terça-feira, 4 de novembro de 2014

SE ME CALO, REBENTO

Les Chouchouteuses, Montreal
Noc, noc, noc.
- Bom dia Ti Joana.
- Bom dia vizinha, nem imagina a desgraça.
- Diga, diga.
- Então não é que o Zé Bolotas deu um tiro na cabeça...
- Quem, o da cooperativa?
- Esse mesmo. E deixa uma menina com 10 anos, coitadita.
- Olhe, que Deus o tenha. Espere um bocadinho, que tenho um tacho ao lume.
- Deixe 'tar, tenho pressa. Vemo-nos na missa.
- Até lá.
A velhota ajeitou o lenço preto - ia negra da cabeça aos pés, como um corvo - e seguiu junto à parede, para evitar a canícula. Pouco durou a caminhada, até à porta seguinte.
Noc, noc, noc.
- Olá comadre, tão cedo na rua?
- Não me diga nada, 'tou tão apoquentada.
- Então?
- Ainda não sabe do Zé Bolotas? Conto-lhe porque é praticamente da família...
 
De acordo com o Daily Mail (uma espécie de Correio da Manhã da velha Albion), um estudo da universidade holandesa de Groningen, publicado no 'Personality and Social Psichology Bulletin', concluiu que a coscuvilhice é uma coisa natural e que até promove a autoestima dos participantes, por comparação com a desgraça alheia. E, digo eu, confere uma importância momentânea (ou, pelo menos, atenção) a quem conta.
Tão natural ontem, como hoje. Mas, se ontem, era preciso calçar as socas e percorrer as soleiras das portas, para disseminar com recato e à vez as más-novas, ou fazê-lo por atacado no tanque comunitário ou na mercearia, hoje basta postar no facebook, essa arma de divulgação massiva*, que dá menos trabalho (tão simples quanto imponderado) e causa mais estardalhaço, ou não fosse o FB um gigantesco megafone... também audível pela menina do Zé Bolotas!
 
* O trocadilho é fraquito, mas a evolução do poder bélico até serve de analogia: se ontem lutava-se à espadeirada, um adversário de cada vez, com ousadia e afã, hoje usa-se um drone: o esforço é o de um clic no botão, atinge mais gente (incluindo baixas civis), à distância, não há remorsos, e nem é preciso tirar as pantufas.   

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