histórias.” ou “O que te sobra em simpatia falta em competência.”.
Tendo mesmo de ser, em vez do sem-espinhas “O teu sucesso dependeu mais do cartão partidário que da tua competência (que tens).”, preferimos sussurrar “Hás-de convir que seres do Partido deu uma ajudinha…”, e a quem se está a marimbar para o trabalho podíamos alertar suavemente “talvez sejas um bocadinho despreocupado no trabalho”.
Tudo em nome duma boa convivência, até porque as pessoas de quem gostamos também têm defeitos.
Mas o melhor mesmo é, às vezes, estar calado.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

UM BUNKER DESTES PRÓ GOUVEIA, JÁ!

Na vila de Vals, nos Alpes suiços, escondida entre chalés, 2 equipas de arquitectos construiram esta casa subterrânea, mas cheia de luz, em pedra. Dá para entrar pela frente, ou aceder pelo celeiro próximo e caminhar por um túnel.
E dá vontade de ter uma assim, mesmo em Vila Chã.






terça-feira, 13 de abril de 2010

CONCURSOS PRÓ-FORMA



Caríssimo:
Não imaginas quem tenho visto, o Rodrigo. Está na mesma, tenho é dificuldade em acompanhar a sua saga laboral: foi sub-director regional da saúde, ainda há meses era director-geral das pescas e agora vai para um instituto qualquer com uma sigla enorme que nunca ouvi falar. É obra, para um engenheiro de minas.
Se não ‘tás a ver quem é, talvez a alcunha te diga alguma coisa, o “copo-de-3”. Nunca lhe associei uma densidade intelectual que lhe augurasse um futuro tão perto do sol, o que recordo é como o gajo culpava sempre o último copo que o estragava, “cheirava a rolha”. Se calhar essa era uma faculdade premonitória da sua apetência para a política, sacudir a água da samarra. E a mãe, ‘tadinha, acolhia-o sempre o etilizado rebento com um ternurento “Por Santa Maria de Cárquere, o que é que os teus amigos te fizeram?”, como se o benjamim fosse eternamente um caloiro praxado.
Mas antes a ele que a outro qualquer, não achas?

A propósito, vi há tempos uma entrevista ao dono da Jerónimo Martins na SICN. Soares dos Santos disse 2 coisas engraçadas:

1. As pessoas estão sentadas 10-15 minutos antes das reuniões da sua empresa começarem, dando tempo para a conversa de ocasião, porque a hora marcada é para começar a trabalhar.
2. Os gestores públicos devem ser seleccionados de acordo com o perfil determinado para a função, e geralmente é uma pessoa da estrutura – escolhe-se a pessoa certa para o cargo, não o cargo certo para a pessoa. Exactamente o contrário de pegar em pessoas do partido e arranjar-lhes um “poiso”. É que nem sempre os bons e os lugares bons se encontram.

Ai coisa e tal, é um escândalo que o Estado faça concursos de empreitadas, à medida de quem quer escolher.

Pois é, mas o problema não é só nos grandes concursos, é em quase todos, só varia a dimensão: como uso dizer, o presidente do instituto rouba no cartão de crédito e usa o carro para ir ao spa, o porteiro (que chama gatuno ao chefe) rouba os clips e usa o telefone para ligar ao primo do Canadá, é uma questão de oportunidade.
Depois do Inverno cavaquista, o Guterres arejou a casa. Uma das suas leis pretendia que, tirando dirigentes máximos de nomeação, todos os restantes cargos fossem preenchidos por concurso, para despartidarizar a administração pública. Não passou de boas intenções.

Há um ano, resolvi participar num concurso para uma câmara municipal, mesmo que a
vox populi assegurasse que o lugar já estava atribuído. Guardo carinhosamente um mail enviado pelo director municipal a la Sampaio – num palavreado jurídico e hermético, nem percebi o que queria dizer, excepto a conclusão, negativa claro.

Há umas semanas, fui informado que iria abrir um concurso para chefe de divisão noutra câmara. Não cheguei a concorrer, pois soubera antes que o lugar tinha sido prometido a um colega; o único ignorante foi um professor convidado para júri, de forma a dar credibilidade à farsa.
A questão foi-me resumida de forma cristalina por um autarca: “na maioria dos casos, o concurso é para formalizar situações”. O concurso, que não era para ninguém saber, teve excesso de candidatos e foi anulado – e o “ungido” vai tomar posse na mesma.

