...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES?

JOSÉ RELVAS (1858-1929)
proclamou a implantação da República na varanda da CML, 1910

MIGUEL RELVAS (1961-)
ministro e braço-direito do P.M.
que decidiu acabar com o feriado de 5 de Outubro, 2012

* a haver parentesco, é remoto

HITCHENS, O DESORDEIRO

 
Expulsão do Paraíso, Capela Sistina

Costumo dizer que sou agnóstico às segundas, quartas e sextas, e crente aos domingos, terças e quintas (ah, e acredito na justiça terrena aos sábados, entre as 9 e as 10.30).
Pois agora ando a ler uma das prendas que pedi ao pai Natal, chamado deus não é Grande.

Christopher Hitchens chamou-me à atenção na entrevista concedida ao 60 minutes (6/3/2011), meses antes de morrer de cancro.
Além de apóstolo do ateísmo, era conhecido pelas provocações a pela falta de prurido em esgadanhar 'vacas sagradas', testando limites: chamou Clinton de violador, Henry Kissinger de criminoso de guerra, Mel Gibson de fascista, a família real de mancha na reputação da Inglaterra, Gandhi de faquir, Diana de Gales de mina terrestre (da mesma forma fácil de colocar, mas sendo difícil, perigoso e extremamente caro livrar-se dela - uma piada horrível, reconheceu) e a madre Teresa de Calcutá de anã albanesa, fanática, mentirosa e ladra - acusando-a de receber dinheiro do ditador Duvalier do Haiti e de defender o Não ao divórcio num referendo irlandês, enquanto dizia esperar que a amiga Diana fosse mais feliz depois de se separar de Carlos.

Voltando ao saboroso livro, Hitchens diz que Deus não criou o homem à sua imagem, aconteceu o contrário*, e contesta de forma mordaz quem advoga que a fé responde a uma necessidade de consolo: os que 'oferecem um consolo falso são falsos amigos'.
Blasfémias, gritarão alguns.
Racional, Hitchens defende que o "criador não é um 'quem', mas um processo de mutação com elementos bastante mais aleatórios do que a nossa vaidade poderia desejar".
Um processo muito lento, digo eu. Ponderem, s.f.f.: se o universo tem 13.700 milhões de anos e o homem apenas 1 milhão, Deus teria que ter uma paciência de Job, assistindo a uma espécie de jogo de estratégia, em autorun, muuuuito lento, até chegar a parte interessante. Bem, mas Deus tem TODO o tempo do mundo, e perdia a graça despachar a história em modo fastfoward.

Um último amuse-bouche: num debate, desafiaram-no a responder sim ou não a um cenário - imaginando-se ao anoitecer numa cidade desconhecida, via um grande grupo de homens a aproximar-se. Sentir-se-ia mais ou menos seguro, se soubesse que voltavam apenas dum encontro de oração?
Qualquer outro seria encostado às cordas, mas Hitchens fez cheque-mate: 'Para me manter apenas na letra B, já tive essa experiência em Belfast, Beirute, Bombaim, Belgrado, Belém e Bagdade. Em todos os casos posso apresentar razões porque é que me sentiria imediatamente ameaçado'. Capice?
O mais natural é pensar que quem sai da missa vem imbuído de fraternais sentimentos (e geralmente vem), mas é factual que nessas cidades, e em muitas outras, a religião é motivo de escaramuça.

Um livro recomendável a crentes e incréus. E cá voltarei com ele, oxalá**.

* o homem sózinho, como atesta o papel subalterno da mulher na generalidade das religiões - como no Clube do Bolinha, 'menina não entra' na feitura de Deus
** do árabe In shaa Allah: se Deus quiser

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A COBARDIA É NATURAL

"A VERDADE É UM VENENO"
provérbio kmer

Assunto: a propósito dum 'especial informação' da RTP em Luanda, o jornalista Pedro Rosa Mendes chamou os bois pelos nomes e criticou a deferência nacional pelo Estado corrupto de Angola, e a sua rubrica na Antena 1 foi encerrada.
Suposição: com ou sem o 'desabafo' angolano, o governo ficou melindrado e deu uma palavrinha à administração da RTP/RDP.

Um amigo, gente de bem, comentou no facebook que 'existe sempre a tentação de controlar a informação, manipulá-la, esconder as "verdades inconvenientes", e silenciar os jornalistas'.
Condordei com o texto todo, menos com a frase optimista 'Mas felizmente, os cobardes não ficam na história, nem sequer nas entrelinhas'.
E respondi-lhe: A história é feita pelos vencedores, e os cobardes estão geralmente do seu lado. Se calhar até ficam na história e aparecem nas fotografias, de onde os corajosos são apagados... (palavras de céptico)

De facto, a verdade toda só é permitida a tolos, crianças, idosos e pessoas com total independência financeira - tirando os casos em que regimes se permitiam fazer desaparecer pessoas numa cave de Moscovo ou num avião sobre os Andes.
Aliás, por cada corajoso que fica na história, e pomos galhardamente na lapela, milhares sumiram na cloaca maxima da história, e pagaram esse anonimato com a vida, a liberdade ou coisas mais comezinhas como a saúde, a carreira ou o ganha-pão.
Quanto à cobardia, é uma expressão natural do instinto de sobrevivência: o fazer de morto e a fuga ao holofote ou à confrontação protege o animal-homem (e as suas crias) do predador ou do mais forte*.
E, bónus, ajuda na progressão social: a cobardia (lado b da bajulação) é uma ferramenta dos arrivistas.

