segunda-feira, 25 de junho de 2012

BOM GASTADOR

As conversas com o Saraiva, dê por onde der, vão ter a dois assuntos, a sua reforma e as mães solteiras. 
A última vez não foi excepção.
Depois dum extenso relambório acerca da sua falta de pachorra para as chefias e para a decadência do serviço, perguntei:
- Então, sempre vai avançar com o pedido da reforma?
- Fui buscar os papeis há umas 2 semanas.
- E então, tanta pressa e não os mete?
- Acontece que peguei neles e o título era pensão de velhice. Deu-me cá uma alergia que nem consegui preenchê-los. Não estou preparado para ser oficialmente velho.
Realmente, podiam chamar-lhe qualquer outra coisa, prestação retributiva ficava melhor.

Cumprindo o guião, a seguir veio a crise: 'Parece que nada muda: quando era criança, pedia um brinquedo e a minha avó dizia agora não posso, os tempos não estão para isso. Passaram 50 anos e voltámos ao mesmo'.
Não vale a pena explicar que mudou e muito - os avós não tinham esgotos, água canalizada, telemóveis, máquina de lavar e de secar, 3 televisões e 2 carros.
Mas o que enerva mesmo o Saraiva são as pessoas que, não só não poupam, como desbaratam o dinheiro. Então as mulheres solteiras que saem à noite, vão a discotecas (não entram de borla) e gastam dinheiro em tabaco e cervejas... O problema maior é serem do género feminino, desconfio.
O busílis é que o Saraiva conhece umas mulheres desempregadas que deixam as crianças em casa e vão divertir-se (um pecado!!!), e no dia seguinte vão buscar comida ao banco alimentar - uma questionável administração do parco rendimento, talvez.

A situação fez-me recordar um caso paradoxal, dum par alfacinha, que tem estado a recorrer às reservas que têm no banco, desde que ele ficou desempregado. Acontece que ele tem um escape, é leitor-barra-comprador compulsivo de livros e arranja pechinchas todas as semanas.
Um dilema, alguém imagina ser censurável a leitura?  


LER É SONHAR PELA MÃO DE OUTREM.
Fernando Pessoa

quinta-feira, 21 de junho de 2012

JOANA VASCONCELOS EM VERSAILLES

Na página do facebook Château de Versailles Officiel há várias reacções horrorizadas às obras de Joana Vasconcelos presentes no palácio real: deviam ter vergonha, mandem-na de volta para o Peru (?), horrível,Versailles não é lugar para isto, não sou a favor da mistura de géneros e épocas, pesadelo, para quando uma exposição de tricot?, gente desta destrói a arte, lixo, Versailles não é um circo, sacrilégio, mau gosto, kitsch, abominação.
E, para tristeza da criadora, a comissária não aceitou uma das peças, o conhecido Lustre de tampões... então caía o Sacre Coeur e a Notre Dame!  
Eu LIKE, mas até entendo um das opiniões: uma coisa é voltar a Versailles e ver as peças da fabulosa Joana, mas quem vê o palácio pela 1ª (e talvez única) vez, aprecia-o melhor sem 'incongruências'.


 Mary Poppins (2010), Escalier Gabriel

 Coração independente preto (2006), Salon de la Guerre


 Marilyn (2011), Galerie des Glaces

 Coração independente vermelho (2005), Salon de la Paix

 Perruque (2012), Chambre de la Reine

 Le Dauphin La Dauphine (2012), Antichambre du Grand Couvert

 Gardes (2012), Salle des Gards de la Reine

 Vitrail (2012), Escalier de la Reine

 Royal Valkyrie (2012), Galerie des Batailles

 Golden Valkyrie (2012), Galerie des Batailles


 Valquiria Enxoval (2009), Galerie des Batailles

 Lilicoptère (2012), Salle 1830

 Blue Champagne (2012), Parterre d'Eau

 Pavillon de Vin (2011), Parterre du Midi

Pavillon de Thé (2012), Parterre du Midi

1º ANO DE GOVERNO: AS FRASES QUE FICAM



VAMOS TER QUE EMPOBRECER.
Passos Coelho, PM

SAIAM DA VOSSA ZONA DE CONFORTO E EMIGREM.
Miguel Mestre, SE Juventude e Desporto

TEMOS QUE DEIXAR DE SER PIEGAS.
Passos Coelho, PM

SOU UMA PESSOA DE , ESPERAREI SEMPRE QUE CHOVA. 
Assunção Cristas, Min. Agricultura

