segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O TRIUNFO DOS PORCOS

George Orwell (aliás, Eric Arthur Blair, 1903-50) podia deitar fora toda a sua obra e guardar apenas um de dois livros, 1984 (onde cunhou a expressão big brother - não foi a Endemol, para quem não sabe) e Quinta dos Animais, ou Triunfo dos Porcos, que teria lugar na história da literatura do século XX.
Ambos os livros versam sobre os totalitarismos: 1984 sobre um regime sem privacidade, e que manipula a informação a contento, e a alegoria do Triunfo dos Porcos sobre a narrativa das revoluções, em que um poder despótico é substituído por outro: no caso, a revolta dos animais pelos direitos, pela igualdade e pela liberdade depõe o dono da quinta, Sr. Jones, e logo a utopia igualitária dá lugar à ditadura corrupta dos porcos, sob a liderança do caudilho Napoleon, depois de banido o seu companheiro Snowball.
Com o tempo, os mandamentos sofrem umas ínfimas emendas: ao 6º mandamento 'Nenhum animal matará outro' é acrescentado um oportuno 'sem motivo' e ao 7º mandamento 'Os animais são todos iguais' é acrescentado um elucidativo 'mas há uns mais iguais que outros'.
Acabado em 1944, está na cara quem são Napoleon e os porcos (uma pista, o Sr. Jones será Nicolau II). Mas a história serve para todas as tiranias (em particular as colectivistas, pois há sempre uma vanguarda que se arroga intérprete iluminada dos anseios do povo, mesmo que este não perceba de imediato...), que chegam pé-ante-pé e com boas intenções, daquelas que o inferno está cheio.
O curioso é que o trabalhista Orwell, antes de defender uma espécie de anarquismo e atacar ferozmente o comunismo, foi compagnon de route dos soviéticos na guerra civil espanhola, enquanto membro do trostskista Partido Operário de Unificação Marxista. Deu para conhecer o socialismo real...
Eis as capas de algumas edições.

PORTUGUÊS

ESPANHOL

FRANCÊS

UCRANIANO (1947) E RUSSO

POLACO E JAPONÊS

INGLÊS

  


  

POSTERS


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

EDUCAÇÃO É...

Abraham e o filho Thomas, 02/1864

Circula na net uma carta alegadamente escrita por Abraham Lincoln em 1830 ao professor do seu filho.
Acontece porém que o primeiro rebento de Lincoln nasceu em 1843.
De qualquer forma, a suposta missiva tem o seu interesse. Ei-la.

"Caro professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas por favor diga-lhe que para cada vilão há um herói, que para cada egoísta há também um líder dedicado, ensine-lhe por favor que para cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder, mas também a saber gozar a vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros no céu, as flores no campo, os montes e os vales.

Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos.
Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.
Ensine-o a ouvir todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando estiver triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram.
Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.
Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso.
Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.
Eu sei que estou pedindo muito, mas veja o que pode fazer, caro professor."
Abraham Lincoln, 1830

AH VALENTE


Tiro o chapéu a um colega meu: é trabalhador por conta de outrém, estudante de medicina, empresário com pequenos consultórios veterinários e investidor. Diz que diz que agora vai ser dirigente sindical a tempo inteiro.
Que bela imagem vê-lo a chegar ao sindicato, para defender as massas, ao volante do seu Lamborghini...
Agora a brincar, a UGT tem várias tendências, ele deve ser da tendência capitalista:)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

MESA PÉ-DE-GALO

casa Carlos Relvas

No verão passado, encontrei um amigo. A meio da conversa, o primo dele disse que tinha um Matisse. A sério?, perguntei. 
- Verdade. Chama-se arte mediúnica, Matisse incorpora numa pessoa e pinta uma série de telas.
É difícil acreditar que Matisse vá a Chelas (sim, Chelas) pintar vários quadros de rajada. E se o J. pagou pela obra, então é tramóia na certa. Mas o dito acredita piamente nessas coisas: contou-me o meu amigo que, quando esse primo diz que o pai está em Bordéus, confunde as pessoas que pensavam que o senhor tinha morrido – porque de facto morreu.