No fundo, mais que uma questão de (in)consciência, é uma questão de feitio: os bravos, que levantam o dedo e discordam, podendo ser prejudicados por isso, poderiam citar Martinho Lutero, "Aqui estou eu, não posso fazer outra coisa".

* Sobrevive quem se adapta, nem sempre o mais forte, diz a história das espécies. Ou, como propôs Descartes para a sua lápide, em tempos mais inseguros, 'Aquele que se escondeu bem, viveu bem'.

sábado, 21 de janeiro de 2012

SEM MAIS ALIBIS


Fomos além da troika, diz orgulhoso Passos Coelho. Tratando o país como uma empresa, o premier resolveu que o problema do país são os salários - dos mais baixos da Europa -, excessivos para o que produzimos.
Primeiro foi a promessa de redução da taxa social única (o empregador pagava ao Estado menos por cada empregado, sendo a receita compensada por todos, no IVA), depois substituída pela intenção de aumentar o trabalho diário em meia-hora - pro bono, i.e., sem compensação.
Sob ameaça duma legislação mais radical, houve um acordo entre patrões e trabalhadores. É suposto um acordo representar uma aproximação entre 2 partes, em que ambas cedem. Não parece ser o caso, o que houve foi um acordo entre sitiante e sitiado, em que o último tenta conter os danos e reduzir o tamanho do tributo a pagar.
Com cortes nas férias e feriados, vai-se trabalhar mais dias pelo mesmo salário (ou menos, no caso dos fp), o horário é mais flexível, os sábados e as horas extras ficam mais baratos, os motivos de despedimento são alargados e as respectivas indemnizações diminuídas, o subsídio de desemprego é encurtado, não vão as pessoas ficar mal habituadas. Em suma, a flexisegurança ficou pela metade (ouço a voz do Malato, "Você é o elo mais fraco, Adeus.").

Seja. A ver vamos se aumenta a produtividade.
Mas acabaram os alibis. Não venha mais a conversa de que a culpa da falta de competitividade é o custo do trabalho. Será da Justiça-tartaruga que impede a resolução de dívidas a credores, funcionários e ao Estado, dos empresários-acordeão que abrem e fecham firmas (por vezes com mudanças cirúrgicas das denominação social, os foliões!), da falta de iniciativa privada, dum patronato anémico que se cola ao Estado e que não vê para lá de hoje, da falta de equidade fiscal e da economia paralela, de outros custos de produção - como a energia e os transportes (incluindo portagens...), onde o governo não mexe.
Outro pormenor, a nova legislação laboral é como o sol, para todos: para os que exportam e competem como para os restantes; para os que investem e criam emprego e os que 'aforram' para a piscina; para a indústria e a agropecuária que produzem bens transaccionáveis, como para os serviços - e não é sector terciário que 1) precisa de robustez e 2) pesa na balança comercial.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

HEIL BOSS


Já se sabia, várias grandes empresas colaboraram, com maior ou menor entusiasmo, com o 3º reich.
A IG Farben (que incluía a BASF, a Hoescht e a Bayer - esta patenteou em 1898 a heroína como antitússico para crianças, sem efeitos colaterais...) foi a maior doadora da campanha eleitoral de Hitler, produziu o ziklon B usado nas câmaras de gás e tinha uma avença anual com as SS, contra o fornecimento de prisioneiros (83.000) para trabalharam na sua fábrica de Auschwitz.

Também a Daimler-Benz apoiou os nazis, obtendo em troca reduções fiscais, contratos para a produção de armas e trabalhadores forçados.
O mesmo se passou com a BMW, com o pormenor do seu fundador, Helmut Quandt (os seus netos controlam hoja a empresa), se ter filiado no NSDAP em 1933 e ter recebido de Hitler, 4 anos depois, o impronunciável título de Werhwirtschaftsführer (líder da economia do Armamento). 

Curiosa é a entusiasta colaboração de certo estilista, que se filiou em 1931 no partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães, e que na década anterior (ainda Hitler liderava um grupúsculo bávaro) criou as espartanas fardas dos 'camisas castanhas', a claque para-militar do partido, das SS e da juventude hitleriana. Não destoando, pela sua fábrica passaram 140 trabalhadores forçados polacos ('angariados' pela Gestapo) e 40 prisioneiros de guerra franceses - o que dá algum requinte à grife...
A sua graça, Hugo Ferdinand Boss.

sábado, 14 de janeiro de 2012

JE HABLO MANDARIM

É um efeito boomerang, lento de séculos: como diria aquele grupo com o portuguesíssimo nome Da Vinci, fomos ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau; 500 anos depois, é a vez deles a instalar aqui as suas feitorias.

