"Para certos republicanos a República tem sido um pé de cabra com que vêem aumentando os seus haveres." Senador João de Freitas, histórico republicano, in Boletim parlamentar do Senado, 11-06-1913
...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
CAI O NARIZ À ESFINGE?
Anda para aí um rebuliço das arábias.
No Líbano não é de agora, anda há décadas no fio da navalha, com o poder partilhado por cristãos maronitas, sunitas e xiitas (dividindo respectivamente os cargos de presidente, 1º ministro e porta-voz do parlamento), um ascendente sírio e a incómoda vizinhança israelita. Agora foi corrido o PM Saad Hariri, que se recusou a renegar a investigação dum tribunal internacional sobre o assassinato do seu pai há 5 anos (era então PM), que aponta para a mão do Hezbollah. Este, apoiado pela Síria e pelo Irão, roeu a corda, saindo da coligação governamental e promovendo outro PM.
Depois foi a Tunísia, com a sua revolução do Jasmim: ditador há 24 anos, Ben Ali fugiu à pressa e viu-se grego para arranjar poiso - a França (ex-colonizadora) negou-lhe asilo, dias depois de tentar segurá-lo no poder. Motivos directos: a revelação pela wikileaks dum poder corrupto e a auto-imolação dum jovem comerciante, a quem foram confiscadas as mercadorias. Razão: um povo muito jovem (e são os jovens que se rebelam), parte dele com formação, sem esperança de emprego - que quer pão e, já agora, liberdade.
Provou-se como é mais fácil do que parece derrubar regimes autocráticos e aparentemente sólidos, quando o povo se junta e não cede: foi assim no bloco de leste, é agora no norte de África. Ainda foi nomeado novo governo, mas o povo recusou-o, porque incluia ex-ministros de Ben Ali. E o partido islamista Ennahdah, que teve (via independentes) 17% de votos na última eleição meia-livre, em 1989, pode chegar agora ao poder.
Os egípcios viram e gostaram, também quiseram. E foram para a rua, e tornearam a desactivação dos telemóveis, do twitter e do facebook, e morreram (125 até hoje), e desobedeceram aos recolheres obrigatórios, e reclamam, e não querem que o poder passe dinasticamente para Mubarak junior, como estaria previsto.
O octagenário pai, no poder desde 1981, demorou a reagir (o que pode ter sido fatal!), demitiu o governo, prometeu reformas e nomeou um vice-presidente (o chefe dos serviços secretos), mas já não chega. El Baradei, nobel da Paz pelo seu serviço na agência atómica, é o rosto da oposição, mas ora está em prisão domiciliária, ora está em parte "incerta". A UE pede eleições livres, Obama fala grosso e exige ao telefone mudanças sociais e políticas.
Ironia: o país é governado pelo Partido Democrático Nacional, que nada tem de democrático, e quem luta pelos direitos civis é a Irmandade Muçulmana (dando apoio social à população, como o terrorista Hamas na palestina). Cameron expressou o receio que o maior país muçulmano do mundo se torne num novo Irão: pede apenas "um pouco mais de democracia".
Hoje há uma prova de fogo, com a promessa dum milhão de manifestantes no Cairo. O exército promete não abrir fogo e diz compreender os protestos "legítimos" - prepara-se para apear o ditador, mas manter o poder?
Semelhanças entre a Tunísia e o Egipto: regimes autoritários aceites como interlocutores pelo Ocidente, que reagiram à sublevação popular com o bloqueio da internet e dos telemóveis - sem sucesso, pois as manifs também se combinam com telefones fixos - e correm o risco de ser substituídos por governos de cariz religioso, o que não augura nada de bom - a Deus o que é de Deus, a César o que é de César.
Diferenças: o regime tunisino era mais civilista (e o exército confraternizou com o povo, como na revoulção dos cravos), enquanto no Egipto é o exército que manda. Não cai sem dar luta, ou pode não cair, como o Irão, que vacilou há 1 ano.
