segunda-feira, 30 de agosto de 2010

3. VAI FAZER 100 ANOS



1910 foi agitado e com intentonas abortadas. A 14 de Junho é fundada a Comissão da Resistência. A 29 de Setembro junta-se o pessoal: a maçonaria, a carbonária (uma organização secreta para-maçónica), a loja Acácia e o Directório do PRP. Machado Santos fazia uma dobradinha, era o chefe máximo da carbonária.
Um dos presentes contou que, no final, todos se voltaram para o Cândido dos Reis (também conhecido como irmão Pêro de Alenquer), perguntando-lhe se seria o momento para tentarem a vitória, tendo o almirante respondido: "É o momento! A monarquia achincalha-nos e nós temos que nos decidir. Não posso garantir a vitória, mas afianço-lhes que a Revolução, vencedora ou vencida, não será uma vergonha.”
Senha da revolução, escolhida por Cândido dos Reis, foi “mandou-me chamar? – passe, cidadão”.

A revolução republicana começou na noite de 3 de Outubro, a arrancou mal. A maioria dos carbonários não apareceu, a tropa sublevada não passou de 400 soldados. Foram tomados 2 dos 10 regimentos de Lisboa, o quartel da marinha em Alcântara e dois cruzadores; insucesso na tomada do paço e do quartel do carmo (mais uma vez, o Carmo)da guarda municipal. A coisa ‘tava preta e o líder da insurreição, Cândido dos Reis, suicidou-se na madrugada de 4 de Outubro, depois de passar pelos Banhos de S. Paulo (aliás, a outra cara da conspiração, o médico Miguel Bombarda, foi assassinado na véspera, por um doente mental).
Os revolucionários acamparam na rotunda. De manhã, face aos boatos sobre o acantonamento das forças monárquicas no Rossio e que a Guarda Municipal se preparava para carregar, o comandante Sá Cardoso reuniu os oficiais e expôs a situação. Resultado, muitos militares despiram a farda, vestiram roupa à paisana e esfumaram-se. Um não o fez, Machado dos Santos, ficou a comandar 9 sargentos, 200 militares, uns cadetes, alguns civis, a maioria desarmada, e um só membro do Directório republicano, Malva do Vale.
Mas a tropa monárquica e o governo não confiavam um no outro e ninguém veio para defender a monarquia – um ministro deposto desabafou a Raul Brandão que “se os da Rotunda se sentam em cadeiras e esperam 3 dias, ao fim de 23 dias a República estava proclamada”.
O ajuntamento da rotunda cresceu, às 11 os 2 cruzadores bombardearam o palácio das necessidades – D. Manuel escondeu-se na tapada do palácio, no atelier onde D. Carlos “pintava e recebia visitas patuscas”, antes de se escapulir para Mafra, mandando chamar a Rainha-mãe Amélia e Rainha-Avó Maria Pia.
Entretanto, o comandante da Escola naval recusa a ordem real de torpedear os barcos revoltosos, e a rotunda resiste ao ataque das forças reais lideradas por Paiva Couceiro. Os ventos mudam e, pelas 20 horas, a rotunda enche de povo, voltando alguns dos que haviam despido as fardas: 500 militares e 1000 civis, grosso modo.
A noite traz fogo cruzado de artilharia e a tomada do D. Carlos. Comandantes de tropas reais afirmam que não abrirão fogo sobre os marinheiros que desembarquem no Terreiro do Paço. O Directório do Partido Republicano acompanha os acontecimentos toda a noite de 4 para 5 de Outubro, primeiros nos Banhos de S. Paulo (ficaram literalmente nas termas…) e depois no Hotel Europa, por cima dos Grandes Armazéns do Chiado.
Na manhã de 5 de Outubro, debandaram os militares da situação e os ministros, o rei apanhou o barco na Ericeira. Por volta das 8 da manhã, um diplomata alemão conseguiu que as forças monárquicas suspendessem o fogo durante uma hora, para eventuais alemães abandonaram a cidade. Quando tentou, sob escolta monárquica (que, mal chegou ao cimo da Avenida da Liberdade, foi obrigada a mudar de lado), dirigir-se à rotunda para tentar o mesmo com os republicanos, dá-se um equívoco: a bandeira branca que levavam foi interpretada como rendição, o povo inundou o rossio e fez a festa com a tropa, desfazendo as formações militares. O encontro entre Machado Santos e o general Gorjão já não foi sobre um armistício, mas sobre a proclamação da República e a rendição monárquica.
Às 11 horas, José Relvas (acompanhado por Eusébio Leão e Inocêncio Camacho), proclama a República na varanda dos Paços do Concelho: “Unidos todos numa mesma aspiração ideal, o Povo, o Exército e a Armada acabou de, em Portugal, proclamar a República”. O Edital da proclamação da república, assinado por Teófilo Braga, dizia "O Governo Provisório da República Portuguesa saúda as forças de terra e mar, que com o povo instituiu a Republica para felicidade da Pátria. Confio no patriotismo de todos. E porque a Republica para todos é feita, espero que os oficiais do Exército e da armada que não tomaram parte no movimento se apresentem no Quartel-general, a garantir por sua honra a mais absoluta lealdade ao novo regime."
Saíram então “debaixo das pedras” muitos carbonários prontos para defender a república, pousaram para as fotografias e extravasaram alguma violência, tendo sido mortos 2 frades. De resto, a revolução teve 5 feridos à bomba e uma baixa civil. Raul Brandão relatou a revolução no seu diário: “o meu bairro tranquilo: um vizinho sacha as couves com indiferença. (…) Os estragos são insignificantes (…) Só isto!?”
E, adivinhem, nas semanas seguintes multiplicaram-se os republicanos “de sempre”. Adesivagem foi o termo criado. É singular a explicação dum militante brigantino, em 1912, “a massa da população não é republicana, como não e monárquica. É o que quiser o Sr. Fulano e o Sr. Sicrano. E este Fulano e este Sicrano, por sua vez, serão o que for necessário às suas conveniências ou ligações pessoais”.

Obituário: Machado Santos, dos primeiros a desencantar-se com o rumo da República (ao ponto de participar num golpe por ano, entre 13 e 17), e Carlos da Maia (e o líder do governo, diga-se) foram mortos na chamada noite sangrenta de 19/10/1921, onde uma camioneta “fantasma” correu Lisboa a recolher vítimas. Tempos muito estáveis.

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