terça-feira, 27 de novembro de 2012

SOU CONTRA, MAS VOTO A FAVOR

Alonso em Os Ridículos, 1923
 
"Os problemas com esta proposta de Orçamento começaram antes da sua apresentação no Parlamento", com os casos da Taxa Social Única e da eliminação da cláusula de salvaguarda no IMI, que foi possível evitar, com o "papel decisivo". "Mas não foi possível evitar a degradação do clima social."
"Na sua versão final, este Orçamento mesmo que funcione como exercício académico, terá graves problemas de aplicação prática, em resultado das enormes dificuldades que vai criar às pessoas."
 
"O Orçamento tem, entre outros, cinco riscos muito significativos: a carência de justificação clara para a dimensão do ajustamento necessário, a difícil sustentação do cenário macroeconómico, a desproporção entre o esforço do Estado e o esforço solicitado às famílias, a insuficiência das alterações introduzidas, em sede de especialidade e a introdução de medidas que comprometem reformas futuras".
 
"O valor do ajustamento necessário em 2013 não foi claramente justificado até à votação final (...) é impossível estabelecer uma correspondência entre o esforço constante da proposta de Orçamento e o previsto no Programa de Assistência Económica e Financeira, mesmo considerando o impacto da revisão do limite do défice em 2012 e 2013".
 
Relativamente ao cenário macroeconómico que sustenta o exercício orçamental para 2013, "foi unânime a desconfiança" expressa pelos parceiros sociais, pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), pelo Conselho de Finanças Públicas, o Banco de Portugal e a OCDE. "Mesmo considerando que as previsões estão em linha com as dos credores institucionais de Portugal, é impossível ignorar este problema que pode ter consequências graves na sustentabilidade da execução orçamental. Deve relevar-se especialmente o risco das previsões para a evolução do PIB e para o consumo privado."
 
O "facto de se ter optado por um esforço quase total do lado das famílias e das empresas, e quase residual do lado do Estado, constitui uma opção errada e um problema acrescido", porque "será muito mais difícil controlar uma execução orçamental cujo sucesso não depende da eficiência do Estado, mas da capacidade da economia gerar receitas, de acordo com o previsto, num clima tão adverso".
Deveria ter existido um "programa mais eficaz de corte na despesa (...) essa insuficiência é especialmente notória no sector empresarial do Estado, nos consumos intermédios e na reestruturação da administração pública" e poder-se-ia ter ido mais longe também nesse domínio, com o corte das subvenções às campanhas eleitorais, por exemplo.
 
A redução do número de escalões deveria ser parte de uma "reforma profunda do regime do IRS, a fazer num momento de recuperação económica", enquanto "feita neste momento, e desta forma, a redução é uma forma perversa de aumentar a receita e penalizar as famílias".
 
O deputado que fez esta declaração de voto não é da oposição, mas parece. Foi João Almeida, vice da bancada do CDS. O deputado que acha isto devia votar contra o orçamento, mas  votou a favor dum orçamento que considera pernicioso, ou mais polidamente "não ser um bom orçamento", porque a sua rejeição "seria ainda pior para as pessoas que a sua aprovação" e porque a "uma má solução, ainda que rejeitada, sucede uma pior (...) Foi o que se passou com os sucessivos PEC, com o memorando de entendimento e com os últimos orçamentos. É por isso que tenho a profunda convicção que a rejeição do Orçamento apenas agravaria a situação dos portugueses, principalmente dos que atravessam maiores dificuldades. Mais cedo ou mais tarde, com estes ou outros protagonistas, viria uma nova proposta com medidas idênticas em dose reforçada".
 
Durante a discussão deste lamentável orçamento, o CDS vetou uma proposta do BE - o corte de 50% do financiamento das campanhas eleitorais -, que apresentou dias depois ao PSD. Justificações do partido, a necessidade de entendimento dentro da coligação, e o facto da proposta ser definitiva por parte do Bloco e pontual no caso dos centristas. 
Mais, o CDS vetou uma proposta do BE igual à que fez aprovar no orçamento de 2012, quando era oposição - a apresentação pelo governo dum relatório anual sobre gestores públicos, do qual "constam as remunerações fixas, as remunerações variáveis, os prémios de gestão e outras regalias ou benefícios com carácter ou finalidade social ou inseridas no quadro geral das regalias aplicáveis aos demais colaboradores da empresa, dos titulares dos órgãos de gestão".    
Vergonha.

