domingo, 27 de julho de 2014

O REI VERDE

Há uns meses, fui praticamente intimado a ler O Rei Verde por uma amiga, que diz ser um dos livros da sua vida (comprou outro, depois do 1º, que emprestou, ter-se perdido).
O livro do escritor francês Paul-Loup Sulitzer, de 1984, é tão improvável como o seu curriculum: dedicado à alta finança, Sulitzer já era milionário aos 17 anos, com negócios nem sempre limpos - como o escândalo Angolagate.
De que fala o livro, que o autor diz ter 80% de verdade? De Reb Michael Klimrod, um rapaz judeu, sobrevivente dum campo de concentração, que chega a NY em 1950, sem um tostão; ao fim de 6 dias, funda uma companhia de distribuição de jornais, em 6 meses tinha 58 empresas (pedia dinheiro emprestado dando como garantia os bens que ia adquirir, i.e., que ainda não tinha), e em 10 anos era o homem mais rico do mundo, tendo participações em quase tudo o que mexia. Usando testas-de-ferro, quase ninguém sabia que ele existia.
Um Rei verde, um empório gigante com pés de barro, uma teia opaca de empresas em cascata, empréstimos com garantias inexistentes, ambição e poder. Porque diabo é que me lembrei do livro agora?

quarta-feira, 23 de julho de 2014

COME E CALA



...ou um dia negro, uma diplomacia cinzenta, uma via verde e dinheiro branqueado.

 
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, uma espécie de soba moderno considerado por alguns pior ditador que Robert Mugabe (bom exemplo, o ‘dono’ do Zimbabué foi suspenso da Commonwealth em 2002 e resolveu sair no ano seguinte), depôs o tio genocida em 1979, condenou-o há morte e prometeu acabar com anteriores práticas repressivas.
O 8º governante mais rico do mundo manda na Guiné Equatorial (GE) há 35 anos, com uma mão de ferro (é acusado de mortes ilegais por parte das forças de segurança, sequestros sancionados pelo Governo, tortura sistemática de presos, detenções arbitrárias e impunidade), mas muito ágil – em 2003, para evitar a corrupção por funcionários públicos, tomou conta do erário e ‘guardou’ meio bilião de dólares em contas suas e da família.
A propósito, são ministros o irmão e um filho de Obiang, e o vice-presidente da GE é o seu primogénito, que acumula com embaixador na UNESCO, um estatuto afortunado – a imunidade impede a sua detenção em França e nos EUA, por suspeitas de desvio de fundos e branqueamento de capitais. Pode assim passear pelas mansões ultraluxuosas espalhadas pelo mundo – os seus haveres incluem uma casa de 6 andares na Avenue Foch, outra em S. Petersburgo (com 2 Bugatti) e outra ainda em Malibu (com 1400 m2  e 36 carros, incluindo 7 Ferrari, 5 Bentley, 4 Rolls Royce e 2 Maybach) e a luva de diamantes de Michael Jackson.
80% dos 800.000 guineenses estão no limiar da pobreza, com um rendimento médio diário de 1 dólar. Mas a GE, graças ao caldeirão de petróleo onde assenta, tem uma riqueza per capita igual à do Reino Unido.
Dito isto, hoje é um dia glorioso para a diplomacia internacional, a Guiné Equatorial tornou-se membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. As questões são muitas.

Foi à primeira? Não. Portugal torceu diplomaticamente o nariz à entrada da GE para membro da CPLP, em 2010 e 2012, porque o país não fala português e tem uma visão peculiar sobre democracia e direitos humanos. À terceira foi de vez, porque, explicou ontem Passos Coelho, ‘Seria, penso eu, muito negativo que Portugal permanecesse de forma resiliente opondo-se a esse alargamento. Creio que isso conduziria Portugal a um isolamento no seio da Comunidade de Língua Portuguesa que não é aquilo que Portugal deseja com certeza (…) Uma vez que foram avaliadas, as instituições e os estados não podem ter duas palavras, não podem estabelecer um conjunto de condições um dia e depois passado um ano ou dois virem a definir outras condições.’ Trocado por miúdos, não valia a pena fazer finca-pé, e a GE até fez progressos no que estava comprometida.
Fez mesmo? Obiang não proibiu a pena de morte, apenas decretou uma moratória, e declarou em 2011 o português a 3ª língua oficial (a seguir ao espanhol - a GE foi a única colónia africana de Espanha, cedida por nós em 1778 - e ao francês, que também não é falado), num país onde essa língua é, e continuará a ser, falada apenas pelos 500 portugueses que lá vivem - aliás, o anúncio da entrada na CPLP, no site oficial da GE, é feito em inglês, francês e espanhol, o que é simplesmente 'cuspir no prato'. Quanto à democracia, os partidos são legais no país, mas as eleições são consideradas fraudulentas pelos observadores internacionais e só 1 dos 100 deputados não é do partido de Obiang, que tem repetido os mandatos de presidente (o último iniciado em 2009) sempre com votações superiores a 97%  - em 2002, teve mesmo 103% num círculo eleitoral.

