terça-feira, 26 de julho de 2011

OS MEUS AVÓS SÃO MELHORES QUE OS TEUS


Os avós nunca partem, é o título dum texto (Tabu, 22.7.2011) a propósito do Dia dos Avós, 26 de Julho, também dia de Sant'Ana, a mãe de Maria.
Aí, Lídia Jorge conta que as lembranças da avó são "toques de amor que nós trazemos na mochila das reservas boas da nossa vida".
Assino por baixo.

Um casamento unia as famílias dos meus avós maternos, a assim se conheceram, na Arriaga. Namoraram em Alcântara, onde o meu avô se cruzava com uma Amália teenager a vender limões. Depois foram para África, onde ele foi Intendente, tipo responsável administrativo das terras.
Passávamos as férias grandes na casa deles em Lisboa, um andar antigo (numa das janelas, alguém riscou 1869) e gigantesco - a casa de baixo era uma pensão, dá para imaginar o tamanho -, com tectos altos de estuque e um sapateiro (o Sr. Francisco) no átrio do prédio. É impressionante a quantidade de bites que guardamos no arquivo morto, como a amnésica "peixa" do Nemo e o seu 'sidney, wallaby street', ainda sei a morada, rua vieira da silva, 119, 2º dto.
As viagens eram, claro, todos a dormir em cima uns dos outros, não havia cintos de segurança.
Não nos enchiam de prendas, eram poupados como todos nesse país a preto e branco: lembro bem a minha avó, ao regressar da rua, sentar-se à escrivaninha com a sua parker cinza a assentar os gastos todos numa agenda, parcela a parcela - herdei o móvel, a caneta e o hábito.
Lembro o fascínio das escadas rolantes do Grandella, o eléctrico 19 e os autocarros verdes de 2 andares, e recordo os mimos, as farpas do chão de soalho catadas nas mãos, os dentes arrancados a cordel, a permissão "de quando em vez" para ir buscar rebuçados à caixa verde (que, muitos anos depois, ainda conservava o cheiro) ou os Santo Onofre à mesa-de-cabeceira da bisavó, ou para comer colheradas de açucar amarelo do boião; relembro a lata de tostas e o chá de limão, a espera em frente ao grão da tv, pelo início da antena, os serões com a minha avó a fazer casacos de lã, numa cadeira de palhinha, as mini-formas de bolos para os lanches da bonecada, as rodelas de cenoura a boiar na sopa. Dias simples.
E quando vínhamos embora (ou quando eles abalavam no seu carocha), lá as 3 criancinhas choravam – como fazem os meus filhos agora, quando a avó e as tias vão embora…

Nunca os vi amuados um com o outro, a discutir ou levantar a voz, o que não sucede(u) nas gerações seguintes. Disseram um dia que não queriam ficar cá quando o outro partisse, e o grande arquitecto fez-lhes a vontade, sem pré-aviso: há 24 anos, tiveram um acidente de carro à entrada do Cartaxo (para onde se tinham mudado 1 mês antes, tinham ido mudar os BIs), ele morreu dois dias depois, pelas 6 da tarde, ela foi uma semana inteirinha depois dele, à mesma hora.
Claro que gostava que a história fosse diferente e eles tivessem cá ficado (muito) mais tempo.
Mas houve um prémio de consolação: aos 15 anos, as pessoas ainda não têm sombras, os nossos avós sabem tudo, são uns heróis sem calcanhares de Aquiles, com quem gostamos de passar o tempo, a ouvir estórias antigas, jogar krapô ou batalha naval, antes de passarmos a preferir estar com os amigos. Sem problemas, sem defeitos e fraquezas, sem as maleitas da velhice (essa kriptonite), sem precisarem eles de ajuda.
Assim, vejo-os como via aos 15 anos. Imaculados. Luminosos. Perfeitos.
Como nunca conheci outrém.

E agora, um brinde aos avós:
..

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