Abro o recibo de vencimento apenas para ver o que é depositado nesse mês -
qual doente de Alzheimer, o funcionário público conhece sempre um salário
novo. Mas no último Dia de São Receber, dei uma olhada aos descontos, 38,5%
dum salário já em si opíparo: 24% para o IRS, 11% para a CGA e 3,5% para a
ADSE.
Esta
última parcela tem subido nos últimos tempos, alegadamente para que o sistema seja
pago apenas pelos usufrutuários, mas agora as contribuições são maiores que os
gastos, i.e., sobra dinheiro, que o governo promete não utilizar noutro lado*.
Claro
está que não haverá uma gavetinha para esse dinheiro (prova 1, a CGA
foi sangrada até ficar 'insustentável') e nada impede que o
Estado, que fica com esse aforro a render, não lhe dê outro uso, na próxima
aflição. Temos pois uma nova versão do 'pagamento por conta' - havia para as
empresas, por conta de receitas futuras, passa a haver para os funcionários,
por conta de despesas futuras.
Bem
haja um governo reformista: o seguro de saúde era parcialmente pago pelo
patrão, pagou a ser pago somente pelo trabalhador e agora passa a
pagar mais que o custo do 'benefício'.
Durante
um almoço, um amigo que trabalha no sector privado apresentou uns argumentos
válidos:
- Porque
é que eu tenho que pagar a tua ADSE?
-
Bem, nos últimos tempos já não pagavas, o problema é que a malta, que já pagava
o 'seguro de saúde', agora paga mais que o seu usufruto.
-
E parece que a ADSE não é obrigatória.
-
Tiro no porta-aviões...
-
Mais, se o teu patrão está falido, não pode pagar benefícios.
-
Ahã, mas também não tem que comparticipar a construção duma empresa ou a compra
dum tractor, dar perdões fiscais ou deduzir o carro da empresa. Já agora, és tu
que pagas o teu seguro de saúde?
-
Paga a minha empresa, antes era complemento, agora faz parte do salário.
-
Como o meu fazia!
No
final do repasto, viemos embora no seu Audi novo - o carro da empresa com uso
24/7, como dizem os americanos, trocado a cada 3 anos. Presumindo que
parte do leasing seja dedutível no IRC, c'est-à-dire, o
Estado contribui (não recebendo) e eu também paguei uma lasca do
retrovisor.
E,
pela mesma lógica, via deduções no IRS ou no IRC (considerando-o ou não rendimento do trabalho), eu também comparticipo no seguro de saúde do meu
amigo, que deus lhe dê saúde. Mas eu não posso deduzir a ADSE, o meu próprio seguro de saúde, nos impostos...
* A 1ª versão do diploma foi vetado
pelo PR, argumentando que “não parece adequado” que o aumento das contribuições
"vise sobretudo consolidar as contas públicas": "Numa
altura em que se exigem pesados sacrifícios aos trabalhadores do Estado e
pensionistas, com reduções nos salários e nas pensões, tem de ser demonstrada a
adequação estrita deste aumento ao objectivo de auto-sustentabilidade dos
respectivos sistemas de saúde". Trocado por miúdos, esse aumento
significava que o ADSE ficaria a custar menos que as contribuições,
com lucro do Estado.
O Governo insistiu, com uma
nuance, as receitas dos descontos estão afectas à actividade da ADSE:
“A receita proveniente dos descontos referidos no número anterior é consignada
ao pagamento dos benefícios concedidos pela ADSE aos seus beneficiários nos
domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação”.
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