Diz-se que, quando morreu o generoso Afonso V (com o irónico cognome d'O Africano), apenas deixou ao herdeiro as estradas do reino. Hoje estamos pior: as estradas são parcerias público-privadas que estamos a pagar a peso de ouro, a banca tem mais poder que os prestamistas judeus e italianos de então, e o país pertencia nessa altura a uma oligarquia, sim, mas nacional.

Agora, não só parece que 17 das 20 maiores empresas cotadas na bolsa (PSI20) têm sede fiscal na Holanda, como as suas estruturas accionistas são uma espécie de Babel: lá se fala (e se manda em) inglês, português do Brasil e de Angola, alemão, francês, árabe, castelhano e mandarim*.
Inevitável? Sim. Irónico? Também.

E cadê os subscritores do Manifesto dos 40, de 2002, que defendiam a manutenção intransigente dos centros de decisão nacional (como Ricardo Salgado, Van Zeller, Nogueira Leite, Paulo Teixeira Pinto ou... Eduardo Catroga)? Agora ou se calam ou optam pela defesa dos centros de competência nacional.
Até ver.

* E já não são só os companheiros de bridge da velha Europa, mas também os emergentes (termo curiosamente usado no brasil para referir, com alguma snobeira, os novos-ricos), alguns à sombra ou dentro de Estados musculados.

Alguns dados foram retirados de relatórios publicados há alguns meses, podendo haver actualizações.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

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OS NOSSOS RATINGS SÃO OPINIÕES... SÃO MERAS OPINIÕES.
Raymond McDaniel, Moody's Corporation

OS RATINGS EXPRESSAM A NOSSA OPINIÃO. NÃO FAZEM A AVALIAÇÃO DE UM TÍTULO, A VOLATILIDADE DO SEU PREÇO OU A SUA CONVENIÊNCIA COMO INVESTIMENTO.
Daven Sharma, Standard & Poor's Credit Rating

Estes foram os depoimentos de 2 responsáveis de empresas de Rating, no Congresso americano, alijando responsabilidades na crise de 2008 (reproduzidos no imperdível documentário Inside Job).
Para quê tanto escarcéu quando nos atiram para o lixo, como 'decreta' hoje a S&P, seguindo a mera opinião de taxista da Fitch e da Moody's?

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O CALENDÁRIO DE D. FERNANDO

Além do Livro de Horas de D. Manuel, o Museu Nacional de Arte Antiga possui o Livro de Horas do seu filho, Infante D. Fernando, uma obra produzida entre 1530 e 1534 por Simon Bening (1483-1561) e também ela com um calendário de iluminuras.
Numa altura em que a imprensa de Guttemberg se expandia, e que as iluminuras se tornavam um luxo artístico, Bening era especialista em Trabalhos do Mês, ciclos com 12 cenas de actividades rurais correspondentes a cada mês do ano (ver ciclo típico nas legendas do meses) - ora pintados em iluminuras, como nos Livros de Horas, ora em igrejas, como as catedrais de Chartres ou Notre Dame, e combinados ou não com imagens do zodíaco. 

JANEIRO
banquete, comemoração

FEVEREIRO
inverno

MARÇO
poda das árvores, sementeira

ABRIL
plantação, diversão, colheita de flores

MAIO

JUNHO
colheita do feno (não é o caso desta iluminura)

JULHO
colheita do trigo

AGOSTO
selecção dos grãos de trigo

SETEMBRO
vindima

OUTUBRO
arear a terra e sementeira

NOVEMBRO
recolha de nozes de carvalho para os porcos

DEZEMBRO
morte do porco e cozedura do pão

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O CALENDÁRIO DE D. MANUEL

Ano novo lembra a palavra Calendário, e calendário faz lembrar, pois então, barbeiros e oficinas, com os meses no rodapé de meninas despidas.
Há outros calendários mais exclusivos, claro, como os da Pirelli, em que já existe um bocadinho de arte. Mas, mesmo com séries limitadas, há centenas de cópias.
Bom mesmo é ter um calendário handmade e só nosso. E houve afortunados assim.
Os Livros de Horas (sendo o mais badalado o do duque de Berry) tinham textos religiosos, orações e salmos, de acordo com os ritos diários (matinas, láudas, prima, tércia, sexta e noa, vésperas e completas), para uso privado. E, por regra, começavam com um calendário.
D. Manuel foi o feliz contemplado com um maravilhoso Livro de Horas, repletos de belíssimas iluminuras, 'pintado' entre 1517-38, em parte por António da Holanda (1480-1557, pai do pintor Francisco da Holanda).
A produção dos fólios foi tão demorada que o Livro foi concluído já no reinado de João III, e inclui uma imagem do funeral do Venturoso.
Faz parte do espólio do Museu Nacional de Arte Antiga.
Eis o calendário.

JANEIRO

FEVEREIRO

MARÇO

ABRIL

MAIO

JUNHO

JULHO

AGOSTO

SETEMBRO

OUTUBRO

NOVEMBRO

DEZEMBRO

... E O SALMO PENITENCIAL CONTRA A LUXÚRIA