Quem mais intercedeu pela entrada da GE? Os 2 países que mandam efectivamente na CPLP, Brasil e Angola. Curiosamente, as assinaturas dos seus chefes de Estado são as únicas a faltar, JES e Dilma não apareceram em Timor  - curiosamente, O caso em que Portugal batalhou contra a realpolitik -, apesar da data ter sido adiada por causa da Presidenta (menos entusiasta que Lula no ingresso da GE). 

Qual o interesse de aceitar um Estado-pária? Para o próprio, respeitabilidade, e países-irmãos onde ‘caiar’ o capital acumulado; para os outros membros, a GE tem muito dinheiro para pagar a jóia de entrada (ex., 100M€ no BANIF) e ter garrafa no clube, e negócios para oferecer – com cautela e caldos de galinha (um empresário italiano fez uma sociedade com os Obiang e foi preso e torturado depois de reclamar que o dinheiro desaparecera).
Há outro argumento mais altruísta, Cavaco Silva afirmou que o acolhimento da GE 'é a melhor forma de contribuir para a melhoria do respeito pelos direitos humanos naquele país e para a constituição de instituições verdadeiramente democráticas', salientando com o exemplo da Coreia do Norte, que 'o isolacionismo nunca conduziu à democracia e ao respeito pelos direitos humanos'. E o colaboracionismo?, perguntarão os cépticos.

A CPLP tem algum interesse para quem não fala português? Foram admitidos hoje como observadores associados à Namíbia, Turquia, Geórgia e Japão, que se juntam ao Senegal e à Ilha Maurícia.
Os outros membros da CPLP são irrepreensíveis? A Guiné-Bissau é tida como um narco-Estado, onde os golpes de Estado se sucedem, e Angola tem um presidente eterno, cuja família e amigos acumulam a riqueza do país.
Portugal é exigente nas relações externas? Não, deu-se bem com Chavez e com Kadhafi, e é 'amigo' de Estados onde existe pena de morte, os EUA e China - com os padrões da europa, só a europa. E, como disse um ex-MNE, na política externa, os interesses estão acima da moral. 
Em jeito de conclusão destas P&R, poder-se-ia parafrasear Clinton, é a geoeconomia, estúpido.
 
p.s.: proposta peregrina, alguns membros querem uma espécie de espaço Schengen para as elites económicas da CPLP, uma espécie de via verde de capitais. Desta, Portugal pode escapar, alegando normas da UE

segunda-feira, 14 de julho de 2014

MONSERRATE, A 'CASINHA' DE VERANEIO

"Eis que em vários labirintos de montes e vales
surge o glorioso Eden de Sintra.
Ai de mim! Que pena ou que pincel
logrará jamais dizer a metade sequer
das belezas destas vistas (...)?"

Estas palavras, do poema Childe Harold’s Pilgrimage, pertencem a Lord Byron, para quem 'a vila de Cintra, na Estremadura, é talvez a mais bela do mundo'. Para a glorificação do burgo contribuiu a sua visita ao Palácio de Monserrate e do seu vasto (33 ha) jardim paisagístico.
O restauro dos jardins e da casa (ainda em obras) começaram em 2010, dando novo fulgor a uma quinta que, durante 500 anos, oscilou entre o brilho e o abandono.
 