As reuniões (pro bono, convém dizer) não têm nada a ver com charlatanices como vidências e leituras de cartas. Uma amiga explicou-me que se juntam para rezar por espíritos que ainda cá andam: como no filme ‘O 6º sentido’, há casos em que não percebem que morreram. De forma espirituosa (que palavra apropriada!), outra amiga mais telúrica explicou que é uma espécie de GPS, ajuda a encontrar o caminho.
Toda a gente conhece testemunhos em 1ª mão de pianos ou rádios que tocam sozinhos, cuja explicação (ainda) desconhecemos. Eu tenho alguma curiosidade desconfiada (credível era o médium dizer algo concreto que ninguém presente tenha forma de saber, e possa ser confirmado) mas, se las hay, não as quero ver nem por perto. Já há suficientes encostos cá por baixo.
Fosse verdade e ainda havia o problema da privacidade: é incómodo alguém estar a ver-nos, sei lá, meter o dedo no nariz – mesmo que o segredo fique bem guardado. Tinha um amigo na secundária cuja preocupação era o avô assistir às suas urgências da puberdade…

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

OFÉLIA

 Ophelia, 762x1118 cm, Tate Britain 

foto-reprodução, Marie Hochhaus

Ontem, durante um zapping, parei no canal 2: Hélia Correia falava acerca do seu novo livro Adoecer, sobre uma tal de Lizzie.
Não foi a entrevista que me prendeu, mas um quadro simplesmente fabuloso, pintado em 1851-52 e em que Lizzie (Elizabeth Siddal era a sua graça) serviu de modelo.
A obra-prima chama-se Ofélia, e reproduz a morte da rapariga, narrada pela rainha Gertrude da Dinamarca, numa peça de Shakespeare: demente pelo luto do assassinato do pai pelo seu amado Hamlet, Ofélia colhe flores numa árvore e cai ao rio, cantando enquanto se deixa afogar.
'Seus vestidos se abriram, sustentando-a por algum tempo, qual sereia, enquanto ela cantava antigos trechos, sem revelar consciência da desgraça, como uma criatura ali nascida e feita para aquele elemento. Muito tempo, porém, não demorou, sem que os vestidos se tornassem pesados de tanta água e que, de seus cantares, arrancassem a infeliz para a morte lamacenta.'
O pintor inglês pré-rafaelita Sir John Everett Millais (1829-96) pintou o quadro em 2 fases: primeiro o cenário campestre in situ, no rio Hogsmill, e depois a modelo de 19 anos dentro de água, no seu estúdio de Londres: embrenhado com os pinceis, Millais esqueceu-se de manter as lamparinas acesas por baixo da banheira, a menina adoeceu e o pai dela exigiu 50 libras pelas despesas médicas (valor reduzido após regateio).
Mal recebido na altura (um crítico do The Times disse que parecia uma leiteira a brincar na banheira), o quadro está agora avaliado em... (rufo de tambor)... 36 milhões de euros.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

EXPERIMENTALISMOS

A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, Rembrandt 1632

Conhecem a velha anedota que narra a experiência de Samora Machel com uma rã? Passos Coelho não conhece, e está a aprender fisiopatologia, com a sua artrítica rã chamada Economia.
Primeiro, PC cortou com o machado do IVA uma perna à rã, e ordenou - Economia, mexe. - e o bicho andou.
A seguir, PC usou um estilete e cortou duas pernas ao animal, o 13º e o subsídio de férias. Voltou a ordenar à rã - Anda, Economia! - e a rã lá se arrastou.
Por fim, PC cortou a última perna, atrofiada, do investimento. Insistiu várias vezes com a rã - Move-te, Economia! - mas o anfíbio, nada.
PC escreveu na sua sebenta: A ECONOMIA SEM PERNAS É SURDA!    

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

WORLD PRESS PHOTO 2011

Vencedor da 55ª edição - Samuel Aranda, Espanha (AP)
Fatima Al-Qawas ampara filho Zayed nos protestos de Sanaa, capital do Iemen (15 out.)
Aidan Sullivan, presidente do juri, afirmou que a foto assume quase contornos bíblicos,
notando-se semelhanças com a Pietá de Michelangelo - uma Pietá contemporânea -
e outro jurado, Koyo Kuouh, disse 'Vale para o Iémen como vale para o Egipto,
para a Tunísia, para a Líbia, para a Síria, ou para tudo o que aconteceu durante a Primavera Árabe.
(...) Mas mostra um lado intimista do que aconteceu, ou está a acontecer, nesses países,
e mostra o papel que as mulheres têm desempenhado, não só prestadoras de cuidados,
mas como pessoas activas nos movimentos revolucionários.'