Mas também já me calhou a mim ser convidado para um cargo de chefia (em Lisboa, como sempre!, pelo que recusei).
Toma-se posse, uns meses (ou anos) mais tarde é aberto o concurso obrigatório e fica o “artista convidado”, que já tem experiência e gavetas ocupadas.
É a vida, diria um tal Guterres.

Uma palmada nesses costados. Até.

ROBERT DOISNEAU

Robert Doisneau (1912-1994) disse "as maravilhas da vida diária são excitantes, nenhum realizador pode arranjar o inesperado que se encontra na rua".
As fotografias seguintes, a mais conhecida (que, consta, foi cenografada), um violoncelista e uma série de instantâneos numa montra 'provocante', são uma ínfima parte do álbum maravilhoso que o fotógrafo francês nos deixou. Googlem.

Hotel de Ville 1950


O Violoncelista



Série Um olhar oblíquo 1948


(la dame indignée)







domingo, 11 de abril de 2010

PAZ, PÃO, POVO E LIBERDADE


Mais um ungido no PSD, Agora Passos Coelho. Disse um dia o Jaime Gama que “Não há segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão”. Eis a minha.
1. A Unidade. Porventura sincero, o abraço de urso aos outros 2 candidatos eliminou dissidências e, ao contrário da Ferreira Leite, dá uma imagem de coesão, há muito afastada do partido. Ajuda saber que o poder pode estar perto, claro.
2. A entourage. Está lá o aparelho, com o chefe da distrital de Lisboa António Carreira (numa presidência qualquer), o chefe da associação de municípios Fernando Ruas (Presidente do congresso), o chefe da distrital do Porto Marco António e o filho do Filipe Menezes (vice-presidentes). Mas também muitas caras novas, como o fiscalista Leite Campos, comentador da SICN.
E o inamovível Zeca Mendonça, o "abre alas" de, até agora, 17 presidentes, desde Sá Carneiro. As memórias deste assessor de imprensa, contratado como segurança do partido em Agosto de 74, serão um best-seller, pela certa.
3. A modernidade. Cenário à telejornal, com gente atrás, e mesa de bloguers no congresso, com direito a conversa com o Passos. A atenção à forma de comunicar é espelhada na promoção a vice-presidente duma académica especializada em Marketing político.
4. A mensagem. Apanhei um bocado do discurso final, e parecia estar a ouvir o Portas. Passos falou no tributo social (quem tem o apoio do Estado deve retribuir, com trabalho nas juntas ou em IPSS, por exemplo) e na importância da economia social, o 3º sector da sociedade que junta ONG, IPSS, cooperativas e quejandos. Só faltou a lavoura.
Passados 2 anos sobre o auge da crise mundial, já pode dar uma demão de liberalismo, ainda muito tímida, e descolar de Sócrates: Estado fora da economia!
5. A demagogia. Passos repetiu o empenho na luta contra a corrupção, a alergia à tomada do Estado pelos partidos e à colocação de camaradas em empresas privadas com participação pública. ‘Tá-se a ver que, se lá chegar, o seu (sôfrego) partido não vai cobrar… em géneros.
E a ideia do Estado pagar salários nas empresas a quem seria despedido, em vez de pagar subsídios de desemprego, até é simpática, mas vê-se como ia parar com o nosso patronato: eu agora despeço-te, continuas a trabalhar, mas é o Estado que paga.
6. A família. O pai, fundador e ex-presidente do PSD de Vila Real, disse em entrevista “ai dele se não faz só o que é razoável, a minha mulher ficava desgostosíssima”. Delicioso. Ainda vai levar muito tau-tau da mãezinha...

1974
1975

Fantástico espólio de cartazes em "Flickr: galeria de jal2684"

AMBIENTE. 3 ANÚNCIOS BEM CONSEGUIDOS

deflorestação
deflorestação
poupança energética

sábado, 10 de abril de 2010

O SENTIDO DA VIDA


Fui ontem à dentista.
O curioso foi que, ao contrário do costume – esperar uma hora na sala de espera, a folhear revistas cor-de-rosa com mais de 6 meses – , estive à conversa com a dentista mais de 1 hora antes do restauro, já de babete, sobre the meaning of life (fica menos lamechas em inglês).
Convenhamos, é assunto que raramente falamos, muito menos com uma semi-estranha de broca na mão.

O resumo da conversa não reproduz o interesse da mesma, mas aqui vai. A bonita pessoa, que nunca perde o seu sorriso sereno, teve um filho internado até aos 18 meses, com prognóstico muito reservado (aí viu como tudo é efémero) e, aos 9 anos, tem graves problemas respiratórios e uma espécie de autismo.
Diz que nunca se queixou, nem à família, porque a carga não é deles, apenas reconhece um cansaço ocasional: pudera, tem 3 filhos e o marido trabalha na Tunísia.
Ao contrário do que se usa dizer, acha ela que a pessoa não é a sua circunstância, e que, tirando a doença e a morte, podemos sempre escolher: ela escolheu, em vez da depressão ou desespero, encarar o filho como uma prova e uma oportunidade de se auto-conhecer (“descascar a cebola”) e melhorar.
Na sua metáfora, a vida é como um exame escrito, há as perguntas fáceis que todos acertam, depois há as questões só para alguns.
Contou que, até aos 20 anos, tudo lhe correu bem, e que não se conhecia então, e que prefere uma vida com obstáculos, onde pode crescer, a uma vida perfeitinha, “à bolina”, mas que não ensina nada nem obriga a “trabalhar-se” a si própria.

Pareceu-ma quase satisfeita pela provação. Perguntei-lhe se preferia a vida como uma estrada cheia de buracos e árvores caídas, em vez duma auto-estrada sem história. Embora admire a sua boa disposição, eu acho que preferia uma estrada rural em asfalto e pouco sinuosa, e num carro com boa suspensão – há problemas que não se desejam a ninguém...

O filho obrigou-a a relativizar tudo e a dar às coisas apenas a importância que elas têm, pois as pessoas fazem dramas com problemas comezinhos, ocupadas com uma vida apressada (sem tempo para parar, pensar ou apenas aproveitar o momento – carpe diem, não é?), pequenas competições e vontades materiais que podiam esperar mais um pouco. E com angústias que, vistas a frio, são pouco importantes.

Disse-lhe que estava mais perto do nirvana que eu, que me enfureço com muitas coisas, ao que respondeu que também lhe acontece, apenas o seu ponto de ebulição é mais alto.
Opta por valorizar os pequenos prazeres, as pequenas vitórias, o hoje, em vez de antecipar preocupações com o futuro (no caso, o do filho) ou viver o amanhã – o exemplo que deu é conhecido, porque é que estamos mais chochos ao domingo à tarde que na tarde de sexta, quando estamos a trabalhar?

Tive que concluir a conversa com um argumento de peso: se não me despachasse, a minha filha ficaria à porta da escola e a Susana ficava danada – e dizer-lhe “relativiza, há coisas mais importantes na vida” não daria resultado.
E lá restaurei o primeiro molar.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

PRIMEIRO ERA O VERBO



Com uma criança na escola, sou forçado a tirar o pó aos arquivos mortos, armazenados no limbo da minha memória.
Mesmo não dando calinadas na gramática, já foi há muito que estudámos os grupos nominais, os complementos (que já não se chamam assim, são grupos móveis, parece*), os pretéritos imperfeitos e os mais que perfeitos: sabemos como se escreve, mas nem sempre conseguimos sistematizar a informação toda.
Isto na maioria dos casos, pois há situações que esquecemos por falta de uso. Um exemplo é o tempo verbal na segunda pessoa do plural, o VÓS.

A ensinar a minha petiz, já me encontrei e debitar um verbo em alta velocidade, dando um cheirinho no travão ao chegar ao "Vós", em alguns verbos menos frequentes. Experimentem um fácil, eu cantava, tu cantavas, vós…?
Na verdade, a culpa não é nossa, apenas alienámos ao longo de décadas um sexto da nossa gramática verbal, quase ninguém aplica o Vós, preferimos conjugar o “vocês” e a terceira pessoa do plural. E quando o fazemos, é quase por brincadeira, como o “ide à vossa vida”.
Mas ainda existem alguns redutos nas Beiras e em Trás-os-Montes, que mantêm presente o vós na sua oratória, como garantia da sua identidade. Às vezes de formas exageradamente hiperbólicas: não esqueço a minha senhoria, quando estudei em Vila Real, cuja frase preferida era “vós fazerdes como entenderdes”.

