...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

segunda-feira, 30 de junho de 2014

PALÁCIO DE SINTRA

'A primeira vez que ouvi o seu nome [D. Sebastião], foi em 1960, a caminho de Sintra (...). Em Sintra, ergue-se o Palácio da Pena, branco, de aspecto rotundo, enquadrado por três palmeiras, encimado por duas grandes chaminés bojudas. Eu não sabia nada sobre o Palácio da Pena, para além de ter sido habitado por um jovem rei extravagante.'
Catherine Clément, nos agradecimentos do livro Dez Mil Guitarras
 
Ninguém da Porto Editora deu pelo lapso, mas de facto a autora de A Senhora (um livro magnífico) não sabe mesmo nada sobre a Pena, porque não se referia a esse palácio que não existia no tempo de D. Sebastião, mas ao Palácio da vila - o único dos palácios medievais a sobreviver quase incorrupto até hoje, mantendo o formato quinhentista, respeitado no grande restauro efectuado após o terramoto de 1755.
Nesse, sim, passou temporadas D. Sebastião, e lá ouviu Camões apresentar os Lusíadas.
Tomado aos mouros aquando da  conquista de Lisboa, em 1147, o palácio ampliado por Dinis, João I e Manuel I foi cenário da história real: lá nasceu e morreu Afonso V, lá foi aclamado rei o filho João II, ali soube Manuel I das chegadas à India e ao Brasil, ali foi encarcerado Afonso VI durante os últimos 9 anos de vida - depois do irmão Pedro II lhe ter ficado com o trono e com a mulher, Maria Francisca de Sabóia (que ainda acusou o primeiro de impotência) -, por ali passou Manuel II antes de partir para o exílio.    
O ex-libris do palácio é a sala dos brasões, do reinado de Manuel I, cujo tecto ostenta as armas de Avis, rodeada pelos brasões dos 8 filhos do rei com Maria de Castela, e pelos brasões das 72 famílias nobres mais importantes do país - conforme dois livros do 1º quartel de quinhentos, publicados para acabar com a balbúrdia no uso das armas.  

 




Cozinha com 2 chaminés de 33 metros de altura, apresenta as armas reais de
Portugal e de Sabóia (Luís I e Maria Pia foram os últimos reis a habitar o palácio)

Quarto-prisão de Afonso V (única janela do palácio com grades; piso mudéjar do séc. XV)
 
Sala das Galés (transição entre séculos XVII e XVIII)
 
Sala dos Cisnes (reinado de João I, usada como salão-nobre, sala
dos infantes no reinado de Manuel I; tecto anterior a 1570)
 
Sala das Pegas (as aves seguram no bico a divisa de D. João I, Por Bem,
e nas patas, a rosa da casa de Lencaster, da rainha Filipa; reza a lenda que
João foi apanhado por Filipa a beijar uma dama, nessa sala, mandando
pintar 136 pegas - tantas quantas as damas da corte - e a expressão usada
na altura para justificar o 'descuido' à rainha, foi por bem)
 
Capela Palatina (início do séc. XIV, reinado de D. Dinis,
tecto mudéjar do séc. XV, retábulo do séc. XVI)
 
Sala dos Brasões (e seguintes). Armas de Avis
 


Sala dos Brasões. azulejos do séc. XVIII

LISBON STORY


 
 
 
  

 
 
 

 

O arco do triunfo da rua Augusta, aberto para a praça do Comércio e de estilo neoclássico, foi erguido em 1873-75 (uma 1ª versão existiu durante 2 anos, entre 1775 e 1777). As 3 esculturas superiores, de Célestin Calmels, representam a Glória a coroar o Génio e o Valor; as 6 esculturas inferiores, de Vítor Bastos, representam Nuno Álvares Pereira, Viriato, Vasco da Gama e o Marquês de Pombal, ladeados pelos rios Tejo e Douro. O friso VIRTVTIBVS MAIORVM VT SIT OMNIBVS DOCVMENTO.PPD traduz-se como 'Às Virtudes dos Maiores, para que sirva a todos de ensinamento. Dedicado a expensas públicas' 

sábado, 28 de junho de 2014

EFEITO BORBOLETA

 
Faz hoje 100 anos, às 10.45 da manhã, o servo-bósnio Gravilo Princip aproveitou a passagem do arquiduque Francisco Fernando Carlos Luís José Maria por Sarajevo e alvejou o herdeiro do império austro-húngaro, que incluía parte dos balcãs.
Passaria pela cabeça do nacionalista que a morte do sobrinho da princesa Sissi espoletaria uma série de eventos, e que depois de um mês certinho de beligerância diplomática (com a Áustria a responsabilizar a Sérvia pelo sucedido, com alguma razão), começava uma guerra que se espalharia da europa aos 5 continentes?
Imaginaria o rapaz de 19 anos que a sua pontaria levaria à morte de 10 milhões de civis e de 9 dos 70 milhões de militares mobilizados, pessoas que não tinham nada a ver com o assunto e nem sequer sabiam onde era a Bósnia: portugueses e espanhóis, brasileiros e costariquenhos, neozelandeses e australianos, indianos e rodesianos, japoneses...**
Faria ideia que, ao fim de 4 anos, a europa seria retalhada, com a implosão do império austro-húngaro (dividido em Áustria, Hungria, Checoslováquia, Jugoslávia - bingo para Princip! - e integração de territórios na Roménia e na restaurada Polónia), o ocaso do império otomano (ficou a Turquia, foi-se parte da arábia, a França abocanhou a Síria e o Líbano, o Reino Unido ficou com a tutela da Palestina  e do Iraque; a Albânia e o Kuwait já tinham 'partido' em 1913), o downsizing do império alemão (perdeu as colónias e de 13% do seu território para a França, Bélgica, Dinamarca, Checoslováquia, Polónia e Lituânia) e a mutilação do império russo (independência da Finlândia e dos estados bálticos, entrega de territórios à Roménia e à Polónia)?
Imaginaria ele que, em 1918, a Rússia fosse comunista (adeus Romanov) e a Alemanha, a Áustria, a Hungria republicanas (adeus Hohenzollern e Habsburgos), seguidas pela Turquia em 1922 (adeus sultão)?
Sonharia ele que a humilhação da Alemanha levaria a outra guerra (na verdade, o 2º round), 20 anos depois, e que depois dela a sua Jugoslávia estaria sujeita ao amplexo de Estaline? 
Soubesse Gravilo os 'danos colaterais' dos seus tiros, faria o mesmo?
E se o motorista de Francisco fosse por outra rua**, ou Princip apanhasse um resfriado e ficasse nesse dia em casa, a caldos de galinha?
E se tivesse fraca pontaria?
 
