Antes do 25 de Abril impediram-no de publicar muitas imagens?
Fazia fotos quando os outros não faziam. Os membros do governo chegavam a agarrar-me no braço e dizer: "Já não posso ouvir esses disparos." Fiz uma sequência única no funeral do Salazar que a PIDE censurou: a governanta, D. Maria, a despedir-se do patrão.
Não havia lá mais fotógrafos?
Naquela altura não havia jovens interessados. Tiravam uma fotografia e iam-se embora. Eu fiquei até ao fim porque estava lá a Maria. Era uma da manhã quando iam fechar o caixão e ela decide despedir-se do patrão. Tenho a sequência toda. A censura não deixou passar. Eu era um tipo mal visto. Até fui dentro.
Porquê?
Porque me denunciaram. Uma colaboradora do "Século Ilustrado" ficou com inveja de não ter sido ela a ir para lá e denunciou-me como comunista, coisa que nunca fui, e que fazia fotografias contra ao regime.
E fazia?
Fotografava a realidade, as pessoas. Não fazia o que eles queriam. Colaborava com a Associated Press. As fotografias das manifestações de estudantes que apareciam lá fora eram minhas. Mas a PIDE não sabia.
Como foi estar preso?
Estive preso três semanas no Forte de São Julião do Estoril. Olhava através das grades duplas e ficava cheio de inveja do GNR lá fora. Cria-se ansiedade. Passei o resto do tempo virado para a parede. Durante anos não conseguia ficar contra uma parede. Ao fim de três semanas fui ouvido. Lembro-me de me dizerem: "Você é um gajo de sorte. Temos um país tão bonito, porque é que faz fotografias de pessoas e não de paisagens? Não vê que a fotografia da Nazaré [uma mulher vestida de preto, descalça, a puxar os barcos do mar, que ganhou vários prémios] dá má imagem de Portugal?" Sabe porque me libertaram? Os correspondentes estrangeiros perguntaram por mim. Eles não queriam essa batata quente.
Tornou-se mais conhecido quando teve o exclusivo do massacre nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. [Um grupo de terroristas sequestrou e assassinou atletas israelitas.] Como conseguiu?
Naquele dia não entrava ninguém na cidade olímpica. Estava muito frustrado. Às tantas lembro-me que a minha identificação era parecida com a dos atletas, só tinha uma letra a mais. Ponho-me num grupo deles e entro disfarçado. Fui ter com a delegação portuguesa, que estava no 16.o andar, e da varanda faço a sequência dos terroristas. Mandei o rolo para Lisboa através de um atleta e fui para o centro de imprensa contar a história. Ainda me ofereceram 250 contos, mas para mim o dinheiro não funcionava nesse dia. Estava feliz da vida. Apanhei uma bebedeira, mas no outro dia, mais sóbrio, cheguei à conclusão que fiz mal. No "Século" agradeceram-me com uma carta simpática, mas não me deram nem 25 tostões.
No 25 de Abril acompanhou o capitão Salgueiro Maia. Como soube que ia rebentar a revolução?
Às cinco da manhã recebi um telefonema de um amigo: "Vai para o Terreiro do Paço que é hoje." Chego lá, mas um soldado não me deixa passar. Com uma grande lata, digo que sou amigo do comandante. Mentira, nem sabia quem era. Apresento-me e o Salgueiro Maia diz para eu andar com ele.
Teve medo?
Não tenho a mania que sou herói, mas a fotografar nem penso no medo. Ouvi três vezes "Fogo", quando o Salgueiro Maia estava na Avenida da Ribeira das Naus. Foi o primeiro confronto entre os militares e os fiéis do regime. Felizmente recusaram as ordens de disparar. Depois entra-se numa fase de negociação, o interlocutor era um homem chamado major Pato Anselmo, que me disse: "Se me fotografas, mato-te."
O que fez?
Fiquei no mesmo sítio. É nesse momento que se resolve a revolução, quando o major é preso. Tenho essa sequência toda. O Salgueiro Maia dizia que a minha fotografia era histórica. Ele vem a morder o lábio para não chorar, porque foi naquele momento que se decidiu o 25 de Abril. Foi o dia da minha vida. (...)
Jornal i, 15.1.2011
25.04.1974
O Exmº Snrº Drº Arnaldo Matos é indiscutivelmente um Homem Honesto , e sempre Sério nas suas Convicções , mesmo profissionais. Isto é a Verdade ( que é aquilo que é ), e tenho certa Melancolia de não o ver próximo de minha pessoa , para lhe dar um Forte Abraco. João A. Almeida
ResponderEliminar