PATRÃO DE VÃO-DE-ESCADA


Se formos governo, posso garantir que não vamos
despedir pessoas nem cortar mais salários
para sanear o sistema português.
Passos Coelho, twitter 2/5/2011

Dizem que eu sou um privilegiado. De facto, não tenho um patrão qualquer - para começar é mais forte que os outros, porque é ele que faz a lei: exemplo, os outros patrões não podem diminuir salários, o meu pode, e fê-lo; os outros têm que respeitar os acordos e convenções colectivos, o meu apresenta propostas inegociáveis.
Ora bem, o meu patrão decidiu: pagar menos um quinto do salário (numa estimativa bem conservadora); reduzir em 50% o pagamento de feriados e horas extraordinárias; reduzir subsídios de alojamento e ajudas de custo por deslocações (pagas apenas se a distância é superior a 20km, ou 50km em dias sucessivos); manter a suspensão de progressões; aumentar o nº de horas de trabalho, daqui a um tempo; reduzir o nº de colaboradores (trabalhando mais os que ficam, naturalmente); deixar de pagar baixas por doença nos primeiros 3 dias, e reduzir em 10% o pagamento dos restantes dias; apressar a subida da idade da reforma (e pagar menos por ela), aumentar várias vezes as contribuições para a segurança social (adse+cga) e os impostos (a 2ª maior subida do mundo, nos últimos 3 anos).
Deu cavaco a alguém?
Uma coisa é aproximar o regime da FP do sector privado - tudo bem! -, outra é torná-lo ainda pior. É de esperar que o Estado seja um exemplo de decência com os seus trabalhadores - pormenor, também seus accionistas.

post scriptum: o meu patrão diz que a sua prioridade é o desemprego, mas rescinde com contratados que têm a particularidade de não terem direito a subsídio de desemprego - o governo começou a explicação com "como em qualquer empresa...", pois há empresas que agem com menor ligeireza (bem a propósito, os desempregados vão passar a pagar taxa social a partir dos €419).

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO


- A coisa já estava tremida. E com a subida do IVA de 6 para 23% (já devem ter percebido que a colecta não subiu, desceu), foi mais uma cajadada nas vendas: os cafés vendem menos e os restaurantes usam os funcionários para fazer os rissóis, ou compram a desempregadas biscateiras que os fazem em casa, depois encomendam-nos alguns para ter facturas e justificar a mercadoria. E são umas atrás das outras, agora ando a ver se resolvo uma multa da segurança social, que recebi sem saber ler - 10.008€.
- ...?
- No início do ano, tivemos que mandar 3 pessoas embora. Mas o trabalho está quase parado e, no fim do verão, conversei com a nossa funcionária mais velha, já sem filhos a cargo, que aceitou ir para o desemprego. Não sabíamos, mas a lei proíbe despedir mais que 3 pessoas ou 1/4 do pessoal - recebi uma carta com uma multa à conta dum artigo qualquer [63º do decreto-lei 220/2006], porque criei à senhora a falsa expectativa de que tinha direito ao subsídio, e agora pago eu esse valor.
- Foi à segurança social?
- Fui, perguntei se não é preferível despedir uma pessoa a fechar a empresa e irmos as 8 para o desemprego. Responderam que a única coisa a fazer era recontratar a pessoa com a data do dia seguinte ao despedimento - ainda fui a casa da senhora, tentar convencê-la a voltar, mas ela habituou-se depressa a ficar em casa, e entrou de baixa, já não dá.
- E agora?
- Não sei, eu quero resolver, mas o Estado não parece interessado em ajudar, parece que faz de propósito para nos afundar. Há mais: recebi uma carta das finanças a dizer que devia 5000€ de IVA. Fui pedir para pagar em prestações, mas tive que esperar 30 dias e depois outros 30 após o prazo de pagamento, só para meter o requerimento - resultado, fiquei a dever 6500€ com a multa e os juros agiotas. Mas não acaba assim: só aceitam prestações se eu apresentar uma garantia bancária. Pois, então, se eu tivesse dinheiro no banco, pagava, não é?
- Claro.
- Andei um tempão a caminho do banco (e os juros a crescer), até me passarem um papel a dizer que, no momento, a empresa não tinha liquidez. Voltei às finanças e propus dar os bens da empresa como garantia, mas não querem bens, querem dinheiro vivo. Agora exigiram um seguro-caução!!!
- E como? Qualquer seguradora vai-lhe tirar o couro e o cabelo, para assumir o risco.
- Eu nem sei o que é um seguro-caução. 
- Bem, de qualquer forma, o IVA que deve também o recebeu de outros, não é?
- Parte, é que também estou a dever IVA (mais juros) que ainda não recebi, tenho uma pilha de cobranças em atraso, algumas há 6 meses e de valores ridículos, de empresas maiores que a minha.
- Desconfio que, no próximo ano, vamos ouvir várias conversa assim, o comércio vai piorar ainda mais e vai ser um dominó.
- Não duvide. Mas isto são apartes, vieram cá verificar se eu já tinha reparado o chão. Olhem, eu quero, mas não tenho dinheiro. Essa parte do piso tem 2 anos e está pior que o resto que é antigo, mas não posso reclamar os 2500€ ao empreiteiro. Faliu e não vale a pena ir para tribunal, já existe uma fila de credores à minha frente...

