...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

GARRAFA MEIA-CHEIA OU MEIA-VAZIA?


A ONU reconhece 192 países, mais o observador Vaticano (há ainda mais 60 regiões auto-intituladas de países). No índice de desenvolvimento humano em 2006, publicado pela ONU em 2008, Portugal ocupava a 33ª em 75 posições, tendo sido ultrapassado, nesse ano, por 4 petro-Estados (na combinação da riqueza, educação e esperança média de vida). Estamos, portanto, à mesma distância da Islândia (o 1ª) e do Panamá (o 58º).
No índice de felicidade da Univ. Roterdão, Portugal ocupa a 78ª posição em 144 países, atrás do Irão e colado ao Mali e ao Laos – o 3º lugar da Colômbia deve-se ao efeito da coca, imagino. Bem acompanhados, como se vê.
Agora na Europa, uma espécie de rotary club das nações: quanto ao poder de compra standard (PCS, critério que elimina as diferenças de preços entre países), o Luxemburgo lidera (1503 PCS), a Bulgária fecha o cortejo (216 PCS) e Portugal é assim-assim (546PCS). O salário mínimo existe em 20 países da UE, por esta ordem: Luxemburgo (1570€), Irlanda (1403), Reino Unido (1361), Holanda (1301), Bélgica (1257), França (1254), Grécia (668), Espanha (666), Malta (585), Eslovénia (522), Portugal (470), Polónia (246), República Checa (288), Hungria (258), Estónia (230), Eslováquia (217), Lituânia (174), Letónia (172), Roménia (114) e Bulgária (92). Em 11º lugar, somos os últimos da Europa a 15 que existia até 2004 - é como na natação: cumprimos os mínimos para irmos aos jogos, mas ficamo-nos pelas primeiras eliminatórias.
Que quer tudo isto dizer? Devemos invejar a Noruega, onde os políticos andam de metro e a evasão fiscal é baixa, ou a Dinamarca, onde a mãe fica em casa nos primeiros anos de vida dos filhos, sem perda de rendimentos? Ou devemo-nos congratular, pois uma mulher no Sudão leva 40 chibatadas por usar calças, a nossa cleptocracia é muito mais envergonhada que em Angola, podemos manifestar o nosso desagrado sem levar porrada, como no Irão? É certo que temos Isaltinos, mas não temos Mugabes, que cuspimos no chão mas não temos pena de morte, e que existe pobreza, mas com água potável.
Tem dias em que ser o último dos primeiros é bom, tem dias em que ser o primeiro dos últimos não satisfaz. Ou o contrário, como queiram.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

MALDADE

HÁ ABSURDOS E ABSURDOS



1. Isaltino Morais, condenado a 7 anos de prisão efectiva e perda de mandato, afirma à saída do tribunal “os eleitores é que me julgarão, a política não tem a ver com a justiça” - o seu ídolo deve ser Adhemar de Barros (1901-1969), governador de S. Paulo, o candidato que dizia “roubo, mas faço”. E ganha de novo?
2. O Nestum com mel paga 20% de Iva, o Nestum com arroz paga 5%. Porque um é em flocos e o outro em farinha.
3. Por acordo UE-EUA, Portugal tem que importar ½ milhão de toneladas de milho por ano, mesmo que não tenha escoado a sua produção anual.
4. Por falta dum sistema universal de cuidados de saúde, 2/3 terços dos americanos que vão à bancarrota fazem-no por causa de despesas de saúde.
5. Gastam-se milhões com a Doença das Vacas Loucas, a Gripe Aviária ou com a Gripe A, quando morrem milhões de pessoas com doenças facilmente combatíveis, como a Malária ou a Cólera. A vida duma pessoa branca vale mais que a vida de mil pessoas às bolinhas amarelas.
6. Com o preço dum café (0.6€), a Unicef fornece 6 saquetas de sais de rehidratação a crianças em risco de morte por diarreia; o custo dum almoço (11€) é suficiente para o apoio escolar duma criança órfã durante um ano.
7. Morreram 10 crianças devido a pobreza extrema enquanto leram este texto.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O BAPTISMO CADUCA?


