Tenho um amigo com idade para ter juízo: há meses, enviou esta música dos Deolinda a 5 pessoas que, como ele, participaram num protesto, escrevendo que se devia respeitar mesmo quem se acobardara e ficara quieto. Um dos destinatários disse mata e um outro disse esfola, enviando sem querer os mails a toda a gente.
Baile armado. A coisa não seria importante, não fora os mais furiosos serem amigos (rating AA) do rapaz com idade para ter juízo: “quem são vocês para se auto-intitularem de corajosos e dar lições de moral (…) se és meu amigo, podias dizer-mo na cara”.
O rapaz com idade para ter juízo só não aprendeu umas coisas, porque já as sabia:
1º Pela boca morre o peixe.
2º Uma mensagem que se quer bem disposta, pode ser piada de mau gosto para a plateia (que se entende) visada, é como contar anedotas de ciganos na feira de Carcavelos.
3º Epicuro escreveu “Faz tudo como se alguém te contemplasse”, eu diria fala ou escreve sempre como se o alvo das tuas palavras te ouvisse.
O rapaz com idade para ter juízo defendeu-se, alegando que não pretendeu provocar ninguém e que a mensagem era privada – o que, à primeira, me lembrou o Paulo Penedos na comissão da AR, sobre as escutas: mais importante que o conteúdo, é a forma indevida da divulgação?
Mas o argumento tem um fundo de razão: nas mensagens privadas, não há preocupação em escolher as palavras ou em evitar generalizações, que atingem todos indiscriminadamente. A mensagem teria outro efeito usando “algumas pessoas” e trocando cobardia por “instinto de sobrevivência” - redonda e diplomaticamente suave.
O dizer-na-cara-do-amigo leva-nos para outro lado. Li algures que, em média, as pessoas dizem 7 mentiras por dia, geralmente piedosas e/ou para manter a paz social.
Mais que mentiras, há omissões: se toda a gente dissesse sem rodeios tudo o que pensa, o mundo deixava de funcionar: haveria arraial como na aldeia de Asterix, com pafs, peixes e bigornas a voar. E um amuo geral eterno.
Tirando o comum “tá bom, tá!” quando a anfitriã pergunta pelo seu repasto apenas tragável, há coisas que preferimos calar: “A tua mulher é uma imbecil, pá.”, “Não acredito em tudo o que contas, gostas de apimentar as histórias.” ou “O que te sobra em simpatia falta em competência.”.
Tendo mesmo de ser, em vez do sem-espinhas “O teu sucesso dependeu mais do cartão partidário que da tua competência (que tens).”, preferimos sussurrar “Hás-de convir que seres do Partido deu uma ajudinha…”, e a quem se está a marimbar para o trabalho podíamos alertar suavemente “talvez sejas um bocadinho despreocupado no trabalho”.
Tudo em nome duma boa convivência, até porque as pessoas de quem gostamos também têm defeitos.
Mas o melhor mesmo é, às vezes, estar calado.
«fala ou escreve sempre como se o alvo das tuas palavras te ouvisse» ...mas não te esqueças que também pode estar a entrar por um ouvido e a sair por outro, e então... só te resta partir a loiça :)
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