domingo, 22 de setembro de 2013

ISSO É MAQUIAVÉLICO

citações d' O Príncipe, de Nicolau Maquiavel 
Em 1513, aos 44 anos, Maquiavel achou ter acumulado conhecimento suficiente, pela 'longa experiência das coisas modernas e leitura constante das antigas (...) com muito trabalho e perigo', para ousar 'oferecê-lo' condensado ao jovem Lourenço de Médici II*, saber esse sobre como tomar e manter o poder.
O pequeno volume, que se lê numa penada, mostra acima de tudo pragmatismo (Maquiavel é um Kissinger da renascença), com uma realpolitik cimentada na virtú, um conceito que junta força de carácter, inteligência, coragem e capacidade de adaptação às circunstâncias - longe da benigna virtude, como a entendemos**.
Através do saber empírico, a partir de inúmeros exemplos pretéritos - porque a história se repete, e a iteração dos erros pode ser evitada -, Maquiavel sistematiza uma série de regras (máximas) a seguir pelo príncipe, umas que hoje parecem lana caprina, outras porventura contraditórias - afinal, deve dar-se primazia ao povo, ou aos poderosos? -, mas sempre cristalinas, como uma árvore de decisão.
Alguns trechos terão um contexto histórico, numa Itália retalhada em pequenos Estados em constantes pelejas pela sobrevivência ou expansão, mas outras 'lições' são intemporais.
Eis alguns exemplos:   

sobre as novas colónias
Aqueles que lesa [confiscando-lhes terras e casas], dispersos e empobrecidos, não logram incomodá-lo; quanto aos outros, ficam quietos e calados porque, por um lado, não foram lesados e, por outro, têm medo que lhes aconteça o mesmo que aconteceu aos espoliados, se a tal derem azo.

cortar o mal pela raiz
Prevendo à distância os males nascentes - dom só concedido aos judiciosos -, remedeiam-se depressa. Mas quando, por não terem sido previstos, crescem tanto que qualquer os vê, já não há remédio. Por isso os Romanos remediaram sempre os inconvenientes, pois previram-nos sempre, também. Nunca os deixaram alastrar para evitar uma guerra, porque sabiam que uma guerra não se pode evitar, mas sim, apenas, adiar, com vantagem para outrem.
  
sobre criar novas instituições
Aquele que as impõe tem como inimigos todos a quem a ordem antiga aproveitava e como tíbios defensores apenas os que poderão aproveitar da nova.

será?
A natureza dos homens é mutável.