* Mudanças tão importantes (ironia), quanto confusas, como chamar senhor buzina ao polícia apito, ou trocar os nomes todos aos 5 da Enid Blighton e chamar Max ao cão Tim. Não tem graça nenhuma.

RESTAURADOR OLEX

Há 25 anos, usava pullovers aos losangos, era um dos betinhos. Mas nunca alinhei muito em modas, como patilhas grandes, cabelo oxigenado ou à tigela, botas texanas, aquelas coisas que conferem uma identidade de grupo (confesso, tive uma vez um penteado embaraçoso, mas, diriam os Xutos, foi um caso isolado).
Como pai, talvez me venha a deparar com um “miúdo” com desejos de fazer um piercing ou uma tatuagem, ou descubra que é gótico e use só preto e caveiras, ouça ruído e pareça um membro da família Adam.
Vou tentar evitar o argumento final, “enquanto ‘tiveres cá em casa, mando eu”, que más lembranças me traz. Seria a isso obrigado num caso: RASTAS.
Não me venham dizer que a falta de lavagem dos dreadlocks (aqueles charutos de cabelo) é mito, que os petizes usam água do mar e sabão azul. Convém lavar pouco e o champô alisa o cabelo, não dá; se o cabelo não for bem seco, cria fungos e dá pivete: o cabelo parece sujo porque está sujo. Ora, falta de higiene, não.
Cada qual faz o que bem entende - obviamente -, claro, mas faz-me espécie ver meninas e meninos até bem apessoados com estas grinaldas encafuadas num saco de lã riscado.
Não é que seja grave a adesão a estéticas sem que se saiba porquê, é mesmo natural na idade, mas saberão os teen-rastas que os dreadlocks servem para diminuir o volume do cabelo, em particular quando é frisado?
Já agora, passa-lhes pela cabeça que o movimento rastafari não se reduz a bob marley e ao reggae, mas que tem origem religiosa, considerando Deus na Terra o nanominimicro Imperador de Etiópia, Hailê Selassiê I, Rei dos Reis, Senhor dos Senhores e Leão Conquistador da Tribo de Judah (as cores do gorro são, nem mais nem menos, as da bandeira etíope), e que muitos rastafaris cumprem restrições alimentares bíblicas ou são vegetarianos – o que é diferente de consumir erva?

sábado, 3 de abril de 2010

DEBOCHE

Pompeia, enterrada na lava do Vesúvio em 79 d.c., é talvez o único "sacrifício colectivo" património da humanidade.
O infortúnio dos cidadãos poupou a cidade e manteve-a conservada durante 2000 anos, como estava no dia em que o vulcão se chateou. Pompeia é, assim, um dos principais testemunhos da vida, organização social e arte na Roma antiga.
Isso é particularmente verdade no caso dos frescos, cujo passar dos séculos é normalmente fatal.

As contrário das 3 religiões do Livro, as religiões politeístas têm uma visão dessacralizada, ou despudorada, do sexo e da nudez - as suas imagens são comuns nos templos pré-colombianos, indianos ou clássicos grego-romanos.
Pompeia é disso exemplo: não só nos edifícios públicos, como nas salas das villas de cidadãos honrados, estão presentes imagens eróticas, que hoje só se veriam em prostíbulos. E somos nós os "avançados"...

Admitamos que a nossa sogra não ficaria constrangida em aparecer para jantar, e que até achava o nosso "Afrodite e 3 númidas" um traço de distinção, podia era ser um bocado cansativo ter um fresco destes lá em casa, não acham?

Banhos Públicos

Banhos Públicos




Casa Vetti

OS BUFOS SERVEM PARA ALGUMA COISA

Cientistas descubriram que os sapos vulgares (Bufos bufos) deixam de acasalar nos 3 dias anteriores a terramotos graves, por causa do radão libertado pelo solo.
Os mesmos cientistas referem apenas os sapos machos, mas presumo que as fêmeas também o façam, mais não seja por falta de companhia.
Seja como for, a diminuição da actividade dos bufos tem mais uma vantagem, até agora desconhecida.