Em 1568, uma filha de D. Manuel, a infanta D. Maria, devota de Santa Engrácia e possuindo uma relíquia dela (pois...), resolveu dedicar-lhe uma igreja fora das muralhas de Lisboa. A construção começou em 1570, mas a igreja era muita pequenina e, nos primeiros anos de 80, o
invasor Filipe resolveu fazer uma coisa maiorzinha.
Em 1630, alguém roubou o sacrário da igreja-estaleiro. Nada como culpar um cristão-novo que viram por ali: Simão Solis recusou dar um álibi (estaria metido com uma monja dali perto), e foi queimado na fogueira, não sem antes praguejar "
é tão certo eu estar inocente, como as obras desta igreja nunca acabarem". Foi quase.
Uma irmandade (a Confraria dos escravos do Santíssimo Sacramento, composta pelo rei e 100 nobres fidalgos, para
expiar o pecado do roubo) resolveu andar com as obras para a frente, mas foi complicado: primeiro um raio deu cabo da capela-mor em 1681, voltando tudo ao início no ano seguinte, mas em maior, com o arquitecto João Antunes; depois foi João V que desviou as suas atenções para a construção do
seu convento de Mafra; o Marquês de Pombal ainda mostrou interesse pela empreitada, nomeando responsável o seu irmão Paulo de Carvalho e Mendonça, mas depois da morte deste a coisa voltou a empatar.
No século XIX, surgiu a intenção de criar um panteão, para 'alojar' os heróis da Pátria. Almeida Garrett propôs os Jerónimos, mas a ideia não pegou. Com o advento da República, aí sim, decidiu-se finalmente: em 1916, a igreja de Santa Engrácia era o Panteão.
Foi feito um concurso para acabar a 'casa de todos os deuses', numa contenda entre quem queria acabar simplesmente a obra, pondo a cúpula que faltava (inspirada nos modelos francês e clássico), ou fazer um projecto mais elaborado. A falta de escudos resolveu a disputa: acabe-se o tecto.
Só havia um problema, a igreja estava ocupada... por uma fábrica de sapatos. E, no meio da guerra mundial, eram precisos sapatos para as tropas. Está bom de ver, a fábrica foi ficando.
Veio Salazar, e as obras foram-se fazendo devagarinho: o que interessava à propaganda eram os monumentos que galvanizassem a nação, associados ao nascimento de Portugal, à epopeia marítima e à restauração - essencialmente românicos e góticos, o período barroco não era prioridade.
Mas lá terminou: em 1966, temos cúpula. Nunca foi é igreja, a única missa lá celebrada durante 3 séculos foi a do 7º dia da morte de Salazar.
E lá estão os escritores Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro, Almeida Garrett e João de Deus, os presidentes Manuel da Arriaga, Teófilo Braga, Sidónio Pais e Óscar Carmona, o candidato Humberto Delgado... e a Amália.
Podíamos ter aprendido com os franceses: ao início, punham e tiravam os 'restos' de republicanos (como o jacobino Marat), conforme o lado que estava na mó-de-cima, até decidiram que ninguém podia ir para o panteão até 7 anos após a morte, para a poeira assentar e ver-se a frio se merecia a honra.