Eu, bem acompanhado por muito boa gente, conhecia algumas fotografias de Lewis Wickes Hine (1874-1940), sem saber quem era o autor.
Hine começou a sustentar a família aos 18 anos, após a morte do pai, como operário numa fábrica de móveis, porteiro, vendedor e escriturário. Depois de estudar sociologia na universidade de Chicago, Hine rumou a Nova Iorque, onde deu aulas na Ethical Culture School - para ilustrar as suas preleções, Hine resolveu retratar os imigrantes acabados de chegar a Ellis Island (não os que encontraram a
promised land, mas os enjeitados), e aí nasceu um fotógrafo-barra-activista-social (ver
aqui).
Em 1907-8, Hine iniciou uma colaboração de 8 anos com o National Child Labor Committee - uma empreitada de 75.000 quilómetros pelos E.U.A., fotografando crianças a trabalhar na rua, em fábricas, quintas e minas. No site na
Biblioteca do Congresso, estão acessíveis 5132 fotos, com uma descrição sumária, desse corajoso périplo: Hines foi impedido de entrar em algumas fábricas (forçando-o a levar a câmara escondida e passar-se por inspector de incêndios), ameaçado fisicamente e preso por invasão de propriedade*.
Essas suas imagens da exploração infantil são como um bombom de licor - depois fica um travo amargo, mas as primeira impressão é docemente encantatória. Claro está que o depurado P/B oferece um toque especial, simultaneamente austero e onírico - bem dizem que sonhamos a preto e branco.
As contradições continuam: à angústia dickensiana de ver crianças de 5, 6 anos a trabalhar 12 horas por dia, numa plantação ou numa moagem, ou a labutar numa fábrica entre as 3.30 e as 17 horas, ou ainda a 'ferrar' às 4 da manhã para distribuir jornais, junta-se a confiança que boa parte dessas caras (umas exaustas, outras alegres) singrou na vida e que os seus filhos e netos subiram no 'elevador social', tendo mesmo alguns chegado até à penthouse.
Hines ficou ainda conhecido por outros trabalhos, durante a Grande guerra (na Grécia e nos balcãs, ao serviço da Cruz Vermelha) ou em plena grande depressão, com um documentário da construção final do Empire State Building por operários, na falta de melhor palavra, destemidos, a trabalhar em condições precárias. Esse conjunto (voltar
aqui), que Hines disse ser um testemunho de que 'as cidades não são construídos por si só - elas têm atrás de si o sacrifício e o suor de muitos homens', resultou num livro publicado em 1932, 'Men at work'. Erro comum, é-lhe atribuída uma fotografia icónica, com os trabalhadores a almoçarem numa viga estratosférica, da autoria de Charles Clyde Ebbets.
Empenhado em campanhas a favor da segurança e saúde no trabalho, recebidas na altura com apatia ou resignação (embora tenha contribuído, a prazo, para melhorias da legislação laboral**), Hines morreu muito pobre, como acontece a tantos homens bons.
* Hine terá declarado, numa das idas a tribunal, 'Talvez vocês estejam cansados de tantas fotos que fazem denúncias sobre o trabalho infantil. Preciso dizer que eu também estou, mas quero fazer vocês e o resto do país ficarem tão enjoados destas cenas, a ponto de obrigar isso a ter fim. Haverá um dia em que o trabalho infantil será apenas um registo em fotografias do passado'.
** Não planetária: estima-se que, hoje, 250 milhões de crianças entre 5 e 14 anos sejam sujeitas a exploração infantil.
PLANTAÇÕES
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Miúdos de 13 e 14 anos, colheita de tabaco. Hackett Farm, Buckland, Connecticut |
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A trabalhadora mais nova, Annette Roy, disse ter 7 anos. Smart's Bog, Massachusetts, 1911 |
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Annie Bissie, plantação perto de Baltimore, 1909 |
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Merilda, carregando arandos. Rochester, Eldridge Bog, Massachusetts, 1911 |
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Theodore Budd's Bog, Turkeytown, New Jersey, 1910 |
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Criança de 4 anos, apanha arandos e, no momento, apanha bagas deixadas cair pelo avô.
Falmouth, Week's Bog, Massachusetts, 1911 |
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Norris Luvitt, apanha bagas há 3 anos, perto de Baltimore |
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Mandy (6 anos) e Sophie (9 anos) apanham 11 e 40 kg de bagas por dia, na plantação do pai, Texas, 1913 |
DISTRIBUIÇÃO
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Ardina, disse ter 6 anos, Indianapolis, Indiana, 08/1908 |
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James Lequlla, de 12 anos, vende jornais há 3 anos (porque quer, não por necessidade), ganha
50 cêntimos/semana. Não fuma, frequenta bares, trabalha 7 horas/dia. Wilmington, Delaware |
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Início da ronda, New York, 2.00 horas a.m. 12/02/1908 |
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Ferris, 7 anos, não sabia fazer o troco. Mobile, Alabama, 1914 |
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Vendendo edições extra, depois da meia-noite. Washington DC, 17/04/1912 |
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Richard Green (de chapéu), 5 anos. Richmond, Virginia, 1911 |
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Ardinas espertos de 7 anos, vendendo edição de domingo. Nashville, Tennessee, 11/1910 |
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Tony, 6 anos, acorda às 5 horas e vende diariamente, de forma pedinchona,
'compre-me jornais, por favor'. Beaumont, Texas, 1913 |
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Mallick e Myrtle (8 anos), ganho médio de 35 cent./dia, vendem por opção,
não por necessidade. Frequentam bares. Wilmington, Delaware, 1910 |
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Ardinas na Skeeter Branch, St. Louis, Missouri, 11.00 horas, 09/05/1910 |
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Ardina de 12 anos, vende para irmão, ganham 1 dólar/dia. Trabalha muitas vezes
até à meia-noite. Pai falecido, mãe trabalha na igreja. Jacksonville, Florida, 1913 |
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Mensageiro da Western Union |
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Howard, 13 anos, faz entregas entre as 9.00 e as 20.30, todos os dias. |
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Mensageiro da Mackay Telegraph Company, disse ter 15 anos. Waco, Texas, 09/1913 |
FÁBRICAS E COMÉRCIO
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Fiação. Whitnel, Carolina do Norte, 12/1908 |
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Fiação. Lancaster, Carolina do Sul, 12/1908 |
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John Dempsey, 11 ou 12 anos, Fiação Jackson. Fiskeville, Rhode Island, 04/1909 |
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Fiação. 1908 |
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Algumas crianças eram tão pequenas que tinham que trepar à máquina para reparar
fios partidos e colocar as bobinas vazias. Fiação Bibb. Macon, Georgia |
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Conserveira J. S. Farrand Packing Co. Baltimore, Maryland, 07/1909 |
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Olga Schubert, de 5 anos, após trabalho começado às 5.00 horas,
ajudando a mãe numa conserveira. Biloxi, Mississipi, 1911 |
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Meia-noite numa fábrica de vidro. 1908 |
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Mina de carvão. West Virginia, 10/1908 |
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Mineiros. Pittston, Pennsylvania |
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Angelo Ross, fábrica de vidro. Pittston, Pennsylvania, 1908 |
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Apanhadores de ostras. 1912 |
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Apanhadores de camarão (Max, de 8 anos, à direita). Biloxi, Mississipi |
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Endireitando pinos até depois da meia-noite. New Haven, Connecticut |
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Pin boys. Brooklyn, NY (1910) |
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Pin boys. Brooklyn, NY (1910) |
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Jovem garçonete. 1917 |
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Miúdo de rua (gamin). Paris, c. 1918 |
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Rapaz na escola. 1924 |
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Viúva e rapaz enrolam cigarros. NY, 02/1908 |
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Família judia e vizinhos cosem ligas pela noite dentro. NY |
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A viúva A. J. Young e os 5 filhos mais velhos (da esquerda, Nell, Mammy, Mary, Eddie e Elic)
trabalham ou ajudam em casa e numa fiação, ganhando 9 dólares/semana (metade da mãe
e metade da prole). 2 dos 11 filhos já saíram de casa. Tifton, Georgia, 22/01/1909
Em 2011, após anos tentando identificar os retratados, um investigador colocou a imagem no seu
site e recebeu um mail dum descendente, dando início a uma pesca à linha - descobrindo
a história da viúva e dos 11 filhos (os 7 mais novos foram colocados num orfanato em
abril de 1909 e adotados, perdendo o contacto entre eles). |
Fantásticas imagens! Desconhecia completamente. Não haverá engano na data de nascimento?
ResponderEliminarLewis Wickes Hine (1974-1940),
Fiz um tour pelo blog, gostei muito! Óptimo trabalho
Obrigado pelas palavras. Lapso corrigido.
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