Sempre. Esta exposição foi um convite da Kameraphoto - um colectivo de fotógrafos fantásticos -, que me me sugeriu que mostrasse os retratos que fiz nos anos 50 ou 60. Foi o Valter Vinagre que seleccionou as imagens. Os meus retratos não são clássicos. Não gosto do "Olhe para a máquina". Mas houve retratos muito complicados.
Quais?
O do bailarino Rudolf Nureyev. Como conhecia bem o São Carlos, pus-me num corredor por onde ele tinha de passar e esperei. Quando ele passou gritei: "Um minuto." Só tenho aquela fotografia. A do Orson Wells também foi complicada.
Porquê?
Ele era inacessível. Esteve em Portugal, mas só o apanhávamos a entrar e a sair do Hotel do Guincho. Como eu era amigo do dono do hotel pedi-lhe que intercedesse por mim. O sr. Wells lá condescendeu, mas avisaram-me: "Tens de ser rápido." A única coisa que lhe pedi foi que se aproximasse da janela. Fiz duas fotografias.
Ele foi simpático?
Nem por isso. Num retrato é importante que haja uma empatia entre fotógrafo e fotografado. Se não existe, isso reflecte-se nos olhos do retratado. Vê-se que Orson Wells estava ali a aturar-me.
Como conseguiu fotografar a actriz Gina Lollobrigida?
Foi em 1967, na festa dos milionários Patiño. Eles tinham um fotógrafo estrangeiro e um português, um bate-chapas de quem não vou dizer o nome. O resto ficava ao portão. De repente vejo um tipo que eu conhecia dentro de um carro e pedi-lhe que me deixasse esconder no banco de trás. Parecia uma criança numa loja de brinquedos. Aquilo era só vedetas. Fiz dez fotos e fui expulso. O fotógrafo português entregou-me à segurança.
Na exposição, quais são as fotografias mais marcantes?
Há muitas. A do Raul Solnado é inusitada. Tinha combinado uma reportagem com ele e como estava para breve a inauguração da ponte sobre o Tejo sugeri irmos para lá. Ele era um tipo fantástico, das melhores pessoas que conheci. Fizemos coisas malucas, como a fotografia dele no esgoto. Também gosto muito da fotografia da Amália a sair do carro. Ela parece estar num sítio estranho, com crianças que não lhe ligam nenhuma, e no meio da confusão está como uma diva. Também tenho uma história engraçada com o Torga.
Com o retrato em que ele está de meias?
Nessa altura eu era fotógrafo do presidente Eanes e andava a fazer um livro sobre o Alentejo, mas não tinha ninguém para escrever o texto. O Eanes pôs-me em contacto com o Torga. Ele aceitou, mas disse-me que cobrava cem contos. Um dinheirão em 1985. Quando conheci Torga, aproveitei para o fotografar, mas pensei: "Tramaste-me com os 100 contos, tramo-te com as meias." (Risos.) Não sou nada vingativo e aquilo ficou giro. Mas a história não termina aqui.
O que é que aconteceu?
Fui a Coimbra com o recibo do pagamento e ofereço-lhe umas fotos minhas do Alentejo. No meio da conversa, ele abre o armário e pergunta: "Já leu o meu último diário?" Respondi: "Não li, sr. doutor." Ele tinha montes de livros no armário, tinha acabado de receber 100 contos e responde-me: "Vendem aqui em baixo, na livraria." Não gostei, claro. Depois pedi-lhe um autógrafo e ele não achou graça.
No retrato de Sophia de Mello Breyner parece que não está ali um fotógrafo. Como consegue passar despercebido?
Já conhecia a Sophia de quando trabalhava na revista "Eva" e ela simpatizou comigo. Estava muito à vontade. Era quase da família. Naquele caso ela estava em casa assim e limitei-me a disparar. Era uma mulher com uma postura corporal fantástica, elegante, muito educada, e confiava em mim.
Como se conquista essa confiança?
Sendo uma pessoa credível, conversando com o fotografado e criando uma relação de confiança. Só duas pessoas é que me pediram para ver as fotos antes.
Quem?
O Cavaco Silva, na altura em que era primeiro-ministro, e o Champalimaud.
Porquê?
Estava a fazer um livro chamado "Revelações" e queria fazer retratos diferentes. Por exemplo, fotografei o Vergílio Ferreira a tocar violino para os amigos e o Jorge Sampaio, que é um melómano, fotografei-o com uma batuta a simular uma orquestra. O Champalimaud quis fotografá-lo de luvas de boxe, como um lutador, e consegui. Mas os filhos ficaram preocupados e tive de lá ir mostrar a fotografia antes. Ele gostou e depois de lhe enviar um exemplar do livro mandou-me uma carta muito simpática e um cheque para pagar a oferta. O Cavaco fotografei-o com um cão ao colo.
Como correu essa sessão?
Inicialmente queria fotografá-lo como professor de York, com aquele fato académico. Estava tudo combinado, luzes montadas, mas no último momento desistiu. O assessor explicou-me que ele queria ficar como primeiro-ministro. Eh pá, mas como é que se fotografa como primeiro ministro? Aparece-me o Cavaco com uma central telefónica. Fiquei aflito. Ele agora está diferente, não tão frio.
Fotografou-o assim?
Tive de o fazer. Mas como o chefe de segurança me tinha dito que ele gostava de um cão sugeri que fossem buscar o bicho. Lá veio o cão. Primeiro fotografei com o cãozinho aos pés, depois ao lado, a seguir ao colo. Anos mais tarde perguntei ao assessor dele a razão da desconfiança. Descobri que outro fotógrafo disse-lhe eu ia lá para o tramar. Agora até brinca com a foto. Numa apresentação à imprensa, disse: "Este homem conseguiu pôr-me um cão ao colo."
Jornal i, 15.1.2011
















Sem comentários:
Enviar um comentário