domingo, 18 de dezembro de 2011

A ÍNDIA É NOSSA


Corria o ano de 1662 da graça do Senhor, e demos de bandeja uma pérola do império, quando Catarina de Bragança, filha do Restaurador, se casou com Carlos II de Inglaterra: levou a geleia de laranja, o uso de talheres e do tabaco, institucionalizou o five o'clock tea, e entregou um dote de 2 milhões de cruzados, Tânger e Bombaim - a um marido promíscuo que a desprezava (teve pelo menos 14 filhos, nenhum com ela).
Vem isto a propósito de quê?

Faz hoje 50 anos que desapareceu o resto de Portugal na Índia, ao fim de 451 anos: então não se vê que as gentes de Goa, Damão e Diu (e dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, anexados em 1954), eram portugueses retintos, tão lusitanos como qualquer minhoto, e (os poucos que falavam português) apenas com um sotaque um pouco mais arrevesado que o açoriano?

Para Salazar, a defesa deste "torrão sagrado" soube a pouco: a pátria não se discute, terá dito quando Nehru propôs negociações em 1950. Para ele, como para Fidel, era pátria ou morte.
A 14 de Dezembro, 4 dias antes, através do rádio-telegrama 816/A, o ditador mandava: "É horrível pensar que isso pode significar o sacrifício total, mas recomendo e espero esse sacrifício como única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da nação (...) Não prevejo possibilidades de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos".

A peleja não durou os 8 dias esperados, apenas 36 horas (exactamente 26 horas, escreveu Nehru a Kennedy), houve mortos, sim (20, contra 21 indianos), mas muito mais prisioneiros: começa com uma 'escaramuça' e 2 mortos lusos na manhã de 17, a invasão começa à meia-noite de 18 e ao final da noite é içada a bandeira branca.
Óbvio, 3500 militares com armas obsoletas e sem aviões não podiam lutar contra 45000 homens da União Indiana vindos por terra, mar e ar - assim compreendeu o general Vassalo e Silva, 150º governador de Goa, e foi expulso das FA por assinar a rendição no dia 19.

1961 foi um annus horribilis, a somar o sequestro do paquete Sta. Maria por Henrique Galvão (Janeiro), o início da guerra em Angola (Fevereiro), a tentativa do golpe Botelho Moniz (Março), a condenação da política africana pela ONU (Abril), a tomada dum avião e lançamento de folhetos oposicionistas (Novembro), a fuga de comunistas de Caxias num carro de Salazar (Novembro) e o golpe de Beja (a 31 de Dezembro).

Mas desta vez, o presidente do Conselho optou pelo logro: no discurso lido na AN a 3 de Janeiro, fez de conta que a luta fora heróica e "levou vários dias" dada a "firme resistência que os portugueses devem ter oferecido", elogiou "todos quantos tiveram a honra de ser chamados a bater-se ou a morrer por Goa" e garantiu que "não houve rendição de forças".
Os jornais falam em mais de 1000 mortos e os militares, depois de libertados em Maio de 1962, aportaram em Lisboa, mas só foram autorizados a desembarcar de madrugada.

Mentira tamanha só existe em regimes totalitários e censórios. Alguém imagina, numa democracia como os states, um embuste tão grande, por exemplo inventando a existência de armas de destruição massiva para começar uma guerra? Nã.

p.s.: conhecida pelo menos desde 2000 a.c., por Goa passaram sumérios, fenícios, arianos, dravidianos, árabes e turcos. Os primeiros relatos portugueses elogiam as goesas (são jeitosas no vestir, as que dançam e volteiam o fazem com melhor maneira que todas as destas partes. (…) toda mulher de gentio queima-se por morte de seu marido. Entre si têm todos isto em apreço e os parentes dela ficam desonrados quando se não querem queimar e eles com admoestações as fazem queimar). Teve muitos nomes, como Gubio, Sindabur, Chandrapur, e agora é Pangim ou Panaji. O meu preferido é Gomantak , que significa terra semelhante ao paraíso, fértil e com águas boas. Pois parece.
 

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