O Santos Silva gosta de malhar na Direita, eu gosto de malhar na Igreja. Concedo que lhe devemos a parte de leão do património cultural, em particular na arquitectura, reconheço-lhe o mérito na assistência social e o monopólio da educação, durante séculos. Mas a igreja é historicamente um projecto de poder, assente desde o século I na eliminação de vozes divergentes, tráfico de influências, corrupção, simonia e venda de indulgências, hipocrisia moral, responsável por muitas guerras, genocídios e silêncio perante totalitarismos. Seriam sinais dos tempos, pois os governos também tinham padrões morais mais… rudimentares, e direitos humanos são uma novidade histórica. Ah, e há muito boa gente na igreja. Muita e bem intencionada.
Mas eu queria falar sobre a burocracia. Qualquer instituição vive com normas estabelecidas, ainda para mais esta, gigantesca e conservadora. Ora vejam:
Quando quis casar, tive que apresentar a CERTIDÃO DE BAPTISMO. Vindo do “Ultramar”, apresentei a certidão original. A zelosa funcionária da paróquia recusou o documento, pois estava CADUCADO – teria que solicitar uma certidão à diocese de Benguela.
Goradas todas as tentativas de convencer a senhora que UM BAPTISMO NÃO TEM PRAZO DE VALIDADE, e antevendo dificuldades, porque suspeitava que o arquivo de 1971 talvez estivesse “desarrumado”, rendi-me e propus-lhe: Olhe, faça de conta que não sou baptizado. A resposta da dita foi meia Kafkiana, “não pode ser, a certidão diz o contrário”. Como diria o Marcelo, o papel vale, mas é inválido...
Assim se chamam as ovelhas para a Casa do Senhor.
P.S.: Não terá sido por acaso que o padre me chamou cristão de 4 rodas e fariseu no sermão do casório, pois regateei a conta das flôres e questionei-o se a parcela "donativo" era facultativa ou obrigatória (bingo!).

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

TÁ AÍ ALGUÉM?


