quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

AS VIÚVAS


Não é que escute conversas alheias. Não faz o meu feitio. Mas a casa de chá do Siza Vieira estava às moscas, só eu e duas senhoras entradotas, com penteado à Manuela Eanes, cimentado a laca.
Quando 'entrei' na conversa, falavam no Francisco-Deus-o-tenha. Rezou mais ou menos assim:
- A Mafalda não fica mal, tem a reforma dela e a do marido.
- Não lhe digas nada, mas devia haver um limite: a pensão dela é p'aí 2500 euros, e ainda ganha outra reforma igual do Francisco (Deus o guarde). Era aí que o Estado devia poupar.
- Há pior. A irmã dela - a Rosário, lembras-te dela -, também recebe a reforma do marido.
- Mas eles não estavam separados?
- Pois, o Manel até já tinha casado e descasado com outra. Mas como nunca mudou a morada nas finanças, foi fácil 'provar' que ainda viviam juntos.
- Agora ia-me engasgando! Um roubo a prestações mensais - a nós todos - e, se calhar, ainda chama gatunos ao governo.
- É. Ela que me venha com essa conversa alguma vez. Quando pediu a pensão, disse-me que era para a sogra, agora diz que é para o filho, só fica pá sogra quando ela for para um lar...
- Há quem não tenha vergonha nenhuma. Bem, eu também andei a ver se havia maneira de ficar com a pensão do Pedro, mas não dá.
- Tu??? Há quanto tempo te separaste?
A senhora roeu o seu scone com vagar, como quem faz contas mentalmente.
- Faz 19 anos em Março.
- Olha lá, e então não é a mesma coisa?
- Não. A Rosário ganha bem, eu tenho uma pensão de miséria.

Ficaram as duas caladas, a sorver o chá e a olhar para o mar revolto - uma pausa para digestão da compota de tomate verde, ou da conversa.
Fiz o mesmo. Afinal, a questão não é de princípio, é ou não roubo conforme o tamanho da prestação social - honestidade variável. 
O pior é o à-vontade de quem faz ou tente fazer (chamemos-lhe) jigajogas destas, em partilhar a façanha. Por obséquio, nem às paredes as confesse - um pouquinho de decoro nunca fez mal a ninguém.

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