segunda-feira, 21 de março de 2011

LIÇÃO Nº 4: COMO SE FAZ UM PARTIDO


Mário Soares convidou aqueles que chamava de "meus amigos do grupo dos nove" para negociarem o nome do candidato presidencial a apresentar pelo Conselho da Revolução. O método sugerido foi aceite: Soares entregava-lhes uma lista de 4 propostas e os militares escolhiam uma - Costa Brás, Firmino Miguel, Pires Veloso ou Ramalho Eanes.
Pouco depois, nove homens juntaram-se para tomar a decisão final. Um deles, Pires Veloso, depois de ouvir que o motivo do encontro daquele grupo restrito era escolher o candidato que inevitavelmente vencaria as eleições presidenciais, perguntara, de forma retórica, "Que democracia é esta?". Eanes teve sete votos e Costa Brás teve 2, de Vasco Lourenço e de Eanes. Estava assim decidido quem seria o 1º presidente da república eleito na nova democracia. As eleições contariam pouco, uma vez que os principais partidos reconheciam que teriam de apoiar a escolha do Conselho da Revolução. Aliás, do Conselho de Revolução, não: os representantes da Força aérea e da Marinha não tinham sido convidados. Nem se deram ao trabalho de arranjar um papel, uma caneta e uma urna - a votação foi feita de braço no ar.

Rui Vilar cruzou-se na rua com Marcelo Rebelo de Sousa e confidenciou-lhe "Olhe que o PS vai apoiar o Eanes amanhã ou depois. Foi a escolha dos militares..." Marcelo avisou rapidamente Sá Carneiro, que informou os dirigentes do PSD e propôs-lhes uma jogada de antecipação. Mesmo não sentindo especial simpatia por Eanes, mais tarde ou mais cedo o partido teria que o apoiar. Portanto, era melhor fazê-lo imediatamente, nesse minuto - e, assim, ser o primeiro a aparecer à frente do vencedor. Ainda de madrugada Sá Carneiro enviou um comunicado à ANOP, que o colocou em todas as redacções do país.
O líder do PS ficou furioso. E Ramalho Eanes também. Temendo uma conspiração, Soares perguntou-lhe directamente se tinha falado com Sá Carneiro. Ele disse que não: o seu "compromisso" era com o grupo dos nove e com os socialistas. Mais: prometeu logo que, caso fosse eleito, o convidaria para primeiro-ministro.
O que cumpriu, nomeando um governo minoritário só com os socialistas.
adaptado de Miguel Pinheiro, Sá Carneiro, pp. 469-473
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