sábado, 23 de julho de 2011

OBRAS DE SANTA ENGRÁCIA





Em 1568, uma filha de D. Manuel,  a infanta D. Maria, devota de Santa Engrácia e possuindo uma relíquia dela (pois...), resolveu dedicar-lhe uma igreja fora das muralhas de Lisboa. A construção começou em 1570, mas a igreja era muita pequenina e, nos primeiros anos de 80, o invasor Filipe resolveu fazer uma coisa maiorzinha.
Em 1630, alguém roubou o sacrário da igreja-estaleiro. Nada como culpar um cristão-novo que viram por ali: Simão Solis recusou dar um álibi (estaria metido com uma monja dali perto), e foi queimado na fogueira, não sem antes praguejar "é tão certo eu estar inocente, como as obras desta igreja nunca acabarem". Foi quase.
Uma irmandade (a Confraria dos escravos do Santíssimo Sacramento, composta pelo rei e 100 nobres fidalgos, para expiar o pecado do roubo) resolveu andar com as obras para a frente, mas foi complicado: primeiro um raio deu cabo da capela-mor em 1681, voltando tudo ao início no ano seguinte, mas em maior, com o arquitecto João Antunes; depois foi João V que desviou as suas atenções para a construção do seu convento de Mafra; o Marquês de Pombal ainda mostrou interesse pela empreitada, nomeando responsável o seu irmão Paulo de Carvalho e Mendonça, mas depois da morte deste a coisa voltou a empatar.
No século XIX, surgiu a intenção de criar um panteão, para 'alojar' os heróis da Pátria. Almeida Garrett propôs os Jerónimos, mas a ideia não pegou. Com o advento da República, aí sim, decidiu-se finalmente: em 1916, a igreja de Santa Engrácia era o Panteão.
Foi feito um concurso para acabar a 'casa de todos os deuses', numa contenda entre quem queria acabar simplesmente a obra, pondo a cúpula que faltava (inspirada nos modelos francês e clássico), ou fazer um projecto mais elaborado. A falta de escudos resolveu a disputa: acabe-se o tecto.
Só havia um problema, a igreja estava ocupada... por uma fábrica de sapatos. E, no meio da guerra mundial, eram precisos sapatos para as tropas. Está bom de ver, a fábrica foi ficando.
Veio Salazar, e as obras foram-se fazendo devagarinho: o que interessava à propaganda eram os monumentos que galvanizassem a nação, associados ao nascimento de Portugal, à epopeia marítima e à restauração - essencialmente românicos e góticos, o período barroco não era prioridade.
Mas lá terminou: em 1966, temos cúpula. Nunca foi é igreja, a única missa lá celebrada durante 3 séculos foi a do 7º dia da morte de Salazar.

E lá estão os escritores Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro, Almeida Garrett e João de Deus, os presidentes Manuel da Arriaga, Teófilo Braga, Sidónio Pais e Óscar Carmona, o candidato Humberto Delgado... e a Amália.
Podíamos ter aprendido com os franceses: ao início, punham e tiravam os 'restos' de republicanos (como o jacobino Marat), conforme o lado que estava na mó-de-cima, até decidiram que ninguém podia ir para o panteão até 7 anos após a morte, para a poeira assentar e ver-se a frio se merecia a honra.

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