...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

OS CANALHAS TAMBÉM TÊM AMIGOS

Emprestaram-me um livro sobre a última criada de Salazar, que retrata o ditador doméstico. Vinha sublinhado, e constatei que eu não marcaria nenhuma dessas passagens, mas muitas outras - o proprietário do livro, que tem Salazar em boa conta, interessou-se por pormenores do homem, a mim interessou o político, pouco empático.
Tirando os santos (e ainda não me cruzei com nenhum), as pessoas são é um somatório de facetas, e só parte destas é meritória. Como a luz, que refratada, se divide, todas as pessoas têm violeta, anil, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho. Só que em doses desiguais e alguns são mais luminosos.
E podemos apontar o dedo a uma pessoa e gostar genuinamente dela na mesma, como aquele amigo preguiçoso, o outro que se atribuí uma certa liberdade narrativa (i.e., gosta de inventar, para tornar as estórias mais suculentas) ou aqueloutro com carreira política, que o obriga a uma plasticidade e a uma coerência muito próprias - amizade é aceitação.
 
Da mesma forma que um político pode ser desleal com a mulher e sério com os eleitores, ou o contrário, uma pessoa pode ser egoísta com uns e generosa com outros, ser belicoso com uns e afectuoso com outros, ser honesto com uns e roubar outros (por amoralidade, cleptomania ou necessidade), pétreo com uns e divertido com outros, impiedoso com uns e coração-mole com outros, glacial com uns e apaixonado com outros. Ou com os mesmos, em alturas diferentes, que o digam as mulheres de Henrique VIII.
Mas todos, todos, têm amigos, mesmo o maior facínora tem quem lhe aprecie a companhia.  Afinal, toda a gente é amiga de toda a gente, não é?
 

um belicoso na sua casa na montanha bávara, Berghof

Com a Sra. Albert Forster, Berghof, finais de 30s

apartamento na chancelaria

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

MODERNICES


[em 1968] Já o homem ideal, segundo as crónicas femininas, deve telefonar à mulher quando se atrasa no escritório. «Escangalha-se uma torneira, entope-se um cano» e ele deve arranjar. Tem de estar disponível para «pegar num esfregão e num balde» e não arvorar «ar de mártir» nessas tarefas. Não pode ainda esquecer o aniversário de casamento, de elogiar o novo penteado ou o vestido da consorte. E isso «sem fazer alusão a quanto possa ter custado», pois o «homem ideal» sabe que «a mulher precisa de dinheiro para gastos pessoais e estabelece o orçamento para que não haja discussões». Se há mulheres que não conseguem encontrar a sua cara-metade com esses predicados, «é por sua própria culpa».

Em A Última Criada de Salazar, Miguel Carvalho

(EX)CITAÇÕES DE SALAZAR


Não se pode, ao mesmo tempo, encantar e governar a multidão.

[jornais] Creio que é um vício porque o que aprendo não tem qualquer relação com o tempo que perco.

O jornal é o alimento espiritual do povo e deve ser fiscalizado como todos os alimentos.

Nós somos um País pobre que, tanto quanto se enxerga no futuro, não pode aspirar a mais do que à dignidade de uma vida modesta. (parece uma coelhice)


[função pública] O português, que é generoso e bom, transforma-se às vezes nas repartições atrás das mesas de trabalho, esquecido de que a pobre gente que pede um conselho, deseja um esclarecimento, se justifica duma falta, é a que trabalha e paga para que nós defendamos os seus interesses.

[o interior] As pessoas que ali vivem estão ainda muito arreigadas às suas tradições e modos de vida seculares. Se lhes levamos o progresso de repente, perturbaremos gravemente os seus equilíbrios naturais. Por exemplo, se acabamos com as fontes e lhes levamos água a casa, as mulheres já não terão de ir todas as manhãs com o cântaro à fonte. Como é que elas hão de poder pôr a conversa em dia umas com as outras?
Em A Última Criada de Salazar, Miguel Carvalho

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ANTÓNIO AREAL

António Santiago Gonçalves Areal e Silva (Porto 1934 - Lisboa 1978) foi - dizem - um pintor neofigurativo e abstracto de feição geométrica, auto-didacta de 'composições abstractas com justaposição de imagens incoerentes, de estranho mas sugestivo efeito'. No catálogo da exposição 10 Artistas (galeria S. Mamede, 1972), escreve-se 'De raiz surrealista, tem efectuado uma assistemática campanha de vanguarda, que crê definir-se como autocrítica num plano dialéctico de contradição'. Rui Mário Gonçalves resumiu 'Um grande terror está presente em toda esta investigação visual e mítica, conduzida com uma técnica extraída à execução realística - ele próprio classificou alguns desenhos de «realismo divergente» - cuja intenção é despertar os nossos modos de interrogação, incitar-nos à projecção psíquica, desenvolver a nossa capacidade visionária'.
Eu sou mais básico, e não faço uma análise tão tricotada da obra de Areal, mas encontro lá o abstraccionismo, a geometria, o surrealismo (de que se afastará a certa altura) e o tal realismo divergente, quer na pintura, quer na escrita desconcertante.
Roguei ao proprietário duma colecção privada de obras de Areal, que me permitisse fotografar alguns quadros, todos em platex (material usado por Areal), porque eles merecem ser vistos por mais gente que as visitas de casa - mesmo com as limitações dum fotógrafo incompetente.
O primeiro quadro é, de longe, o meu preferido e, lembro como se fosse hoje (mistérios duma memória porosa), foi assunto de conversa na primeira vez que lá entrei, há uns 25 anos: são úberes, insistimos eu e o meu pai, contra a opinião do connaisseur.        