No Iémen, também Saleh (no poder há 32 anos) se confronta com um levantamento popular, com cheiro a jasmim e com o povo secundado pela Irmandade Muçulmana (parece uma holding...). Mas pouco se fala, o país é mais pequeno e fica mais longe.
Ah, a Jordânia e a Argélia também foram "perfumadas".
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Desenvolvimentos: novo governo na Jordânia, para parar contestações; Mubarak promete não concorrer às eleições de 2012; prometida manif na Síria.
ResponderEliminarApenas um parêntese. Nas imagens da insurgência transmitidas pela TV não se vê um única mulher.
ResponderEliminarEu vi muitas mulheres nas manifs e a dormir em tendas, umas destapadas, outras só com os olhos à mostra.
ResponderEliminarOs ratos abandonam o navio: ministros e dirigentes demitem-se do partido de Mubarak, incluindo... o seu filho.
ResponderEliminarNo Irão, o aiatola Khatami afirma que "um médio oriente ganha forma".
Ginástica americana: a 25 de janeiro, Hillary disse "o governo egípcio é estável e procura responder aos interesses e necessidades legítimos do povo", a 1 de Fevereiro Obama disse esperar uma "transição ordeira que deve ser significativa, pacífica e a iniciar agora". O seu porta-voz esclareceu que agora é agora. Mubarak disse que sai em setembro.
E o povo, mesmo cansado, não sai da praça da liberdade, apesar dos pedidos (ém tom cordial) do exército.
COITUS INTERRUPTUS.
ResponderEliminarA CIA prenunciava a renúncia, membros do exército disseram que os anseios do povo teriam acolhimento, e o Povo na Praça da Libertação (de onde não arreda há quase 20 dias) aguardava o discurso de hoje de Mubarak anunciando a retirada. Não foi bem: o presidente mantém-se no poder, apesar de referir negociações preliminares com a oposição e conversações com o vice Suleiman para a transferência do poder.
República egícia (só falta "democrática" no nome, para garantir que o não é): Coronel Nasser 1952-1970, Coronel Sadat 1970-1981, Coronel Mubarak 1981-2011.
ResponderEliminarPronto, ao fim de 18 dias o presidente foi embora, agora para o mar vermelho, depois talvez para uma das suas muitas mansões espalhadas pelo mundo, para tentar gastar na reforma um avo do que "arduamente" amealhou. Diz a SIC que as autoridades suiças congelaram as contas do aposentado.
Ainda há muito ruído sobre a quem foi entregue o leme (o vice e chefe da secreta Suleiman? o ministro da defesa? o estado-maior? o tribunal constitucional?), e não sabemos se o cheque anual de 1500 milhões de dólares ao exército egípcio permitiu aos states dar um empurrão, mas já tá.
O exército promete eleições totalmente livres. É bom que não se metam, mas quem promete eleições parcialmente livres? Certo é que o mundo vai ficar a vigiar.
Todos se regozijam, do Hamas a Obama, do Irão a Merkel. Logo se verá se Mubarak, quando repetia "ou eu ou os barbudos", referindo-se aos religiosos, tinha razão.
Iemen, a réplica: parceiro dos EUA, povo em manif diária, presidente promete não se recandidatar nem passar o ceptro ao filho.
ResponderEliminarO Egipto está mais adiantado, novo governo, suspensão do parlamento, nova constituição em curso (a referendar), eleição de governo civil em 6 meses.
News update:
ResponderEliminarMais de 50 mortos na Líbia em 3 dias (parte da polícia de El-Baida muda de lado e exército invade a cidade), onde Khadafi manda desde 1969; mortos no Iémen e Barhein, aliados dos states; 8 feridos na Jordânia.
A violência no Bahrein - ou Barhein, onde o PM sheik Khalifa Al-Khalifa (nome de vilão do Tintin) governa há mais de 40 anos - mereceu muitas críticas, incluindo dos EUA, onde Hillary incitou "ao retorno a um processo que conduza a mudanças significativas reais para pessoas". 18 dos 40 deputados, do partido xiita (, abandonam parlamento e exigem reformas, novo governo, nova constituição. A maioria do povo é xiita, a dinastia reinante é sunita, o que não ajuda.