O primeiro foi a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, um livro de aventuras quase juvenil, com terríveis alimárias e pérfidos corsários, e que se lê num instante. O curioso é que alguns estudos confirmam a plausibilidade da história, se calhar o Fernão, mentes? Minto! até contou verdade. Certo é que os nossos nautas de Quinhentos põem qualquer indiana jones a um canto.
Aqui descobri uma invectiva com muita aplicação "Vareja triste, nascida de mosca encharcada no mais sujo monturo que pode haver em masmorras de presos, jamais limpas; vareja triste, quem deu atrevimento à tua baixeza?".
A usar apenas no trânsito.
O meu preferido foi o segundo, Gabriela Cravo e Canela. Foi uma delícia rever as personagens enterradas na memória mais remota, da primeira novela vista em Portugal, que chegou a parar o parlamento. Não sei é como fizeram uma novela duma história com pastéis, coronéis e bordéis, cujas primeiras 100 páginas decorrem no mesmo dia.
Um pequeno aperitivo: quando Nacib, o 'moço bonito', substitui a sensual Gabriela pelo chique chef de cuisine Fernand, foi este o veredito da clientela sobre a comida "- Muito bom, mas não presta". De antologia.
Absolutamente imperdível.
O terceiro foi mais complicado, os Serões de Província. O rendilhado do 'paisagista' Júlio Dinis, por vezes forçado, nada tem a ver com um escorreitíssimo Eça. Isto para dizer que, não querendo deixar a meio o livro de contos folhetinescos (amiúde são invocadas as leitoras, o que não é o meu caso) sobre peles alvas e trigueiras e sobre o Minho, esse 'vasto cabaz a transbordar de verdura e de flores', foi com espírito de missão que fui lendo a obra folhetinesca.
Até chegar ao divertido conto O espólio do Sr. Cipriano, com uma mui pertinente dissertação inicial sobre a 'opinião pública' e a metamorfose colectiva do boato na mais cristalina verdade: pois o dito morre, e a miserável irmã quase não o consegue enterrar de graça, porque corria o boato sobre a fortuna do semítico falecido, vinténs que ninguém conseguiu vislumbrar. Momentos antes da esfomeada e caquéctica velha expirar, o (tão miserável como ela) sobrinho de Maquelina reuniu a custo alguns cavacos já meio queimados para acender o lume. Em busca de acendalha, a tia perguntou-lhe "Achaste carqueja?". Não havendo, a agonizante idosa exclama "Valha-me Deus. Olha, sabes, aí... na gaveta do toucador... está uma papelada de que... às vezes me sirvo para economizar. Acende alguma na lamparina e..." Ora, os papeis que a iletrada fora queimando eram, nada mais, nada menos, notas de banco que o mano deixara, e sempre dissera nada valerem...
Onde há fumo, há fogo.
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