QUEM NÃO ESTIVER BEM NA FUNÇÃO PÚBLICA/FORÇAS ARMADAS, NÃO É OBRIGADO A FICAR.
João Almeida, CDS/Aguiar Branco, Min. Defesa

ESTAR DESEMPREGADO NÃO É NEGATIVO,
É UMA OPORTUNIDADE PARA MUDAR DE VIDA.
Passos Coelho


AS ESTIMATIVAS DO GOVERNO SOBRE O DESEMPREGO 
ESTÃO DISPONÍVEIS NO SITE DA COMISSÃO.
Victor Gaspar, Min. Finanças, aos deputados,
explicando a falta de dados no DEO fornecido ao parlamento 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

terça-feira, 12 de junho de 2012

DO MAL O MENOS



A VIDA É A INFÂNCIA DA NOSSA IMORTALIDADE.
Goethe

Vais escrever sobre isso?, perguntaram horrorizados. Vou.

Exceptuando góticos mórbidos, que gostam de caveiras e donzelas exangues, funerais são um assunto feio para toda a gente (eu, por exemplo, fujo sempre que posso, já tenho que ir ao meu e ainda assim contrariado).
Mas, a ter que ser, ao menos que o local seja bonito: não há como comparar filas de lápides e gavetas de pedra, com os verdejantes e viçosos (!) cemitérios americanos, onde o espaço é agradável, até por isso mesmo: lá, há espaço.

O recente tanatório de Matosinhos, da autoria de Luísa Valente, cumpre na função e na forma: faz-me lembrar o dentista da minha filha, que tem uma televisão colada ao tecto - a ocasião é má, mas o desconforto pode ser distraído. Não resolve nada, mas é acolhedor. 
A luminosa sala tem um pé direito enorme (para recordar a nossa pequenez?) e 3 paredes envidraçadas de cima a baixo, tendo a frontal vista para o mar. Despida de qualquer referência religiosa (apenas duas frases gravadas na parede, uma delas de Goethe), tem cadeiras de pinho claro e música clássica ambiente.

O método é mais abrupto que o convencional, com a saída do esquife sob uma lage elevatória mas, afinal, fica-se com a mesma noção de finitude e irreversibilidade que num enterro. 
Bem, não foi o caso: o ritual foi todo repetido, porque uns amigos atrasaram-se na ligação aérea.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

TOMA O REMÉDIO!


A SAÚDE É UM ESTADO TRANSITÓRIO 
QUE NÃO AUGURA NADA DE BOM.
Eduardo Barroso













Foram várias as conferências notáveis na TEDxCascais de 18.2.2012.
A melhor de todas talvez tenha sido a de Zé Pedro Cobra (ZPC),
'Tira-se o hífen'.
Qual a razão do título? Porque essa linha pequena faz toda a diferença: como os miúdos travessos que se desculpam com o partiu-se, perdeu-se, estragou-se ou (usado a granel) gastou-se, os portugueses crescidos continuam a usar o hífen em palavras como o isso resolve-se, trata-se, arranja-se, paga-se.
É a velha história da culpa morrer solteira, porque é de todos, não é de ninguém - afinal, quando dizemos os portugueses, a quem precisamente nos estamos a referir, quem é o nós, qual de nós é responsável?
O conselho de ZPC é experimentar remover o hífen. uma coisa é arranja-se, outra é arranja se, porque exige um complemento, arranja se fizer.

Mas o palestrante completou com acutilância o nosso retrato (mais uma vez, o colectivo em vez do indivíduo):
* a lamúria (citou Mark Twain, 'não reclames do mundo, ele chegou primeiro'),
* a mania de assistir quieto e dizer perante o insucesso 'eu avisei',
* e a resignação do execrável costume de responder 'vai-se andando' ou 'antes assim que pior' a quem nos cumprimenta - ZPC diz-nos mais preocupados em evitar problemas que em encontrar soluções, e citou Andrew Matthews no seu livro Siga o seu Coração, 'o nosso objectivo na vida não é não ter problemas, é viver entusiasmado'.
Esse foi talvez o mote de várias apresentações, façam-se à vida e procurem o sucesso, independentemente do que isso queira dizer. E pode, ou deve, não significar bens: à ditadura do consumismo e a importância do verbo TER, ZPD lembra que não somos Teres humanos, mas Seres humanos.
Sobre o tema da TED, A linha que nos separa/Alinha que nos une, ZPC justifica a dicotomia com o facto de, ao mesmo tempo, sermos únicos e sermos todos um.