1540 - construção da capela de N. Sra. Monserrate na colina do palácio, aí mandada levantar por frei Gaspar Preto, no regresso duma peregrinação ao eremitério beneditino de Monserrat, na Catalunha (supõe-se que havia no local uma pequena capela do tempo da reconquista); nesse século, a então quinta da Bela Vista torna-se propriedade do Hospital de Todos os Santos de Lisboa, desaparecido no terramoto de 1755
1601 - aforamento da propriedade à família Mello e Castro (que a compra em 1718), radicada em Goa
1755 - o terramoto torna inabitáveis as casas existentes na quinta  
1790 - com o objectivo* de "arrendar utilmente a mesma Quinta, mas também de promover a utilidade, conservação e aumento deste Prédio", Francisca de Mello e Castro arrenda a propriedade ao comerciante inglês Gerard de Visme, concessionário da importação de pau-brasil (cortesia do Marquês de Pombal), que ergue o 1º palácio neogótico sobre as ruínas da capela - esta foi reconstruída noutro local e depois propositadamente 'arruinada', ao estilo dos romantic gardens da Álbion
1793 - o milionário inglês William Beckford arrenda a quinta, melhora o palácio e inicia o jardim paisagístico (a sua 'estada' durou até 1799, interrompida entre 1795-98, quando sub-alugou a propriedade aos filhos do fidalgo José de Oliveira)
1856 - Sir Francis Cook, milionário têxtil inglês e 1º visconde de Monserrate, compra a propriedade para residência de veraneio, reconstrói o jardim romântico, com mais de 3000 espécies exóticas, e o palácio  (1856-58) bastante eclético, com laivos góticos, indianos e mouriscos
1946 - posta à venda 17 anos anos, a quinta é comprada pelo financeiro Saúl Sáragga, que tentou (sem sucesso) dividir a propriedade em lotes, mas vendeu em leilão todo o luxuoso recheio
1949 - a quinta é adquirida pelo Estado, juntamente com a tapada de Sintra
* o contrato omite a razão primeira, D.Francisca voltou de Goa e precisou custear a reconstrução do palácio familiar na capital, arrasado pelo terramoto 
 
Palácio de Monserrate
 
 

 

Fonte do Tritão e entrada/torre sul

 

Átrio central octogonal e fonte com mármore de Carrara
(arcos quebrados com bandeiras rendilhadas)
 
Átrio central
 
Cúpula do átrio central, em madeira e estuque
 
Galeria

Fonte do Tritão

 
Sala da música/torre norte. Cúpula em estuque com motivos florais dourados.
Friso com Musas e Graças
 

 
 
 

Árvore da borracha australiana, parede oeste da falsa ruína, criada por
Francis Cook a partir da capela erguida por Gerard de Visme, em
substituição da capela de N. Sra. Monserrate
(no nicho da Capela havia 1 de 3 sarcófagos etruscos adquiridos por Cook) 

Sala de refeições da família Cook (mais em http://amigosdemonserrate.com/gallery)

CANDIDA HÖFER - ESTÁ AÍ ALGUÉM?

Não, ninguém. A alemã Cândida Höfer (Colónia, 1944) fotografa espaços vazios de gente, mas de forma alguma nus ou enfadonhos. Nas suas imagens de grande formato  - captadas de um ângulo superior (como outro pupilo de Bernd Becher, Andreas Gursky), geralmente centradas e simétricas, sem manipulação digital (ao contrário de Gursky) e apenas com a iluminação existente, compensada com uma longa exposição - não vemos pessoas, mas elas estão lá, através das suas obras, sejam livros numa biblioteca, seja arte num museu, sejam pinturas celestiais nos tectos e paredes de palácios ou teatros.
A colecção fotográfica do BES (BESart) tem 4 fotos suas, Rijksmuseum Amsterdam II (2003), Palácio Nacional da Ajuda VIII, Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra III e Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra III (todas de 2006). O que nos falta mesmo é a sumptuosidade dos espaços públicos e privados que há por essa Europa fora. 