 1º prémio categoria Daily Life Singles - Damir Sagolj, Bósnia Herzegovina (AP)
imagem de Kim Il-sung num prédio de Pyongyang

 2º prémio categoria Desportos - Adam Pretty, Austrália (AP)
14º campeonato mundial FINA em Shanghai

1º prémio categoria Retratos - Laerke Posselt, Dinamarca (AP)
actriz iraniana Melica Mehraban

1º prémio categoria People in the News - Yasuyoshi Chiba, Japão (AP)
mulher encontra diploma da filha nos destroços do tsunami que devastou Higashimatsushima

1º prémio categoria Spot News - Yuri Kosyrev, Rússia (AP)
rebeldes em Ras Lanuf, Líbia (Março)

POSTAIS ANTIGOS (XXXIX) - CRENDICES

 
8-4-1919

Qu'eu saiba, as únicas pessoas que conheci nascidas no século XIX foram as irmãs Ana da Aleluia e Francisca dos Prazeres. Que me lembro da minha bisavó Ana?
Do seu cabelo branco preso com ganchos de tartaruga, dos olhos castanhos imensos (mas imensas eram as lentas), das orelhas gigantes - faziam-me espécie, não sabia que crescem com a idade. Dela atrás da camilha com a braseira eléctrica, ao lado dum paquidérmico telefone, na sala da televisão; dela na sala de jantar, a lanchar chá de limão e bolachas de água-e-sal, guardadas na lata com desenhos ingleses; dela no quarto a dar-me rebuçados peitoriais Santo Onofre, guardados naquelas mesinhas-de-cabeceira com porta para o penico de porcelana.
E dela na capela da casa, cheia de santinhos, sentada numa cadeira (que levantava o tampo e tinha uma tábua forrada a veludo, para ajoelhar) a ouvir a rádio renascença e a rezar o terço. Todos os dias.
Era muito beata, a avó Ana. Muito crente.
Vim a saber, crente em tudo.

Descobri uns postais dela para a irmã mais nova, que teve uma longa doença e morreu cedo. Num recomendava paciência com a albumina, o remédio. Noutro dizia "Minha querida irmãzinha: Já era muito tua amiga, mas desde que sêi que já foste minha filha, noutra incarnação, muito mais amiga sou, se é possível ser-se mais do que tenho sido. O Fragoso recomenda-te que continues fazendo preces como te ensinou, o que faz m.to bem e são d'um grande alcance, quando feitas com fé. Adeus. Uma beijoca da tua amiga e tua irmã Ana".
Quando contei a descoberta à minha mãe, ela contou-me que a avó também acreditava em fantasmas, mas recusava falar disso. Na sua casa de Beja, o cão passava o tempo a ladrar para uma porta à saloon, e uma vez a Ana ouviu o filho bebé a chorar: quando entrou no quarto, viu um vulto sobre o berço (um homem ruivo e com barba, como o falecido sogro)... e, até morrer, o meu tio-avô Armando teve uma marca de dentes na orelha.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A MINHA VIDA NÃO É ISTO (parte 5)

Os Girassóis, van Gogh

'Então, como está?' é uma pergunta vazia que usamos amiúde quando nos cruzamos com alguém: deve ter como réplica um igual 'como está?', ou um 'vai-se andando' (por acaso, só para baralhar, eu costumo responder sempre 'maravilhoso', anima as 2 partes). Em resumo, é apenas um cumprimento ritual e vale o mesmo que o 'olá'.
Bem, volta não volta, encontramos alguém mais chateado e lá temos que ouvir o relato da desgraça (na terminologia do nosso premier, pieguice), mesmo que tenhamos pressa e a pergunta fosse apenas um pró-forma.

