...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

domingo, 6 de fevereiro de 2011

EDUARDO GAGEIRO, A REVOLUÇÃO

Antes do 25 de Abril impediram-no de publicar muitas imagens?
Fazia fotos quando os outros não faziam. Os membros do governo chegavam a agarrar-me no braço e dizer: "Já não posso ouvir esses disparos." Fiz uma sequência única no funeral do Salazar que a PIDE censurou: a governanta, D. Maria, a despedir-se do patrão.
Não havia lá mais fotógrafos?
Naquela altura não havia jovens interessados. Tiravam uma fotografia e iam-se embora. Eu fiquei até ao fim porque estava lá a Maria. Era uma da manhã quando iam fechar o caixão e ela decide despedir-se do patrão. Tenho a sequência toda. A censura não deixou passar. Eu era um tipo mal visto. Até fui dentro.
Porquê?
Porque me denunciaram. Uma colaboradora do "Século Ilustrado" ficou com inveja de não ter sido ela a ir para lá e denunciou-me como comunista, coisa que nunca fui, e que fazia fotografias contra ao regime.
E fazia?
Fotografava a realidade, as pessoas. Não fazia o que eles queriam. Colaborava com a Associated Press. As fotografias das manifestações de estudantes que apareciam lá fora eram minhas. Mas a PIDE não sabia.
Como foi estar preso?
Estive preso três semanas no Forte de São Julião do Estoril. Olhava através das grades duplas e ficava cheio de inveja do GNR lá fora. Cria-se ansiedade. Passei o resto do tempo virado para a parede. Durante anos não conseguia ficar contra uma parede. Ao fim de três semanas fui ouvido. Lembro-me de me dizerem: "Você é um gajo de sorte. Temos um país tão bonito, porque é que faz fotografias de pessoas e não de paisagens? Não vê que a fotografia da Nazaré [uma mulher vestida de preto, descalça, a puxar os barcos do mar, que ganhou vários prémios] dá má imagem de Portugal?" Sabe porque me libertaram? Os correspondentes estrangeiros perguntaram por mim. Eles não queriam essa batata quente.
Tornou-se mais conhecido quando teve o exclusivo do massacre nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. [Um grupo de terroristas sequestrou e assassinou atletas israelitas.] Como conseguiu?
Naquele dia não entrava ninguém na cidade olímpica. Estava muito frustrado. Às tantas lembro-me que a minha identificação era parecida com a dos atletas, só tinha uma letra a mais. Ponho-me num grupo deles e entro disfarçado. Fui ter com a delegação portuguesa, que estava no 16.o andar, e da varanda faço a sequência dos terroristas. Mandei o rolo para Lisboa através de um atleta e fui para o centro de imprensa contar a história. Ainda me ofereceram 250 contos, mas para mim o dinheiro não funcionava nesse dia. Estava feliz da vida. Apanhei uma bebedeira, mas no outro dia, mais sóbrio, cheguei à conclusão que fiz mal. No "Século" agradeceram-me com uma carta simpática, mas não me deram nem 25 tostões.
No 25 de Abril acompanhou o capitão Salgueiro Maia. Como soube que ia rebentar a revolução?
Às cinco da manhã recebi um telefonema de um amigo: "Vai para o Terreiro do Paço que é hoje." Chego lá, mas um soldado não me deixa passar. Com uma grande lata, digo que sou amigo do comandante. Mentira, nem sabia quem era. Apresento-me e o Salgueiro Maia diz para eu andar com ele.
Teve medo?
Não tenho a mania que sou herói, mas a fotografar nem penso no medo. Ouvi três vezes "Fogo", quando o Salgueiro Maia estava na Avenida da Ribeira das Naus. Foi o primeiro confronto entre os militares e os fiéis do regime. Felizmente recusaram as ordens de disparar. Depois entra-se numa fase de negociação, o interlocutor era um homem chamado major Pato Anselmo, que me disse: "Se me fotografas, mato-te."
O que fez?
Fiquei no mesmo sítio. É nesse momento que se resolve a revolução, quando o major é preso. Tenho essa sequência toda. O Salgueiro Maia dizia que a minha fotografia era histórica. Ele vem a morder o lábio para não chorar, porque foi naquele momento que se decidiu o 25 de Abril. Foi o dia da minha vida. (...)
Jornal i, 15.1.2011

25.04.1974




rendição da pide
libertação de presos políticos
1º de maio de 1975, imagem pintada por vieira da silva

1975, barroso lidera manif contra prisão de arnaldo de matos
1975, ponte salazar tem novo nome

vasco gonçalves
independência, timorense com bandeira enterrada desde 1975

1 comentário:

  1. O Exmº Snrº Drº Arnaldo Matos é indiscutivelmente um Homem Honesto , e sempre Sério nas suas Convicções , mesmo profissionais. Isto é a Verdade ( que é aquilo que é ), e tenho certa Melancolia de não o ver próximo de minha pessoa , para lhe dar um Forte Abraco. João A. Almeida

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