...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A MINHA VIDA NÃO É ISTO (parte 5)

Os Girassóis, van Gogh

'Então, como está?' é uma pergunta vazia que usamos amiúde quando nos cruzamos com alguém: deve ter como réplica um igual 'como está?', ou um 'vai-se andando' (por acaso, só para baralhar, eu costumo responder sempre 'maravilhoso', anima as 2 partes). Em resumo, é apenas um cumprimento ritual e vale o mesmo que o 'olá'.
Bem, volta não volta, encontramos alguém mais chateado e lá temos que ouvir o relato da desgraça (na terminologia do nosso premier, pieguice), mesmo que tenhamos pressa e a pergunta fosse apenas um pró-forma.

Aconteceu-me há dias.
Encontrei um amigo desanimado, que tinha abandonado uma posição de poder: 'Só depois de perderes o poder é que conheces as pessoas: de cima via a copas das árvores, agora sei de que madeiras são feitas.', desabafou. É, a maioria das pessoas são como os girassóis, estão sempre virados para a luz, e comportam-se de maneira diferente conforme o 'interesse' circunstancial do interlocutor - e rei morto, rei posto.
Há pessoas que só chegam a horas quando o chefe aparece, e andam muito atarefados dum lado para o outro, sem adiantar serviço, ou começando a trabalhar perto da hora de saída e desferrando mais tarde.
E outras pessoas que reservam toda a sua simpatia e acessos de generosidade apenas para quem está acima.
E outras que são A fonte do chefe, sempre prestáveis a contar as conversas de café e (editando, claro está) as críticas - dos outros, nunca do próprio, pois o 'bom funcionário' só critica os chefes pretéritos.
E há aqueles mais despreocupados que, como se costuma dizer, 'a sabem toda'. Inofensivos, vão-se safando, escapando ao trabalho (por vezes assinando-o no fim) à custa do seu charme.

Conheço um exemplo simpático: sempre na galhofa (o melhor companheiro para partilhar mesa nas almoçaradas), com barriga bem estabelecida, bigode retorcido, boina quadriculada e ensebado Barbour, ocupado com os seus afazeres, o Eng. Américo é cheio de manobras de diversão eficazes.
Há uns anos, aproveitou as férias da chefe e baldou-se um bocadinho. Quando ela descobriu e o confrontou, respondeu 'Eu vim, só se ninguém me viu'.
A senhora começou uma exaltada prédica - nhónhónhónhó tipo professora-do-Charlie-Brown -, mas o Américo sacou o seu sorriso matreiro e desarmou-a 'Ó Ana, a idade não te pesa, continuas boa, pá!'.
- Tuuuuu... - disse ela, e o sermão morreu ali, com um risinho envergonhado.

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