terça-feira, 22 de novembro de 2011

AMIGOS DE CASA

 Alice B. Toklas e Gertrude Stein
Gertrude por Picasso
- Mas não se parece nada comigo, Pablo.
- Certamente vai parecer, Gertrude, certamente...

O último filme de Woody Allen, Meia-noite em Paris, tem um guião prosaico: e se alguém voltasse atrás no tempo, aos anos 20, e se cruzasse com tantos notáveis estacionados na cidade-luz?
Houve alguém que teve o luxo de conviver com muita dessa gente, e na própria casa - a escritora americana Gertrude Stein. Um dos seus livros, Autobiografia de Alice B. Toklas (nome da sua companheira), versa sobre o encontro parisiense entre artistas e escritores, vindos de muitas paragens - certamente a inspiração do cineasta.
Pelo nº 27 da Rue des Fleurus passaram pintores como Cézanne e Matisse, o surrealista Joan Miró, ou os cubistas Picasso, Georges Braque, André Derain e Juan Gris, e escritores como o vanguardista Guillaume Apollinaire, o pintor e poeta dadaísta Francis Picabia, o modernista Ezra Pound, Jean Cocteau, John dos Passos, Ernest Hemingway*, T. S. Eliot, Scott Fitzgerald e James Joyce.
A criadora duma poesia singular de difícil rotulagem (escrita automática, poesia em prosa, surrealista, gaguez mental, repetitiva, ilógica), quase um experimentalismo fonético - como em Rose is a rose is a rose is a rose -, era também coleccionadora de arte, como os seus irmãos Leo, que vivia consigo, e Michael, que vivia com a mulher Sarah na Rua Madame: juntos detinham a maior colecção privada de arte moderna jamais reunida, quando o modernismo ainda não era bem cotado - com quadros de Gauguin, Toulouse-Lautrec e de amigos de casa, como Picasso (Gertrude comprou cerca de 180 quadros seus), Matisse (Michael arrematou cerca de 200 obras), Cézanne e Juan Gris.
A colecção foi sendo vendida entre 1920 e 1950, quando o preço das obras explodiu, mas 350 delas foram literalmente desencantadas e podem ser vistas no Grand Palais, em Paris, até meados de Janeiro, na exposição "Matisse, Cézanne, Picasso: l’aventure des Stein”.

* Hemingway usou como epígrafe para o seu livro Fiesta uma frase que ouvira a Gertrude, "vocês são uma geração perdida", crítica do hedonismo pós-guerra. O engraçado é que ela ouviu-a dizer ao chefe da oficina onde pusera a reparar o seu Ford T, chateado com os seus mecânicos.

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