...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

sábado, 25 de julho de 2009

Alcoviteiras




Vivi no Cartaxo entre os 5 e os 16 anos. Vivi depois em Lisboa, Vila Real, Gaia, Póvoa de Varzim e Matosinhos.
No prédio onde vivia no Cartaxo, as pessoas davam-se com frequência, sabiam a vida uns dos outros – contribuíam mesmo para a sua divulgação –, emprestavam a salsa, cuidavam dos filhos doentes dos outros.
Desde então, nunca mais vivi num prédio assim - por decisão minha, que raramente alimento conversa.
Vivi na Póvoa de Varzim durante 4 anos, frente à praia (caiu-me a parabólica com ferrugem), em Aver-o-Mar, uma freguesia popular em que havia mexerico. Eu nunca soube nada sobre os vizinhos, mas eles logo descobriram a minha profissão, não sei como. Ao lado do meu quarto era a casa duma vizinha com a qual, em 4 anos, falei 10 minutos, 8 deles sobre o elevador que nunca funcionava. A dita, certo dia, disse-me: “ontem houve gargalhada à noite, é que se ouve tu-do”, com um sorriso brejeiro... Tive a sorte de haver no 3º andar umas condóminas que “recebiam” cavalheiros. Soube-o porque me contou a mesma vizinha – respondi-lhe que não incomodam, mal as via e eram absolutamente educadas, incluindo a criança duma delas. Não era da minha conta, desde que o prédio não ficasse mal frequentado - e não ficou.
Agora vivo num prédio com 77 casas e jardim interior, o que facilitaria o convívio. Mais uma vez, investigaram o que eu fazia num instante. E eu continuo anacoreta: há dias, precisava de avisar um rapaz que deixara a luz ligada no carro, e demorei a descobrir o nº da porta. Para o-reformado-que-conhece-toda-a-gente mo indicar, tive que vomitar a informação toda que juntei em 8 anos: tem a carta há pouco tempo, tem um volvo antigo azul metalizado, o pai tem cabelo branco e acho que trabalha na Volvo, tem uma irmã mais nova, os nomes não sei. Só quando disse que achava que o homem do cabelo branco era primo da sua filha (que vive noutra das casas), é que o velhote se lembrou, “ah esse é o (já esqueci), é cunhado da Isabel”.
O mesmo reformado contou-me ontem o seu percurso clínico a caminho duma prótese na anca, com todas as datas e exames - bastou perguntar-lhe "como anda?". Aqui entre nós, não tenho nenhuma curiosidade acerca da vida dos outros vizinhos, embora alguns até possam ser pessoas interessantes de conhecer. É que não gosto de bisbilhotice. Mas azar, agora não peço manteiga à vizinha, mesmo que me falte...

Sem comentários:

Enviar um comentário