Aconteceu-me há dias.
Encontrei um amigo desanimado, que tinha abandonado uma posição de poder: 'Só depois de perderes o poder é que conheces as pessoas: de cima via a copas das árvores, agora sei de que madeiras são feitas.', desabafou. É, a maioria das pessoas são como os girassóis, estão sempre virados para a luz, e comportam-se de maneira diferente conforme o 'interesse' circunstancial do interlocutor - e rei morto, rei posto.
Há pessoas que só chegam a horas quando o chefe aparece, e andam muito atarefados dum lado para o outro, sem adiantar serviço, ou começando a trabalhar perto da hora de saída e desferrando mais tarde.
E outras pessoas que reservam toda a sua simpatia e acessos de generosidade apenas para quem está acima.
E outras que são A fonte do chefe, sempre prestáveis a contar as conversas de café e (editando, claro está) as críticas - dos outros, nunca do próprio, pois o 'bom funcionário' só critica os chefes pretéritos.
E há aqueles mais despreocupados que, como se costuma dizer, 'a sabem toda'. Inofensivos, vão-se safando, escapando ao trabalho (por vezes assinando-o no fim) à custa do seu charme.

Conheço um exemplo simpático: sempre na galhofa (o melhor companheiro para partilhar mesa nas almoçaradas), com barriga bem estabelecida, bigode retorcido, boina quadriculada e ensebado Barbour, ocupado com os seus afazeres, o Eng. Américo é cheio de manobras de diversão eficazes.
Há uns anos, aproveitou as férias da chefe e baldou-se um bocadinho. Quando ela descobriu e o confrontou, respondeu 'Eu vim, só se ninguém me viu'.
A senhora começou uma exaltada prédica - nhónhónhónhó tipo professora-do-Charlie-Brown -, mas o Américo sacou o seu sorriso matreiro e desarmou-a 'Ó Ana, a idade não te pesa, continuas boa, pá!'.
- Tuuuuu... - disse ela, e o sermão morreu ali, com um risinho envergonhado.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

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A MÚSICA É O BARULHO QUE PENSA.
Victor Hugo
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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

AS VIÚVAS


Não é que escute conversas alheias. Não faz o meu feitio. Mas a casa de chá do Siza Vieira estava às moscas, só eu e duas senhoras entradotas, com penteado à Manuela Eanes, cimentado a laca.
Quando 'entrei' na conversa, falavam no Francisco-Deus-o-tenha. Rezou mais ou menos assim:
- A Mafalda não fica mal, tem a reforma dela e a do marido.
- Não lhe digas nada, mas devia haver um limite: a pensão dela é p'aí 2500 euros, e ainda ganha outra reforma igual do Francisco (Deus o guarde). Era aí que o Estado devia poupar.
- Há pior. A irmã dela - a Rosário, lembras-te dela -, também recebe a reforma do marido.
- Mas eles não estavam separados?
- Pois, o Manel até já tinha casado e descasado com outra. Mas como nunca mudou a morada nas finanças, foi fácil 'provar' que ainda viviam juntos.
- Agora ia-me engasgando! Um roubo a prestações mensais - a nós todos - e, se calhar, ainda chama gatunos ao governo.
- É. Ela que me venha com essa conversa alguma vez. Quando pediu a pensão, disse-me que era para a sogra, agora diz que é para o filho, só fica pá sogra quando ela for para um lar...
- Há quem não tenha vergonha nenhuma. Bem, eu também andei a ver se havia maneira de ficar com a pensão do Pedro, mas não dá.
- Tu??? Há quanto tempo te separaste?
A senhora roeu o seu scone com vagar, como quem faz contas mentalmente.
- Faz 19 anos em Março.
- Olha lá, e então não é a mesma coisa?
- Não. A Rosário ganha bem, eu tenho uma pensão de miséria.

Ficaram as duas caladas, a sorver o chá e a olhar para o mar revolto - uma pausa para digestão da compota de tomate verde, ou da conversa.
Fiz o mesmo. Afinal, a questão não é de princípio, é ou não roubo conforme o tamanho da prestação social - honestidade variável. 
O pior é o à-vontade de quem faz ou tente fazer (chamemos-lhe) jigajogas destas, em partilhar a façanha. Por obséquio, nem às paredes as confesse - um pouquinho de decoro nunca fez mal a ninguém.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

RELÓGIOS DE PAREDE

...O RELÓGIO ESTÁ COMIGO AGORA,
MAS NÃO CORTA O SILÊNCIO ÀS FATIAS
PORQUE NÃO LHE DOU CORDA
E DETESTO QUE TRATEM O SILÊNCIO
COMO SE FOSSE UMA TORTA OU UM BOLO-REI...
António Lobo Antunes, Quarto Livro de Crónicas















 Pedro Magalhães