Expulsão do Paraíso, Capela Sistina |
Costumo dizer que sou agnóstico às segundas, quartas e sextas, e crente aos domingos, terças e quintas (ah, e acredito na justiça terrena aos sábados, entre as 9 e as 10.30).
Pois agora ando a ler uma das prendas que pedi ao pai Natal, chamado deus não é Grande.
Christopher Hitchens chamou-me à atenção na entrevista concedida ao 60 minutes (6/3/2011), meses antes de morrer de cancro.
Além de apóstolo do ateísmo, era conhecido pelas provocações a pela falta de prurido em esgadanhar 'vacas sagradas', testando limites: chamou Clinton de violador, Henry Kissinger de criminoso de guerra, Mel Gibson de fascista, a família real de mancha na reputação da Inglaterra, Gandhi de faquir, Diana de Gales de mina terrestre (da mesma forma fácil de colocar, mas sendo difícil, perigoso e extremamente caro livrar-se dela - uma piada horrível, reconheceu) e a madre Teresa de Calcutá de anã albanesa, fanática, mentirosa e ladra - acusando-a de receber dinheiro do ditador Duvalier do Haiti e de defender o Não ao divórcio num referendo irlandês, enquanto dizia esperar que a amiga Diana fosse mais feliz depois de se separar de Carlos.
Voltando ao saboroso livro, Hitchens diz que Deus não criou o homem à sua imagem, aconteceu o contrário*, e contesta de forma mordaz quem advoga que a fé responde a uma necessidade de consolo: os que 'oferecem um consolo falso são falsos amigos'.
Blasfémias, gritarão alguns.
Racional, Hitchens defende que o "criador não é um 'quem', mas um processo de mutação com elementos bastante mais aleatórios do que a nossa vaidade poderia desejar".
Um processo muito lento, digo eu. Ponderem, s.f.f.: se o universo tem 13.700 milhões de anos e o homem apenas 1 milhão, Deus teria que ter uma paciência de Job, assistindo a uma espécie de jogo de estratégia, em autorun, muuuuito lento, até chegar a parte interessante. Bem, mas Deus tem TODO o tempo do mundo, e perdia a graça despachar a história em modo fastfoward.
Um último amuse-bouche: num debate, desafiaram-no a responder sim ou não a um cenário - imaginando-se ao anoitecer numa cidade desconhecida, via um grande grupo de homens a aproximar-se. Sentir-se-ia mais ou menos seguro, se soubesse que voltavam apenas dum encontro de oração?
Qualquer outro seria encostado às cordas, mas Hitchens fez cheque-mate: 'Para me manter apenas na letra B, já tive essa experiência em Belfast, Beirute, Bombaim, Belgrado, Belém e Bagdade. Em todos os casos posso apresentar razões porque é que me sentiria imediatamente ameaçado'. Capice?
O mais natural é pensar que quem sai da missa vem imbuído de fraternais sentimentos (e geralmente vem), mas é factual que nessas cidades, e em muitas outras, a religião é motivo de escaramuça.
Um livro recomendável a crentes e incréus. E cá voltarei com ele, oxalá**.
* o homem sózinho, como atesta o papel subalterno da mulher na generalidade das religiões - como no Clube do Bolinha, 'menina não entra' na feitura de Deus
** do árabe In shaa Allah: se Deus quiser
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