Van Gogh, c. 1888
'Girassóis, são uns girassóis, sempre virados para a luz, 'tão sempre bem com o chefe, seja ele qual fôr.', protestava alguém no outro dia. 'Eu sei, estão sempre a dar nas vistas, à volta do chefe, mesmo que trabalhem pouco e mal', arengou outro. 'O pior é que ainda dizem mal dos outros e o meu chefe 'emprenha pelos ouvidos' - é tipo uma piscina, em que nos apoiamos nos outros para ter a cabeça de fora', disse o terceiro. Foram abertas as hostilidades: toda a gente à volta da mesa conhecia colegas assim, e foi logo tema de prosa.
Imaginem dois colegas quase-quase iguais, com uma pequena diferença no instinto de sobrevivência: Dupont aproveita as ocasiões para dar nas vistas perante o chefe, e ainda lhe diz mal de Dupond ao chefe. Dupond não dá o troco, e não há contraditório.
Acham que o chefe vê os dois como iguais, mesmo que Dupond seja mais trabalhador? Nãã, manda a natureza que ninguém resista à bajulação*, e por vezes o chefe não discerne que quem lhe diz mal do seu antecessor, dirá mal dele no dia em que sair - arrivista não é leal, por inerência.
Conclusão, o chefe prefere Dupont, e até lhe perdoa algumas falhas (as que Dupont não consegue esconder, ou passar a culpa), porque este até lhe vai contando o que se passa. Tudo é pior se o emprego for competitivo, ou o chefe for mais belicoso. Aí, com o tempo, o dito passa a ter cada vez menos 'fontes' e a saber apenas o que alguns querem contar, por interesse do mensageiro, ou que julgam que ele quer ouvir.
E pronto, o sugestionável chefe fica com uma noção filtrada da realidade. Compete-lhe ver a floresta e não as árvores, não é? Pois, mas vê de cima, repara nas copas mais vistosas, e não distingue um embondeiro dum eucalipto.
Dizem.
* permita-se um toque de erudição: escreve Maquiavel n' O Príncipe, acerca dos lisonjeadores, 'Os homens comprazem-se tanto consigo próprios e têm ideias tão lisonjeiras a seu respeito que dificilmente escapam a esta praga'.
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