Esta conversa aconteceu mesmo, é real o Estado cego, o fisco voraz e a economia em ocaso - é real este país em quarto minguante.  
Com sorte, o crente Victor Gaspar acerta e a seguir vem a lua nova. Ou acertam os outros todos, e o ministro o que está a fazer, com o 'custe o que custar', é terraplanagem - e, quando regressar à sua carreira em Bruxelas, Portugal será uma paisagem lunar

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

OS BUCHAS DE BOTERO

Botero anda por aí. À exposição de 80 peças que decorre em Bilbau, o octogenário de fresco (n. em 1932) junta a mostra em Lisboa da sua via sacra - 27 óleos e 34 desenhos à volta da paixão de Cristo. Poder-se-ia considerar uma abordagem inusitada a transposição da história para os tempos modernos (como a crucificação em Central park ou um gay arrancando as vestes de Jesus), mas a sagrada família com tricórnios setecentistas, de Machado de Castro, atesta que sempre houve essa tentação.   
O pintor vivo mais famoso da américa latina foi muitas vezes menosprezado pela sua pintura figurativa naif - os críticos que descreveram o seu trabalho como 'kitsch barroco provinciano' ou as suas personagens como 'fetos concebidos por Mussolini e uma camponesa singela' devem ter comido o seu chapéu como o Patacôncio, quando a sua cotação subiu.

Botero não teve educação artística formal, mas aprendeu com os mestres, durante o périplo por Madrid, Paris e Florença, onde conheceu o ídolo Velasquez ou Piero della Francesca (onde foi buscar as figuras calmas e enigmáticas, o 'movimento estático', a luz sem sombras e a disposição dos volumes) ou as estadas no México do modernista Diego Rivera (com as composições grandiosas e figuras estereotipadas que enchem a tela) e em Nova Iorque, onde se cruzou com os abstraccionistas americanos - que lhe 'autorizaram' a liberdade das (des)proporções e pintar, por exemplo, um bebé colossal ao colo duma ama minúscula. Mistura-se esse potpourri com a pintura barroca colonial, inocente e imperfeita, e já está.   
Bem, quase, ainda falta depurar um estilo próprio, o que demorou alguns anos: depois dum início algo errático e com telas irreconhecíveis, só na primeira metade dos anos 60 é que Botero encontrou a sua marca, as figuras XXL desproporcionadas (corpos dilatados, com feições e seios liliputianos) e as formas sólidas e telúricas, em telas gigantescas - Botero é o bucha do estica Giacometti. Botero nega pintar pessoas gordas, e na verdade as pessoas não aparecem mais gordas que o resto, tudo é volumoso, tudo é exagerado.    
Outros traços, a ausência de sombras para não contaminar as cores, que valem por si, os corpos opulentos e sumptuosos, mas sem erotismo, as imagens domingueiras com gente aprumadinha, que 'olha o passarinho', o semblante sério - a dor ou a alegria estão tão ausentes que, comparando, o sorriso de Gioconda é uma gargalhada. 
Os seus motivos são tipicamente latino-americanos, como a igreja, a família, a tourada (aos 12 anos, frequentou uma escola de tauromaquia). Não se espere dele qualquer crítica assertiva, mesmo os ditadores são tratados com uma ironia amigável - Botero diz que põe pinceladas de amor nos quadros. Com uma ou outra excepção, como a sua série sobre a cadeia de Abu-ghraib, assunto sobre o qual o pintor se sentiu impedido de ficar calado.   
Botero afirmou-se 'o mais colombiano dos artistas colombianos' e até percebe-se porquê, mas é um título arrojado para quem emigrou em 1960 e, desde 1967, deixou de ter lá a sua primeira residência.

