'Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.'
Tomasi di Lampedusa, Il gattopardo
O avô, casado em Moscovo, foi secretário-geral do PC americano e candidato à
presidência em 1936 e 1940 (sendo o 1º a apresentar um vice negro).
William Browder, na idade da rebeldia, quis contrariar o
comunismo da família e tornar-se capitalista. Em 1989, caído o muro de
Berlim, resolveu fazer o caminho inverso do avô e levar o capitalismo à Rússia,
criando o Hermitage Capital Management.
No final do regime comunista, o Kremlin vendeu as empresas
estatais por tuta-e-meia, a um grupo de 22 pessoas, mas o HCM apanhou as migalhas que caíram da mesa, investindo em empresas ligadas ao petróleo, gás e
minérios.
Em 1999, Browder descobriu que as empresas onde investira estavam a ser roubadas em centenas de milhões de dólares, e começou a coleccionar
provas de corrupção em várias empresas russas, entregando-as a grandes jornais.
Nessa altura, Putin queria acabar com o poder dos oligarcas, e prestou-lhe
atenção. Em 2003, prendeu o homem mais rico do mundo (Khodorkovsky, dono da
Yucos) e mostrou-o enjaulado no tribunal - ora, os outros oligarcas não quiseram ter
o mesmo destino e fizeram um pacto com o presidente, dar-lhe 50% dos lucros.
Volte-face, acabou-se o idealismo de Putin e, nesse mesmo ano, Browder foi impedido de entrar na
Rússia.
Isso não chegou: em 2007, agentes do
Ministério do Interior entraram na sede da HCM e confiscaram toda a documentação, usando como argumento dívidas forjadas ao Estado e a empresas de fachada no valor de 1000 milhões de dólares.
Não apanharam nada, porque o fundo há muito havia retirado todo o capital do
país, mas a 'nova' HCM (agora com outros 3 donos, condenados por assassinato, burla e roubo…) conseguiu reclamar 250 milhões às finanças russas, usando os documentos originais e carimbos confiscados na rusga: bastou corrigir 1000 milhões de dólares de lucros para prejuízos. O pedido de reembolso foi aceite em 24 horas.
Em 2008, 6 dos 7 advogados do HCM tinham aceite o convite de
Browder e trocado Moscovo por Londres. Menos um, o único sem idade para se
lembrar do terror soviético, Sergei Magnitsky (1972-2009), que levou as provas
dessa burla ao Estado por parte de polícias, juízes e oficiais de finanças corruptos.
Aqueles mesmos polícias não só foram
nomeados para investigar a burla de que foram acusados, como foram a casa do
advogado e prenderem-no por uma alegada fraude fiscal realizada numa empresa em
2001... quando Sergei não trabalhava lá.
Sergei esteve preso 358 dias: recusando sempre retratar-se da acusação, foi repetidamente submetido a
tortura do sono, numa cela sem vidraças, com 14 pessoas para 8 camas e um buraco borbulhante como latrina; quando lhe apareceram uma pancreatite e cálculos
renais, a operação foi desmarcada porque insistiu em manter o depoimento – foi
então transferido para um prisão sem cuidados médicos e, 3 meses depois, para
um hospital prisional.
Aí, em vez de tratado, foi algemado a uma cama, espancado
por 8 polícias anti-motim e deixado morrer numa cela de isolamento. À família,
foram negados os pedidos de autópsia e investigação criminal.
O que sucedeu às pessoas acusadas por Sergei de estarem envolvidas na
burla? Foram ilibadas, enriqueceram repentinamente e/ou foram promovidas.
E, pasme-se, a
‘Justiça’ insiste num julgamento
póstumo de Sergei.
Vai assim a geriátrica Mãe Rússia, como sempre - com um poder cleptocrata, déspota e assassino. Infelizes dos povos para os quais o Estado não significa protecção, mas ameaça.
Acontece que está tudo documentado, incluindo a autorização para o uso de bastões de borracha para bater em Sergei (azar dum Estado burocratizado), existe alguma imprensa livre e a HCM tem muito dinheiro para gastar em investigações - e assim o caso ganhou notoriedade.
Browder tomou para si a causa de Sergei e passou agora por cá, tentando que Portugal siga o exemplo do Canadá, União Europeia, Holanda e Reino Unido (nos EUA, o processo está avançado) e recuse a
concessão de vistos a cerca de 60 pessoas relacionados com o crime.
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