"Para certos republicanos a República tem sido um pé de cabra com que vêem aumentando os seus haveres." Senador João de Freitas, histórico republicano, in Boletim parlamentar do Senado, 11-06-1913
...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".
terça-feira, 19 de outubro de 2010
A OPERAÇÃO MANDIOCA
Vou há 10 anos ao mesmo barbeiro, porque é perto e rápido, o corte é secundário, como a minha mãezinha costuma reclamar. Como todos os barbeiros, há rádio local ou a Renascença e o seu jogo da mala, uma televisão com programas à goucha e conversa entre nativos do bairro sobre a vizinhança, o obituário ou a bola, pelo que posso estar com os meus botões. Quando tenho a graça de encontrar a casa vazia e alapar na cadeira, lá temos que falar sobre o que calha, seja a hipótese de eu mudar de casa, seja a filha única do barbeiro, que se mudou por amor para a Austrália, mas entretanto o amor desapareceu e não tinha bilhete de volta.
Medo, muito medo, foi o que experimentei da última vez, quando, mortalhado num megababete, vi o Sr. Francisco a dizer "eu estive na guerra em África" enquanto afagava uma lâmina e tinha um olhar perdido. Será que me calhou um amolador de facas com stress pós-traumático, e me corta a nuca como a uma rã na aula de biologia?, cogitei. Afinal, o homem não estava a divagar, mas a olhar para as "tardes da Júlia" na pequena tv pendurada no tecto.
Foi assim que fiquei a conhecer a operação mandioca.
Contou o Sr. Francisco que esteve mais de 3 anos em Angola, e nunca deu um tiro. A sua função era ser (adivinhem) barbeiro e ocasionalmente motorista.
Só foi à guerra uma vez: Spínola ordenou uma grande acção no nordeste, com a destruição das plantações de mandioca que os “turras” plantavam no mato – dando assim cabo da fonte básica da alimentação dos rebeldes. A operação mandioca.
O Sr. Francisco conduzia o 13º carro das 13 viaturas, e a 11ª passou por cima duma mina, fazendo muitos estragos. Mais à frente, houve uma emboscada e o batalhão teve que aguentar 13 intermináveis minutos de tiroteio – em sentido único, pois não se via a origem do fogo e a única bazuca existente encravou.
Perguntei ao Sr. Francisco quantos haviam morrido. Nenhum, foi a resposta, os turras não acertaram em ninguém e fugiram quando apareceu o helicanhão.
Mas o Sr. Francisco depois lembrou-se, houvera mesmo uma baixa, do gajo que nessa noite tentava perceber o que se passava com a bazuca – e ela disparou...
O resto da guerra passou-se entre pincéis, lâminas e espuma.
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