E depois há o Botero escultor, que justifica um reconhecimento (mais) generalizado. Não é qualquer um que exibe as suas brilhantes estátuas de bronze na florentina Piazza della Signoria, nos Champs Élisées, na 5ª Avenida... ou na Praça do Comércio, durante a expo 98. Botero apenas lhes reconhece o valor estético: 'As minhas esculturas não transportam qualquer mensagem especial (e) não têm qualquer significado simbólico. Só me interessa a forma - superfícies suaves e redondas, que dão ênfase à sensualidade do meu trabalho'. Se Magritte afirmou que um cachimbo não era um cachimbo, Botero diz que o seu gato é apenas um gato.    
Com mais de 3000 pinturas e de 200 esculturas, difícil é escolher uma pequena mostra do prolífico Fernando Botero. A minha escolha é...

Ecce Homo. 1967
 El Capitán/The Captain. 1969
 Retrato Oficial de la Junta Militar/Official Portrait of the Military Junta. 1971

Delphine. 1972

 Los Amantes/The Lovers. 1973

Woman stapling her bra.1976
Gato en el Tejado/Cat on a Roof. 1978

El Ladrón/The Thief. 1980

Guitarra y Silla/Guitar and Chair. 1983

The Matador. 1985

Caballo del Picador/Horse. 1986

Picador. 1986

La Cornada. 1988

 Pareja Bailando/Dancers. 1987 

 El Baño/The Bath. 1989 

Visita de Luis XVI e Maria Antonieta a Medellin/
Louis XVI and Marie Antoinette on a visit to Medellin. 1990

Bananas Bananos/Still Life with bananas. 1990

Caballo del Picador/Horse. 1992

La Loca. 1996

Pera/Pear. 1997

Rapto de Europa/Kidnapping of Europe. 1995

Rapto de Europa/Kidnapping of Europe. 1998

Hombre en Caballo/Man on Horse. 1998

Caballo/Horse. 1998

La muerte de Pablo escobar/Death of Pablo Escobar. 1999

Perro/Dog. 2002 (pastel)

El Seminario/The Seminary. 2004

Abu Ghraib 52. 2005

Via Crucis: la pasión de Cristo (Judas Kiss). 2010-11

Via Crucis... (The Disrobing of Christ). 2010-11

Via Crucis... (The Path of Lamentation). 2010-11
Via Crucis... 2010-11


Leda e o Cisne. Praça do Comércio 1998 

Male Torso (1992). Colecção Berardo, Sintra

Caballo (1992). Aeroporto El Prat, Barcelona

Gato. Barcelona

Mano. Madrid

Pareja Bailando

Rapto de Europa. Medellin


Mais em
http://www.snpcultura.org/paixao_Cristo_segundo_botero.html
http://www.wikipaintings.org/en/fernando-botero
http://www.googleartproject.com/collection/museo-botero-bogota/

BOTERO E AS VERSÕES XXL

Ao longo dos anos, Fernando Botero foi reinventando quadros conhecidos de pintores famosos, uma espécie de elogio. Mas, mais que a sua vénia, Botero criou estas 'paráfrases' pictóricas para mostrar que o aspecto mais importante duma pintura não é o tema, mas o estilo.
 
Papa Leão X (segundo Raphael). 1964
 
Papa Leão X (com cardeais Giulio de Medici e Luigi de Rossi)
Raphael 1518-19. Galerias Uffizi, Florença


Rubens e esposa. 1965

Auto-retrato com a mulher Isabella
Peter-Paul Rubens 1609. Colecção particular


Girassóis. 1967

Girassóis
Vincent Van Gogh 1888. National Gallery, Londres


Alof de Vignancourt (segundo Caravaggio). 1974
 
Alof de Vignancourt e pagem
Caravaggio 1608. Louvre
 

O Casamento de Arnolfini (segundo Van Eyck). 1978
 
Giovanni Arnolfini e sua mulher
Jan van Eyck 1434. National Gallery, Londres
 

Monalisa (segundo Leonardo). 1978

Gioconda
Leonardo da Vinci 1503-6. Louvre


A Infanta (segundo Velazquez). 1988

Infanta Margarida da Áustria
Velasquez 1659-60. Prado


segundo Velasquez. 2005
 
Infanta Margarida
Velasquez 1659
 
 

As meninas (detalhe, infanta Margarida)
Velazquez 1656-57. Prado
 

Federico da Montefeltro (segundo Piero della Francesca). 1998

Battista Sforza (segundo Piero della Francesca). 1998
 
Duques de Urbino
Piero della Francesca 1465-72. Galerias Ufizzi gallery, Florença
 
 
Mademoiselle Rivière (segundo Ingres). 2001

Mademoiselle Caroline Rivière
Dominique Ingres 1806. Louvre