ou ganância 
Os homens molestam os outros por medo ou por ódio.
é como tirar um penso
Pode chamar-se boa à crueldade (se é possível haver bem no mal) que se exerce somente uma vez, por necessidade de segurança, e depois se abandona e se converte o mais possível em benefício dos súbditos. A crueldade má é aquela que, embora ao princípio seja pequena, aumenta com o tempo, em vez de diminuir (...) ao apoderar-se de um país, o ocupante deve pensar em todas as crueldades que precisa de fazer e praticá-las imediatamente, de uma vez, para não ter de voltar a recorrer ao mesmo processo, e, não as renovando, tranquilizar os homens e conquistá-los pelos seus benefícios.
Convém fazer o mal todo de uma vez, para que, por ser suportado durante menos tempo, pareça menos amargo, e o bem pouco a pouco, para melhor saborear.
o povo é quem mais ordena?
Aliás, um príncipe com um povo hostil nunca pode sentir-se em segurança, pois o povo é muito numeroso, mas pode precaver-se dos grandes, que são poucos. (...) Acontece ainda que o príncipe é obrigado a viver sempre com o mesmo povo, mas pode passar bem sem os grandes, pode criá-los e destruí-los todos os dias, tirar-lhes e dar-lhes poder e autoridade quando lhe aprouver.
Quem chegar a príncipe com a ajuda do povo deve conservar sempre a sua amizade - o que será fácil, visto o povo só desejar que não o oprimam.
realpolitik
É tão grande a diferença entre a maneira como se vive e a maneira como se deveria viver, que quem trocar o que se faz pelo que se deveria fazer, aprende mais a perder-se do que a salvar-se, pois quem quer viver exclusivamente como homem de bem não pode evitar perder-se entre tantos outros que não são bons. Por isso,o príncipe que deseja manter a sua posição precisa, também, de aprender a não ser bom e a servir-se ou não dessa faculdade de acordo com a sua precisão.
o príncipe Rui Rio
Um príncipe prudente não se deve preocupar se lhe chamarem somítico, pois com o tempo será gradualmente considerado liberal, quando virem que graças à sua economia, os seus rendimentos lhe chegam, se pode defender de quem o atacar e empreender cometimentos sem sobrecarregar o povo. Assim usará de liberalidade para todos aqueles a quem não tira nada, e que são em número infinito, e de sovinice para com todos aqueles a quem nada dá, que são poucos.
tanto bom (?) exemplo...
Parece-me mais seguro ser temido do que amado, se sé se puder ser uma delas. (...) Os homens hesitam menos em prejudicar um homem que se torna amado do que outro que se torna temido, pois o amor mantém-se por um laço de obrigações que se quebra quando surge ocasião de melhor proveito. Mas o medo mantém-se por um temor do castigo que nunca nos abandona. 
Contudo, o príncipe deve fazer-se temer de tal modo que, se não conseguir a amizade, possa pelo menos fugir à inimizade. (...) Acima de tudo, convém que se abstenha de tocar nos bens doutrem, porque os homens esquecem mais depressa a morte do seu pai do que a perda do seu património.
(o príncipe deve ter o entendimento treinado para) não se afastar do bem, se puder, mas enveredar pelo mal, se for necessário.
como guardar-se de ser odiado e desprezado
Quando não se rouba aos homens nem os bens nem a honra, eles vivem contentes e só resta combater a ambição de uns quantos, a qual se pode dominar facilmente e de várias maneiras. (...) Um dos remédios mais certos contra as conjuras é não ser odiado nem desprezado pelos populares. (...) os príncipes sensatos dedicaram sempre todos os cuidados a não desesperar os grandes e a satisfazer e contentar o povo.
Os príncipes devem confiar a outros os papéis que concitam rancores e tomar para si os que atraem o reconhecimento. Repito, outra vez ainda, que o príncipe deve prestar atenção aos mais importantes, mas sem se fazer odiar pelo povo.
Sendo impossível aos príncipes não ser odiado por alguém, devem, primeiro, esforçar-se para não serem odiados por todos e, se não o conseguem, estudar todas as maneiras possíveis de evitar a inimizade da classe mais poderosa.
É, sem dúvida, quando saem vitoriosos dos seus empreendimentos e das contrariedades que lhes causam que os príncipes se tornam grandes. (...) Há, até, quem pense que um príncipe sensato deve, sempre que tenha oportunidade, alimentar subtilmente algumas inimizades, a fim de que, vencendo-as, faça jus a maiores louvores.
A maior cidadela possível é não seres odiado pelo povo.
a sorte protege os audazes
É melhor ser ousado do que prudente, pois a fortuna é mulher e, para a conservar submissa, é necessário bater-lhe e contrariá-la.

o voluntarista Maquiavel acha que é sempre mais proveitoso tomar partido em guerras alheias, que manter-se neutro, e que adiar uma guerra dá vantagem ao adversário, o que nem sempre foi o caso (depende do resultado, ficar-se conhecido como audaz ou como imprudente) - podia perceber de política, mas quanto a estratégia militar, podia aprender com o mais paciente Sun Tsu.

* curiosamente, Maquiavel começou a trabalhar na chancelaria em 1498, durante o regime republicano, sendo demitido e preso em 1512, com o regresso dos Médici - a dedicatória a um deles, aquando da sua travessia no deserto, parece maquiavélica, perdão, interessada.
** ou, como afirmou Espinosa, O Príncipe é uma suprema ironia, e Maquiavel mais não fez que expor a perfídia dos governantes e preconizar, para bem do povo, uma governança assente em boas leis.

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