Em 870 anos de Portucale enquanto Estado-nação, há 3 datas maiores, uma espécie de trindade:
1. A
fundação do reino, dividida em 3 fases, a auto-proclamação de Afonso Henriques em Bragança a 1/11/1139 (após a batalha de Ourique em Agosto), o reconhecimento pelo Primo Afonso VII de Leão e Castela em Zamora, a 5/10/1143 (o nosso 1º cinco de Outubro), e o reconhecimento internacional da altura, via papado, em 23/5/1179, com a bula
Manifestis Probatum dum tal Alexandre III.
2. A
batalha de Aljubarrota a 14/8/1385, que não foi uma novidade militar, repetindo tácticas antigas de Alexandre magno e decalcando Crécy e Poitiers, 30 anos antes, quando a infantaria dum exército pequeno venceu a cavalaria dum exército muito maior (Inglaterra 2-França 0). 6500 lusoingleses venceram 30000 francocastelhanos, à conta duma frente de batalha estreita, covas-de-lobo e paliçadas romanas. No rescaldo, firmou-se a aliança luso-inglesa, João I desposou Filipa de Lencastre e nasceu a ínclita geração, que iniciou a gesta dos descobrimentos ou, à brazileira, dos achamentos.
3. A
RESTAURAÇÃO, a 1 de Dezembro de 1640.
Denominador comum, poucos fizeram a história e o destino de muitos.
A Espanha estava envolvida na guerra dos 30 anos, que opôs Suécia, Holanda, França e alemães reformistas à Espanha e sacro-império. Filipe IV tentava segurar a Flandres, territórios italianos e o ultramar luso.
A Portugal, “herdado” em 1580, foi imposta uma enorme carga tributária e intensificado o recrutamento militar, para financiar o esforço de guerra de Filipe IV.
A 12 de Outubro de 1640, no palácio de D. Antão Vaz de Almada, reuniram-se
40 conjurados, entre os quais o octagenário D. Miguel de Almeida (que, como José Relvas, fez a proclamação na varanda), Jorge e Francisco de Melo, António Saldanha, Estêvão da Cunha, Carlos de Noronha, Francisco de Melo, João de Sá de Meneses, Tristão da Cunha de Ataíde, Luís Godinho Benavente, padre Nicolau da Maia e o Dr. João Pinto Ribeiro (intendente da casa de Bragança).
A Fidalguia decidiu enviar Pedro de Mendonça a Vila Viçosa, propondo ao Duque de Bragança que aceitasse a coroa após a declaração da Independência de Castela, ao fim de 60 anos de Filipes.
João estava indeciso. Questionado pelo secretário António Pais Viegas se tomaria o partido do país ou dos castelhanos, respondeu “
hei-de acostar-me ao que seguir o comum do País” (mariavaicomasoutras). A sua mulher espanhola, Luísa de Gusmão, invectivou-o, julgando “
mais acertado, ainda que a morte fosse consequência da coroa, morrer reinando que viver servindo”, mais tarde transformado em
mais vale rainha uma hora que duquesa toda a vida.
João aceitou, mas disse que negaria a participação, caso a intentona falhasse…*
Houve novas reuniões a partir de 21 de Novembro, com hesitações e planos, terminando a 30 com a decisão de avançar, a redacção de testamentos e encomendas de missas.
Às 9 da manhã dum sábado, os conjurados e arregimentados, num total de 120-150 pessoas, juntaram-se na praça do comércio. João Pinto Ribeiro terá respondido a um amigo, que lhe perguntou onde ia, “
vamos ali abaixo à sala real, e num instante tiramos um rei e pomos outro…”.
Não houve quase resistência no Palácio da Ribeira. O Secretário de estado, Miguel de Vasconcelos (que soubera da conjura, mas não acreditara nela), foi morto no pequeno armário onde se escondera e
defenestrado (atirado pela fenétre, a bem-dizer).
À vice-Rainha e Duquesa de Mântua (Margarida da Áustria), foi negado falar ao povo - “se não quiser utilizar aquela porta, (será forçada) a sair por aquela janela” - e obrigada a ordenar a rendição das guarnições.
Durou 2 horas e 3 mortos, 6000 soldados espanhóis incrédulos e estuporados e 2 ou 3 galeões na zona de Lisboa capitularam sem resistir. Ao início da tarde a justiça fazia-se em nome doutro rei, sem qualquer sobressalto. A vida continuava (e o povo é sereno, já dizia o Pinheiro de Azevedo).
Como um rastilho, todas as cidades e vilas aclamaram D. João IV**, assim como todos os territórios ultramarinos – excepto Ceuta, que ainda continua espanhola...
Os espanhóis fugiram todos: alguém escreveu que “em menos de 15 dias não sobrava cá nenhum, que não estivesse preso”.
Seguiram-se ainda 28 anos de escaramuças (entretanto, a aliança luso-inglesa foi renovada e mandámos a Infanta Catarina de Bragança, a do chá das 5, a Carlos II de Inglaterra) e, se Espanha não estivesse ocupada com a França de Richelieu-Mazarino até 1659, e com a sedição da Catalunha, que precedeu a nossa alguns meses, a história podia ter sido diferente. Viva Barcelona.
*
Hábito seu, fazer de morto: adiou enquanto pode o périplo pelas praças-fortes, suspeitando de cárcere itinerante, alegou contratempos para participar na guerra franco-espanhola, resistiu a mudar-se para a corte de Madrid e assobiou para o ar quando lhe propuseram o vice-reino de Milão.
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Consta que João IV ainda teve que prometer que, caso D. Sebastião (desaparecido mais de 60 anos antes em Álcacer-Quibir…) voltasse do nevoeiro e aparecesse, lhe devolvia o trono…