Archivo General de Indias, Sevilla IV (2010)

Biblioteca Geral da Univ. Coimbra III (2006)


Biblioteca Joanina, Coimbra

British Library, London

Biblioteca, Firenze (Itália)


Archivo di Stato, Napoli (2009)

Biblioteca, Trinity College, Dublin (Irlanda)

Biblioteca, Napoli (Itália)

Biblioteca, Detmold (Alemanha)


Anna Amalia Bibliothek, Weimar


Anna Amalia Bibliothek, Weimar

Rijkmuseum Library, Amsterdam


Biblioteca, Wien (Áustria)

Biblioteca, St. Gall (Suiça)

Biblioteca, Admont (Áustria)

Biblioteca, Wiblingen Abbey (Alemanha)


Biblioteca, Metten Abbey (Alemanha)
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Galleria Degli Antichi Sabbioneta I 2010 (180 x 220,7 cm)

Palazzo Ducale Mantova I 2011 (180 x 246)
 
Palazzo Ducale Mantova III 2011 (180 x 169)


Teatro Comunale di Carpi I 2011 (180 x 237 cm)

Teatro La Fenice di Venezia V 2011 (180 x 235)


Teatro Scientifico Bibiena Mantova I 2010 (180 x 226 cm)
Teatro Olimpico Vicenza II 2010 (180 x 235)



Teatro Olimpico Vicenza III 2010 (180 x 144)

http://artblart.com/2013/04/07/exhibition-candida-hofer-a-return-to-italy-at-ben-brown-fine-arts-london/
http://theredlist.com/wiki-2-16-860-897-1130-view-architecture-industrial-profile-hoefer-candida.html 
http://en.wikipedia.org/wiki/Candida_H%C3%B6fer

sexta-feira, 11 de julho de 2014

SÃO VICENTE DE FORA

No início havia uma pequena igreja dedicada a Maria e a S. Vicente, construída fora da muralha de Lisboa e mandada erguer em 1147 por Afonso Henriques, para cumprir um promessa aquando do cerco da cidade. A construção foi doada aos cónegos regrantes de Santo Agostinho, que ali se instalaram. Em 1173, passou a albergar as relíquias de S. Vicente, trazidas do Algarve* (consta que o mosteiro contava ainda com as relíquias de S. Tude, Santa Cristina e S. Facundo). Anos depois, em 1210, foi 'casa' dum frade agostinho especial, de nome Fernando, que ficou conhecido já como frade franciscano, Santo António.
Entre 1582 e 1629, mandavam os Filipes, foi construída nova igreja (sob a batuta dos arquitectos Juan de Herrera, o do Escorial, Felipe Terzi e o português Baltazar Álvares, o responsável pela fachada, mimetizada em igrejas construídas nas colónias do Brasil, África, Índia e Macau), mas o mosteiro que vemos hoje é uma obra maneirista encomendada em 1720, por João V.
O mosteiro, encerrado para restauro entre 2008 e 2011, é o panteão da dinastia de Bragança - só lá faltam Maria I (Basílica da Estrela) e Pedro IV (S. Paulo, Brasil) - desde 1885, por ordem de Fernando de Saxe-Coburgo, quando enviuvou de Maria II, e o panteão dos patriarcas.
Num sábado por mês, há concerto - toca o virtuoso (e o maior da capital) órgão barroco, reconstruído em 1765 e restaurado em 1994.
 
* Conta a lenda que corvos indicaram a Afonso Henriques onde estava enterrado o corpo do santo martirizado em Valência em 304 (o seu transporte para o reduto cristão das Astúrias, durante a ocupação muçulmana, fora interrompido a meio, sendo as relíquias escondidas) e 2 dos pássaros sobrevoaram a barca entre o cabo de Sagres até Lisboa - explicando assim a sua presença nas armas da capital. 
 
fachada de Baltazar Álvares, com imagens de S. Agostinho, S. Sebastião e S. Vicente
 
 
 
 
 
túmulo de João IV
 
panteão dos Braganças (junto à imagem, os túmulos de D. Carlos e do delfim Luís Filipe)

 

 

no corredor de acesso, os túmulos dos
duques de Terceira e de Saldanha
 
sacristia (tecto posterior ao terramoto de 1755)

órgão barroco original (a falta de uso e a falta de dinheiro para intervenções
durante o séc. XIX impediu que o órgão fosse alterado durante 250, ao sabor
dos novos gostos musicais, como sucedeu a muitos órgãos europeus) 
 
D. João V

 

 

 
 
os mártires de Marrocos