segunda-feira, 24 de novembro de 2014

PEOPLE V. SÓCRATES



Ninguém ficou indiferente à detenção de Sócrates: metade dos portugueses, que não vai à bola com o mestre em filosofia, achou laracha (incluindo Cavaco, para quem, melhor, só jaquinzinhos fritos); 1/3 ficou perplexo com a abordagem ao suspeito e o respectivo aparato mediático; 1/10 discutiu as implicações políticas, que serão usufruto do argumentário anti-sistema (‘estamos entregues aos bichos, isto só lá vai com uma limpeza geral') e prejudicam um PS alheio à marotice (como defender o legado do seu último governo, sem falar de Sócrates, tão inominável como Voldemort?); 1/10 ficou furioso, os que consideram o caso mais um passo na campanha negra contra o ex-PM, a juntar às outras histórias mal contadas (Cova da Beira, Freeport, a desejada compra da TVI, o 'patrocínio' do apoiante Figo, a duplicação de declarações curriculares no parlamento, a turbo-licenciatura ao domingo,…).
Mesmo com o risco de beliscar a sua Auctoritas (por isso, nenhum árbitro discute as suas decisões), é imperioso que o Juiz do TIC explique aos 4 cidadãos detidos, e aos portugueses, porque é que foi necessário deter um ex-PM na manga de um avião (à chegada) e porque é que os manteve detidos 4 dias, sem comunicação de medidas de coação. Caso contrário, o processo usado pode ser visto como uma leviana prova de força, de quem julga ter o rei na barriga.
Os exageros (como a detenção em casa de Ricardo salgado, depois dele se ter oferecido para comparecer) só mancham o bom percurso dos últimos anos: se antes a Justiça tinha apenas a mostrar como prova de independência Vale e Azevedo, Cruz e uns presidentes da câmara nortenhos, agora já tem no curriculum as condenações de ex-governantes (Isaltino, Vara, Penedos, Maria de Lurdes Rodrigues) e as detenções dum ex-líder parlamentar (Duarte Lima), dos banqueiros do BPN, BPP e BES e, há dias, do director do SEF e do presidente o IRN. Uma verdadeira escalada.
 
Quanto ao resto, o caso People v. Sócrates (como diriam os americanos) é uma lose-lose situation: ou acaba tudo em águas de bacalhau, inconclusivo ou prescrito, e as dúvidas se eternizam; ou Sócrates não tem culpas no cartório e a humilhação não tem conserto (para o que concorre a divulgação mediática duma avalancha de ‘factos’ que podem não sê-lo); ou, na hipótese menos má para as instituições, prova-se que Sócrates se abotoou com 25 milhões de euros de forma ilícita, e entregámos o país, durante anos, a um irmão metralha.
Daniel Oliveira disse presumir a inocência de Sócrates, bem como a competência e boa-fé do juiz.
Formalmente, eu também. Mas só um deles tem razão, e que não tarde demasiado a saber-se qual.   

domingo, 23 de novembro de 2014

LEVANTADOS DO CHÃO

'A figura de Ti Maria do Rosário, dobrada e trêmula, torna-lhes mais penoso o trabalho. Cada um conhece nela o futuro que lhes baterá à porta um dia. O futuro atabafa-lhes o peito, mais do que o ar ardente que queima os pulmões.'
Alves Redol, Gaibéus
 
As imagens do economista e fotógrafo amador Aníbal Sequeira (Castelo Branco, 1937) não são do povo da lezíria do Tejo, retratam quase sempre as gentes da sua Beira Baixa, mas fazem lembrar os livros de Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes, sem a opressão laboral que inspirou os neorrealistas - uma labuta dolorosa, dia sim, dia sim, ano sim, ano sim, até ao ocaso da vida.
Parece que não, mas este país ainda existe, só que agora com telemóvel.
 

 

Apanha Fé

 

 
 
A Poeira do Caminho
 
Campesina


A Roda

O Elogio do Trabalho

 

Álea Luminosa

 

Cooperação

 

 