Li algures que os miúdos gostam de ver os mesmos DVD vezes sem conta (sei na pele, há dias revi o Shreck 1, e ainda sabia as falas de cor) por conforto: têm uma sensação de segurança, pois conseguem prever as situações. O que é que tem um ogre verde a ver com a religião, tirando algumas personagens aterradoras das igrejas? A segurança.
Tenho cá a impressão que a religião foi inventada por uma mão cheia de razões, i.e, contam-se pelos dedos.
No polegar, está a tal segurança: existe um ou vários Pais poderosos, a quem podemos recorrer em apertos. Esse Pai dá a chuva se o romano matar um borrego, se um asteca degolar um homem, se pedirmos com muita força ou se prometermos algo em troca. Isso faz-me alguma confusão, é suposto o pai dar o que pode sem pedir tornas. Também me faz espécie que um Pai, ainda por cima Todo Poderoso, nos deixe dar todas as cabeçadas e deixe a conversa para o dia do Juízo Final.
A razão do indicador é vicariante, ou seja, se o medievo leva no lombo do seu bailio, “lá em cima” viverá como um nababo, o leproso ou o anão gozado pelas crianças da sua rua terão um lugar ao pé dos anjinhos, a 2 nuvens da mesa dos doces. Aguenta, que serás recompensado ou, mais bíblicamente, dos pobres será o reino dos céus.
A razão do dedo médio é inversa da anterior, será feita justiça, o amo frustrado e rancoroso há-de pagá-las – noutro lado, porque cá em baixo vai morrer velhinho a meio do sono. Aqui há um problema, vai directamente para o Inferno, sem passagem pela casa da partida, ou espera pelo dia do Juízo Final (João XXII escreveu sobre o paradoxo, e teve que se retratar no leito de morte)? Afinal, pode ser que a Justiça divina seja como a portuguesa, demora uma eternidade. Só espero que não haja prescrições
O quarto motivo, no anelar, é a absolvição. Este é o pior argumento: é-se canalha uma semana inteira, e ao domingo come-se uma rodela de pão, pede-se desculpa, beija-se o próximo e no dia seguinte volta tudo ao mesmo. Conheço quem chegasse ao cúmulo de declarar “só peço a Deus para me perdoe o que vou fazer”, ‘tá tudo dito.
Por fim, no mindinho, está um código de conduta, a noção de Bem e de Mal. Claro que varia entre religiões e ao longo da história: como diria Pimenta Machado, o que é hoje verdade, amanhã é mentira. Julgo, porém, que nos Livros (Bíblia e Corão) a violência é má e devemo-nos amar uns aos outros. Julgo. E bastam só cinco ou seis regras: não roubar, não matar, não trair, no sentido lato, e a trilogia da revolução francesa, liberdade, igualdade entre todos (os brâmanes faltaram a esta aula!) e a fraternidade.
Mas não. O homem tomou conta, levou o Livro à letra ou viu o que não está lá, e exagerou nas regras, geralmente começadas por NÃO: não comer porco, não comer vaca, não comer durante 40 dias, não mostrar o cabelo, não dzzzz antes do casamento, não usar preservativo.
Não falo no Islão, não vá alguém ganhar 70 virgens à minha custa, a igreja católica já tem que se lhe diga: o sacerdócio exclusivo dos homens ou o celibato dos padres (só desde Gregório VII) existem porque SIM. Para não falar na resma de papas, cardeais e bispos com afilhados, alguém me garante que Pedro era solteiro, ou que Jesus não tinha uma amizade colorida com Maria de Magdala?
A propósito, a história não bate certo. Imaginem: “Zé, ‘tou grávida”, “Mas Maria, estive estes meses na Nazareth a construir zimmers…”, “Foi o Espírito Santo”, “Ah bom… espero que seja menina, queria ter uma Sandra Salomé”.
Assinado: Agnóstico às segundas, terças e quintas
P.S. Senhor, a existires, perdoa-me, a culpa é da hipoglicémia. Aliás, Bora-Bora é prova que Tu existes.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

AI QUE PRAZER NÃO CUMPRIR UM DEVER



Sempre que via a minha filha bebé, o eminente cartaxense Sr. Pina (ainda não era avô) sorria e dizia “coitadinha”. Quando lhe perguntei porque a tratava assim, respondeu “porque é tão pequenina”. Devia ser porque era indefesa, penso, mas a miúda era plenamente realizada, tinha apenas 3 necessidades: calor q.b., barriga cheia e fralda limpa.
Agora os problemas existenciais das minhas crianças resumem-se à emergência de mais um strumpf para a colecção ou dum jogo da play station, ou a injustiça de se deitarem à hora de dormir. Não sabem o que significa crude, inflação ou condomínio, nem conhecem a palavra hipoteca.
Chegado a Agosto, sou particularmente assaltado pela inveja: os miúdos ainda têm AS FÉRIAS GRANDES. Quem não tem saudades de 3 meses inteirinhos de férias, de brincar o dia todo na rua e saltar o muro para a quinta do lado, da semana em S. Martinho (sem pais), das jogatanas de Risco ou de computador, dos banhos no tanque dum amigo, das festas na garagem, das amêijoas da Cristina com o Quo Vadis fechado, das idas à Horta (esta parte, adianto aqui, não eram as minhas preferidas), das directas - agora, 5.15 são horas de sair, não de chegar. 13 semanas seguidas – e picos – sem compromissos ou horários.
Coitadinhas as crianças? Coitadinhos???

E agora, para algo completamente diferente, Feeeernando Pessooooa:
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...