Miguel Guilherme organizou, com outro actor, uma radialista, um professor (húngaro) e o fundador duma agência de viagens, uma sessão de storytelling, no Museu da Água. Resumindo, contam estórias pessoais à plateia de desconhecidos, com uma intimidade própria dum jantar de amigos ou de natal.
Uma das estórias de Ana Colaço misturava tristeza e comicidade: contou ela que o marido foi hospitalizado com uma doença grave. Quando os médicos lhe disseram que o marido estava a morrer, Ana fez duas coisas: telefonou à família e amigos próximos do marido, para que se pudessem despedir, e foi comprar à pressa um pijama, porque não queria que a última lembrança que as pessoas retivessem fosse a imagem dele em bata.
Durante a romaria de visitas, Ana reparou que a olhavam duma forma estranha quando saíam do quarto, mistério que só foi desfeito quando entrou no quarto, para contar ao marido a boa notícia, os médicos tinham descoberto o problema e ele ia sobreviver: "estava escuro, vejo o que os outros tinham visto antes, o Luís quase morto e cheio de fantasmas fluorescentes à sua volta". Má escolha para o padrão do pijama.
Eu também tenho uma estória embaraçosa (bem, são muitas, mas fico por esta), e tem a ver com a escolha inadequada (e, juro, sem segunda intenção) de livros para oferecer.
No primeiro natal depois dos meus pais se separarem, vai para 1/4 de século, e o meu pai ter ido viver sózinho, dei-lhe uma saga de Gabriel Garcia Marquez, 100 anos de solidão. Apanhei uma vergonhaça quando reflecti, mas não aprendi nada: uns anos depois, ofereci à sua (estimável e estimada) companheira um livro de Günther Grass, meses antes de ser nobelizado. Azar, chamava-se A Ratazana.
Duas vezes com a pata na poça, e deixei de oferecer-lhes livros.
Discos, tirando qualquer requiem, discos são inofensivos.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário