Emprestaram-me um livro sobre a última criada de Salazar, que retrata o ditador doméstico. Vinha sublinhado, e constatei que eu não marcaria nenhuma dessas passagens, mas muitas outras - o proprietário do livro, que tem Salazar em boa conta, interessou-se por pormenores do homem, a mim interessou o político, pouco empático.
Tirando os santos (e ainda não me cruzei com nenhum), as pessoas são é um somatório de facetas, e só parte destas é meritória. Como a luz, que refratada, se divide, todas as pessoas têm violeta, anil, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho. Só que em doses desiguais e alguns são mais luminosos.
E podemos apontar o dedo a uma pessoa e gostar genuinamente dela na mesma, como aquele amigo preguiçoso, o outro que se atribuí uma certa liberdade narrativa (i.e., gosta de inventar, para tornar as estórias mais suculentas) ou aqueloutro com carreira política, que o obriga a uma plasticidade e a uma coerência muito próprias - amizade é aceitação.
Da mesma forma que um político pode ser desleal com a mulher e sério com os eleitores, ou o contrário, uma pessoa pode ser egoísta com uns e generosa com outros, ser belicoso com uns e afectuoso com outros, ser honesto com uns e roubar outros (por amoralidade, cleptomania ou necessidade), pétreo com uns e divertido com outros, impiedoso com uns e coração-mole com outros, glacial com uns e apaixonado com outros. Ou com os mesmos, em alturas diferentes, que o digam as mulheres de Henrique VIII.
Mas todos, todos, têm amigos, mesmo o maior facínora tem quem lhe aprecie a companhia. Afinal, toda a gente é amiga de toda a gente, não é?
um belicoso na sua casa na montanha bávara, Berghof
Com a Sra. Albert Forster, Berghof, finais de 30s
apartamento na chancelaria