"A política não fora feita para idealistas e poetas, como ele."
Augusto de Castro
MANUEL José DE ARRIAGA Brum da Silveira e Peyrelongue (1840-1917) foi o primeiro presidente da república portuguesa, faz 100 anos a 24 de Agosto. Devia servir de exemplo, mas parece que não.
Primeiro, tinha uma história antes de ser escolhido para o lugar: advogado, poeta, escritor, professor liceal, um patrício açoriano (descendente dum povoador inicial da ilha do faial). Começou a trabalhar cedo - ele e o irmão foram deserdados e proibidos de regressar à casa paterna por terem "manias" republicanas, e teve que se fazer à vida para pagar a conta dos dois.
Um dos principais ideólogos da república, não partilhava o anticlericanismo e o jacobinismo que toldou tantos outros. Em 1892, à terceira (foi derrotado em 1978 e 1881), tornou-se o 2º deputado republicano, por desistência dos partidos do rotativismo. Foi o que se chama um candidato pára-quedista, pois entrou pelo círculo da Madeira, mas empenhou-se na defesa dos seus eleitores ilhéus. Ah, enquanto deputado, prescindiu do salário de professor, que podia acumular. Foi ainda vereador em Lisboa.
A República começou agitada para si: nomeado Reitor da UC em Outubro e procurador-geral em Novembro, foi eleito no Agosto seguinte. No discurso, afirmou-se "depositário da simpática missão de chamar à conciliação, à paz, à ordem, à harmonia social a família portuguesa", mas não conseguiu: o mandato foi afectado por vários governos, agitações sociais, a perseguição da igreja, as incursões monárquicas de Paiva Couceiro e a fragmentação do partido republicano. Em 1915 foi obrigado a demitir-se, por ter patrocinado um governo que veio a amnistiar Couceiro e a decretar a ditadura (Afonso Costa fez-lhe a folha, vá), não sem antes ser considerado fora-da-lei pelo parlamento. E foi à sua vida.
Até aqui tudo normal, não é?
No mesmo discurso de posse, diz-se que disse "estou aqui para servir o país, seria incapaz de alguma vez me servir dele". Pois o presidente Arriaga tinha uma função, não ocupava um cargo, com as respectivas regalias: andava de eléctrico, mobilou à sua conta a casa arrendada (depois mudou-se para um anexo do Palácio de Belém, que se diz que também recheou), não tinha secretário, nem protocolo, nem Conselho de Estado. Algém sugeriu que precisava dum carro para as deslocações, adivinhem quem pagou? Claro, o próprio Arriaga.
Não há disto agora, pois não?
.