Mas melhor é mesmo ver

quinta-feira, 7 de junho de 2012

IGNORANTES


SÓ SEI QUE NADA SEI.
SÓCRATES

POIS EU NEM ISSO SEI.
PIRRO DE ELEIA

terça-feira, 5 de junho de 2012

MOSTEIRO DE SÃO BENTO DE AVÉ-MARIA

O que tem em comum o parlamento, parte do Museu de Arte Antiga, os museus municipais de Aveiro e de Santarém, o Palace hotel do Buçaco, o luxuoso hotel Intercontinental do Porto, a estação de São Bento e o quartel da serra do Pilar? Assentam onde havia conventos.

1821, 1822 e 1832 foram anos nefastos para o clero, com decretos a suprimir conventos e proibir a admissão de mais noviços(as). 
Mas a extinção geral das ordens religiosas (imediata, no caso dos homens, com direito a uma compensação pela extinção da residência e do posto de trabalho, nunca paga; com o encerramento do convento adiado até à morte da última freira, no caso das mulheres - o que sucedeu em 1892, em S. Bento) e a nacionalização dos 'bens dos conventos, mosteiros, collégios, hospicios e quaesquer casas de religiosos das ordens regulares', seguida durante 10 anos por uma venda massiva de móveis e imóveis, data de 1834.
O decreto de 30 de Maio, de Joaquim António de Aguiar (por alguma razão lhe chamavam o Mata-frades) justifica a medida: não só 'a opinião dominante é que a religião nada lucra com ellas [as ordens religiosas], e que a sua conservação não é compatível com a civilisação, e luzes do seculo, e com a organização politica que convem aos Povos', como as ordens são responsáveis pelo abandono do trabalho, riqueza, fanatismo, deturpação do evangelho, exploração da credulidade dos povos, contribuição para a diminuição da autoridade paroquial, prejuízo do crescimento da população e 'insidiosas tramas contra o throno legitimo, e contra a civilisação e liberdade nacional!'. Embrulha.

Ao contrário de outros conventos, mais ou menos afortunados, do mosteiro de S. Bento de Avé-Maria não resta nada, além de fotografias.
Em 1518, D. Manuel sacou da própria bolsa e mandou construir o mosteiro de Avé-Maria ou da Encarnação para as monjas de S. Bento. O rei desejava a transferência dos mosteiros dos montes para as cidades (por os primeiros 'estarem em locais ermos para habitação de mulheres e em que se faziam obras de pouco serviço de Deus'), e assim foi: situado dentro de muros do Porto (no local das Hortas do bispo ou da Cividade), a casa foi inaugurada em 6.1.1535 e reunia as monjas de 4 mosteiros periféricos (Tuías, Vila Cova, Rio Tinto e Tarouquela), de diferentes obediências.

Iniciado austero, porque sem rendas, o convento foi ganhando o seu esplendor. Num contrato de 1710, (com orçamento de 8000 cruzados e 150.000 réis), é dado aos mestres pedreiros um longo caderno de encargos, que inclui 'cornige e frizo e alquitrave e cunhais e gargollas e frizos' nas casas das senhoras abadessas, um chafariz no pátio de baixo 'como se ve na planta', arcos de pedra com estuque fingido em forma de arcos abatidos, pilares com capiteis toscanos, cornijas e molduras nas janelas como as da casa dum Doutor João Araújo na rua Chãm,  uma fonte de 2 bicas e canos de chumbo na casa das senhoras porteiras, a roda que 'hade andar na soleira e padieira como hum piam', cubículos nas celas para as criadas das freiras, a escadaria muito lisa e com pedra 'muito alva dura e sem pellos nem sardinhenta nem manchas pretas',...
Apenas um arco manuelino resistiu às sucessivas 'benfeitorias', as mais substanciais ocorridas após o incêndio em 1783. Até à demolição total - para dar lugar ao carro a vapor -, do convento em 1894-96, da igreja em 1900-01.
À troca, o Porto ganhou a formosa estação de S. Bento. Uma das mais bonitas do mundo, foi o veredicto da revista Travel + Leasure, em 2011.




 1894. cortejo no largo de S. Bento (actual Praça Almeida Garrett), rumo à Praça do Infante (convento à direita) 
 zona da entrada do convento (lado da actual Rua do Loureiro) 

 dormitório na zona posterior do convento e muralha fernandina junto à antiga Porta de Carros  
(lado da actual Rua da Madeira); a árvore está na actual Praça da Liberdade 
 coro alto 

a Roda
igreja em demolição 
chegada do 1º comboio à gare de S. Bento, a 7.11.1896 . foto Domingos Alvão  
(à esquerda, a Igreja conventual ainda de pé, o resto já fora demolido)