* de um lado, a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Bulgária e o império otomano, do outro o império britânico, a França,  a Bélgica, a Sérvia e a Roménia, a Rússia, a Itália (inicialmente na Tríplice Aliança), a Grécia, Portugal, os E.U.A., o Japão e o Brasil.
** quase um acaso: o arquiduque e a mulher escaparam nessa manhã a outro atentado com uma granada, resolveram visitar as vítimas no hospital e, depois, perderam-se a caminho do hospital, passando na rua onde estava Princip.  
 
 

sexta-feira, 27 de junho de 2014

MADINAT FAS

10 horas de viagem*, ida e volta, para visitar Fes, a maior medina (cidade velha) do mundo, com mais de 9400 ruas, 1300 becos, 150 mesquitas, berço da universidade e da madrassa em funcionamento mais antigas do mundo (ambas de 859 d.c.).
Consta que a austeridade das paredes esconde casas 'alucinantes', mas tirando a madrassa Bou Inania(escola corânica) fundada em 1351, ficámo-nos pelas portas do palácio real e da mesquita (erguida no séc. IX e reconstruída no séc. XII), vedada aos incréus. Para compensar, só vimos a porta azul, a mais famosa entrada na medina, em ímanes de frigorífico.
O resto, foi um périplo acelerado pelas ruelas 'aromáticas', sujas e apinhadas**, literalmente perseguidos por vendedores ambulantes insistentes e, qual rebanho pronto para o sacrifício, estações duma via sacra para compras nos locais escolhidos pelo guia: uma fabriqueta de azulejos, uma farmácia berbere, uma oficina de curtumes e uma tecelagem.
O serviço do descarado guia, mais interessado nas suas comissões (impedindo desvios no percurso) do que nas explicações sobre a cidade, foi 'descontinuado', a resposta da agência aos protestos dos viajantes.
Tudo sopesado, a visita à cidade fundada em 789 é absolutamente obrigatória para quem esteja perto, vá, a menos de 500 quilómetros.
 
* ninguém excede o limite de velocidade, mas pode andar-se em contramão, e sem capacete ou cinto de segurança; passadeiras, népias.
** estão muito avançados nas polifunções, como os talhantes-dentistas, ou no conceito 'do prado ao prato', com a escolha da galinha viva, degolada e eviscerada na banca.   
 
uma das 7 portas do palácio real

medina
 


Oleiro

 

mesquita

 

 

 

 

Oficina de curtumes


 



 

madrassa
 

 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

A RUA DA HORTA DO BISPO

 

A restaurada* Rua das Flores faz-me lembrar a epígrafe do 'Ensaio sobre a Cegueira', que Saramago catou no 'Livro dos Conselhos' de D. Duarte: Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. Conhecer a história dos lugares é como ter uma lente bifocal, permite ver o todo e o pormenor, que nos escaparia de outra forma.

D. Manuel quis e a obra nasceu: entre 1521 e 1525, é aberta na urbe uma nova rua, em plena horta do bispo, para unir o mosteiro masculino de S. Domingos à Porta dos Carros da muralha fernandina... ou ao novel mosteiro feminino de S. Bento da Avé-Maria, iniciado em 1518 - outra das 'determinações' de D. Manuel em terrenos do bispo.
O nome original da rua, de Santa Catarina das Flores, lembra a horta florida do prelado e a sua devoção, Santa Catarina de Alexandria (onde nasceu) ou do Monte Sinai (onde o seu corpo incorrupto terá sido encontrado).
A rua foi ocupada por nobres (uma novidade, até então era proibido a sua pernoita na cidade) e a burguesia em ascensão. Mas várias casas eram propriedade do bispo ou do cabido, e tinham a sua marca: respectivamente, uma roda (onde Catarina seria torturada, não fosse ter-se partido quando a santa fez o sinal da cruz...) ou o arcanjo Miguel. Esses sinais ainda se encontram em 6 ou 7 casas, ao longo da rua - e nunca tinha reparado neles, até saber da sua existência.
Há outro pormenor, que pode não passar duma caluniosa coincidência: a casa dos Cunha Pimentéis (erguida em quinhentos e comprada em 1699 por Jerónimo da Cunha Pimentel), virada para o Largo de S. Domingos, tem o brasão setecentista na esquina: e brasão de esquina era sinal de bastardia, enquanto herdeiros legítimos tinham o brasão na fachada.

* Não há rua no casco histórico do Porto sem casas com vidros partidos ou portas entaipadas. Na rua das Flores, é o caso da casa dos Maias (levantada em quinhentos por Martins Ferraz, restaurada no séc. XVIII e vendida a Domingos Maia, um 'arquitecto amador', no século seguinte), cujo pesado brasão da primeira família recorda como o dinheiro muda de mãos.