1964

auto-retrato, 1972

Opus III, 1964

Série Capacetes, 1960s

Série O Coleccionador de Belas-Artes (14 quadros), 1970







ca. 1966



Prémio de desenho, 1968, SNI

ESCRITO


Cotaçõeshttp://www.vart.pt/areal_antonio
http://www.saomamede.com/artista.php?id_artista=26
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Areal
http://www.infopedia.pt/$antonio-areal

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

MUSEU NACIONAL MACHADO DE CASTRO

Ora aí está uma razão para não dar por perdida uma manhã de domingo: aproveitar a entrada grátis do MNMC, um museu delicioso, não só pelo miolo - estatuária, pintura, cerâmica, tapeçaria, ourivesaria -, como pela côdea: o local foi centro administrativo, político e religioso na era romana, templo cristão pelo menos desde o séc. XI, paço episcopal desde a segunda metade do séc. XII e museu desde 1911 (fundado nesse ano e inaugurado em 1913).
E cheira a novo: encerrado em 2004, foi sujeito a obras entre 2006 e 2012, com a batuta do arquitecto Gonçalo Byrne. O criptopórtico romano, do séc. I (descoberto em 1927 e 'desentulhado' nos últimos anos) abriu em 2009 e o resto a 11.12.2012.
Até 29 de Setembro, há um brinde, a exposição itinerante da colecção de arte da fundação Millenium BCP, aqui intitulada '100 anos de arte portuguesa nos 100 anos do MNMC' (1884-1992).
A rematar, um almoço na esplanada do restaurante, preço em conta e vista fantástica. Para a digestão, andem 100 metros até ao Paço das Escolas e entrem na biblioteca joanina.
 
 
n.r.: o museu foi crismado com o nome do coimbrão Joaquim Machado de Castro, talvez o nome maior da escultura portuguesa (a seu crédito, a estátua equestre de D. José e a estátua de D. Maria da BN, estátuas das quintas de Oeiras e de Caxias, ou uma série de presépios barrocos), mas não demos lá por nada seu.

Loggia do final do séc. XVI, atribuída a Filipe Tércio

Cúpula da Sé Velha

Lápide dedicada pela cidade de Aeminium ao «dileto príncipe Flávio Valério Constâncio,
nascido para o bem e progresso da República, pio, feliz, invicto, augusto,
pontífice máximo, com o poder tribunício, pai da pátria, procônsul» (305-306dc)

Criptopórtico, galeria de dois pisos que sustentava o fórum da Coimbra romana
(Aeminium), de forma a contornar o declive da colina; iniciada em tempos de Augusto
e reconstruída por Caio Sevius Lupus, no consulado de Cláudio



Na vertical, ara consagrada aos deuses Manes, em memória de Vagelia Rufina
Júnior, por seu avô, Álio Avito, e seu pai, Silvânio Silvano (séc. II)

Agripina-a-velha (avó de Nero), cerca de 40dc

Vespasiano

Claustro românico do período condal (1100-1140) da primitiva igreja
de S. João de Almedina, aqui erguida no séc. XII

S. João de Almedina

 Cavaleiro Domingos Joanes, sepultado na capela dos Ferreiros


Deposição de Jesus no túmulo, de João de Ruão. A composição, considerada uma das obras-primas
do escultor normando, apresenta S. João e as santas mulheres, trajando à moda do séc. XVI


Arca-relicário dos 5 mártires de Marrocos, estilo gótico precoce. Mosteiro de
Lorvão (séc. XIII-XIV). Reza a lenda que foi com a chegada das relíquias a
Coimbra, Fernando de Bulhões trocou a ordem Agostinha pela Franciscana,
com o nome de António de Lisboa 


Cristo no túmulo, mosteiro de Santa Clara a velha (1375)

Virgem do Ó (gestante) de mestre Pero, Sé velha (séc. XIV)

Arcanjo S. Miguel, de Gil Eanes,
Igreja de S. Miguel de Montemor-o-Velho (séc. XV)

Virgem da Anunciação (séc. XVI)

Virgem do leite



Capela dos Ferreiros

Judas


Última Ceia de Filipe Hodart (1530-34), em terracota, já com elementos maneiristas e barrocos,
destinada ao mosteiro de Santa Cruz. Figuras inspiradas em mendigos e trabalhadores das
obras do mosteiro. Peças recuperadas do refeitório do Mosteiro de Santa Clara


Pietá de Frei Cipriano da Cruz, igreja do colégio beneditino de Coimbra

Virgem, Josefa d'Óbidos

Relicário

Custódia (séc. XVI)



Sé velha

DA COLECÇÃO MILLENIUM BCP
Nadir Afonso

Cargaleiro

Volta da Feira (chegada do Zé Pereira à Romaria), 1905, José Malhoa

Menez


Columbano Bordallo Pinheiro

José de Guimarães

Gaya (1971), Vieira da Silva

Mais em 
http://mybrainsociety.blogspot.pt/2013/01/museu-machado-de-castro.html#!/2013/01/museu-machado-de-castro.html
http://www.portugalnotavel.com/2010/08/criptoportico-romano-de-aeminium-no-museu-machado-de-castro-coimbra/