O Seu Pequeno Mundo

Desolação

Ponte do Pragal

Praia do Pisco

De Manhã à Beira-mar

Símbolo

Vida Gasta

Boina Preta

sábado, 22 de novembro de 2014

WILLY RONIS, O 3º MOSQUETEIRO

Numa das últimas entrevistas a Willy Ronis (1910-1999), chamaram-lhe o 3º mosqueteiro de Doisneau e Boubat. O fotógrafo parisiense, filho dum ucraniano e duma lituana fugidos aos progroms, debutou na revista comunista Regards, entrou na agência Rapho (onde estavam Doisneau e Brassaï)  e foi o 1º francês a trabalhar para a Life. À sua colaboração na revista de moda Vogue, nas antípodas das suas fotorreportagens de greves e ocupações, chamou divertida.
Captando o quotidiano e o 'instante', que disse ser quase demasiado bom para ser verdade, Ronis registou com certa candura a joie de vivre das pessoas simples, apesar das dificuldades da vida (à composição pictórica das suas imagens não será estranha a sua formação musical) - alguém escreveu que ele não se ofenderia se lhe chamassem o imperador do banal, outro alguém lhe chamou o mais poético fotógrafo das classes baixas do século XX.
Quase toda a sua obra (mais de 90.000 fotografias, nas suas contas) tem como cenário Paris e a provença, e como actores o filho Vincente e a mulher Marie-Anne, protagonista de 2 das imagens mais conhecidas, o 'nú provençal' e, já doente com alzheimer, num parque em ocaso.
Descobri o seu nome no Fotografia Total de hoje, dedicado aos direitos de autor dos fotógrafos e dos fotografados. Curiosamente, uma das suas imagens icónicas tem a ver com isso: Ronis procurava uma maneira original para fotografar o pão parisiense, e engraçou com um miúdo que achara na fila duma padaria - pediu licença à avó da criança, para retratá-lo a correr com a baguete de baixo do braço, à saída da loja. Se é isso que quer, porque não?, foi a resposta. A foto custou 3 corridas ao rapaz, uma encenação inabitual na obra do 'poeta do quotidiano', como o alcunharam uns amigos. 
  
 
 
1938. Grève chez Citröen

1945. Les retours des prisonniers

1945. Vincent écrit son nom

1948. Dessous de l'Opera
 
1948. Mannequins

1949. Le Nu provençal, Gordes
(sa femme Marie-Anne Ansiaux)
1949. Vincent aéromodéliste, Gordes



1951. Autoportrait

1951. Béguinage de Bruges, Belgique

1952. Lens, Pas-De-Calais

1952. Le petit parisien, Paris

1952. Place de la Concorde, Paris

1952. Marie Anne et Vincent dans la niege

1954. Lorraine en hiver

1954. BrassaiÌ à jouer pinball

1954. Les chats, Paris

1954. Les chats, Paris

1955. Café française à Soho, Londres

1957. Les Amoureaux de la Colonne Bastille

1963 ca. Les adieux du permissionaire

1967. Zoo de Berlin Est

1970. Lu Nu au Polo Raye

1979. RER Châtelet-les-Halles
 
1988. La veille dame dans un parc
(sa femme Maria-Anne, avec Alzheimer)


sugestões, http://www.theguardian.com/artanddesign/2009/sep/16/willy-ronis-obituary
              http://www.theasc.com/blog/2010/08/23/willy-ronis-%E2%80%9Cemperor-of-the-banal%E2%80%9D/

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

GIUSEPPE ARCIMBOLDO, O HORTELÃO

Que saiba, Dez Mil Guitarras é o segundo romance histórico da francesa Catherine Clément que usa Portugal como um dos cenários - e não chega aos calcanhares do primeiro, A Senhora, que relata as aventuras da judia Gracia Nasi (uma ironia homófona), que salva, usando a sua fortuna, centenas de marranos e fá-los chegar à Palestina.
Bem, Dez Mil Guitarras segue a peregrinação dum rinoceronte (e, quando morto, do seu esqueleto pensante) oferecido a D. Sebastião, pelas cortes do Desejado, de Filipe II de Espanha, de Rodolfo II de Habsburgo e de Cristina da Suécia. É na corte do imperador do sacro-império romano que aparece o pintor Giuseppe Arcimboldo, compondo um quadro do excêntrico Habsburgo como o deus romano Vertumnus - e só um monarca excêntrico podia acolher um artista tão avançado para a época, uma espécie de tetravô do surrealismo, e aceitar ver-se retratado como... uma fruteira.
E Rodolfo não foi ao engano, o pintor já 'servira' nas cortes do seu pai e do seu avô, o imperador já conhecia a fixação de Arcimboldo pelos motivos naturalistas, numa aceção literal da palavra.
 
Rodolfo II de Habsburgo, Vertumnus (1590-91), Skoklosters Slott, Bålsta, Sweden

 SÉRIE ESTAÇÕES, FEITA PARA MAXIMILIANO II
Winter (1573), Louvre
Spring (1573), Louvre
 
Summer (1572), Kunsthistorisches Museum, Viena
Autumn (1573), Louvre
 EVA E ADÃO (par)
Eve and the apple (1578), private collection, Switzerland

Adam (1578), private collection, Switzerland
 
Flora (1588), private collection, Paris
 
The Jurist (1566), Nationalmuseum, Sweden


The Waiter (1574), private collection

The Librarian (1566), Skokloster Castle, Sweden
 
Earth (1566), private collection; Austria

Trojan Horse, ind.


Self-portrait, National Gallery, Prague