sexta-feira, 29 de agosto de 2014

SALAZAR, O GUARDADOR DE REBANHOS

A 19.3.1933, o povo referendou a nova constituição portuguesa. Com as suas especificidades: só votaram os 'chefes-de-família', as abstenções (487.364) contaram como votos a favor, entregar apenas o boletim com a pergunta 'aprova a constituição política da república portuguesa' valia como um sim (719.364 votos) e ser contra obrigava a escrever 'não' no papel (5.995).
Salazar admitira no ano anterior que “Embora o povo não esteja, na sua grande maioria, apto para votar em perfeita consciência o texto completo da Constituição, o seu voto tem um significado político que não é lícito desprezar: é um voto de confiança nos dirigentes.” 
Na véspera do plebiscito, o ditador proclamara "São escuros e temerosos os tempos que correm por todo o Universo. Por toda a parte terá de buscar-se a salvação na existência de Governos estáveis e fortes, que, livres do partidarismo e parlamentarismo desordenados, norteados pelas ideias superiores de justiça e de elevação patriótica, apoiados na consciência dos bons cidadãos e na disciplina e honra da força armada, exercem acção vigilante, vigorosa, profundamente reformadora (…) votai pelo futuro de Portugal”. Essa ameaça nós-ou-o-caos foi bem plasmada nos cartazes da campanha.
 
A Constituição de 1933 (rotulada no DN, 3 dias após o referendo, como “uma Constituição liberalíssima sob a égide da Santíssima Trindade”) mereceu o seguinte comentário de Fernando Pessoa:
“Mais valia publicar um decreto-lei que rezasse assim:
Artigo 1. António de Oliveira Salazar é Deus;
Artigo 2. Fica revogado tudo em contrário e nomeadamente a Bíblia. Ficava assim legalmente instituído o sistema que deveras nos governa, o autêntico Estado Novo - a Teocracia pessoal.”



quinta-feira, 28 de agosto de 2014

UMA JOÃO CATATAU DA AUTO-ESTIMA

Em 2006, quando chegou aos 50 anos, a escritora/colunista Regina Brett enumerou numa crónica as 45 lições que a vida lhe ensinara (entretanto, acrescentou mais 5).
Girl's talk! Um homem reduziria tudo a 4 lições: releva, faz-te à vida, agradece o que tens e carpe diem.
Repito aqui a lista 'ousa-ou-sê-prudente-conforme-a-situação' por 2 frases com laracha. Cá vai:
 
1. A vida não é justa, mas ainda assim é boa.
2. Quando estiveres na dúvida, dá apenas o próximo pequeno passo.
3. A vida é demasiado curta para perdermos tempo a odiar alguém.
4. Não te leves tão a sério. Ninguém mais leva.
5. Paga as tuas facturas do cartão de crédito todos os meses.
6. Tu não tens que ganhar todas as discussões. Concorda em discordar.
7. Chora com alguém. É mais curativo do que chorar sozinho.
8. Está tudo bem se ficares zangado com Deus. Ele aguenta.
9. Poupa para a reforma começando com o teu primeiro salário.
10. Quando se trata de chocolate, a resistência é em vão.
11. Sela a paz com o teu passado para que não estrague o presente.
12. Não faz mal deixares os teus filhos verem-te a chorar.
13. Não compares a tua vida com a dos outros. Tu não tens ideia como é a vida deles.
14. Se uma relação tem que ser um segredo, tu não deverias estar nela.
15. Tudo pode mudar num piscar de olhos. Mas não te preocupes; Deus nunca pisca os olhos.
16. A vida é demasiado curta para longas choradeiras. Ocupa-te a viver, ou ocupa-te a morrer.
17. Podes ultrapassar tudo, se te ocupares com o presente.
18. Um escritor escreve. Se quiseres ser escritor, escreve.
19. Nunca é tarde demais para ter uma infância feliz. Mas a segunda depende de ti e de mais ninguém. 
20. Quando se trata de ir atrás do que tu amas na vida, não aceites um não como resposta.
21. Acende as velas, põe lençóis bonitos, usa lingerie elegante. Não os guardes para uma ocasião especial. Hoje é especial.
22. Prepara-te bastante, depois deixa-te levar pela corrente.
23. Sê excêntrico agora, não esperes ficar velho para usar roxo.
24. O órgão sexual mais importante é o cérebro.
25. Ninguém é responsável pela tua felicidade além de ti.
26. Encara cada "chamado desastre" com estas palavras: Daqui a cinco anos, isto vai importar?
27. Escolhe sempre a vida.
28. Perdoa tudo a todos.
29. O que as outras pessoas pensam de ti não é da tua conta.
30. O tempo cura quase tudo. Dá tempo ao tempo.
31. Independentemente se a situação é boa ou má, irá mudar.
32. O teu trabalho não vai cuidar de ti quando adoeceres. Os teus amigos vão. Mantém o contacto.
33. Acredita em milagres.
34. Deus ama-te pelo que Deus é, não pelo que tu fizeste ou deixaste de fazer.
35. O que não te mata torna-te realmente mais forte.
36. Envelhecer é melhor do que a alternativa - morrer jovem.
37. Os teus filhos só têm uma infância. Torna-a memorável.
38. Lê os salmos. Eles abarcam todas as emoções humanas.
39. Sai à rua todos os dias. Milagres estão à espera em todos os lugares.
40. Se todos jogássemos os nossos problemas numa pilha e víssemos os dos outros, pegávamos os nossos de volta.
41. Não analises a tua vida. Aparece e faz o melhor dela agora.
42. Desfaz-te de tudo o que não é útil, bonito ou agradável.
43. Todo o que realmente importa no final é que tu amaste.
44. A inveja é uma perda de tempo. Tu já tens tudo o que precisas.
45. O melhor está para vir.
46. Não importa como te sintas, levanta-te, veste-te e aparece.
47. Respira fundo. Isso acalma a mente.
48. Se não perguntares, não recebes.
49. Produz.
50. A vida não vem embrulhada num laço, mas ainda assim é um presente.

domingo, 24 de agosto de 2014

PAGAS TU OU PAGO EU?


Abro o recibo de vencimento apenas para ver o que é depositado nesse mês - qual doente de Alzheimer, o funcionário público conhece sempre um salário novo. Mas no último Dia de São Receber, dei uma olhada aos descontos, 38,5% dum salário já em si opíparo: 24% para o IRS, 11% para a CGA e 3,5% para a ADSE.

Esta última parcela tem subido nos últimos tempos, alegadamente para que o sistema seja pago apenas pelos usufrutuários, mas agora as contribuições são maiores que os gastos, i.e., sobra dinheiro, que o governo promete não utilizar noutro lado*.
Claro está que não haverá uma gavetinha para esse dinheiro (prova 1, a CGA foi sangrada até ficar 'insustentável') e nada impede que o Estado, que fica com esse aforro a render, não lhe dê outro uso, na próxima aflição. Temos pois uma nova versão do 'pagamento por conta' - havia para as empresas, por conta de receitas futuras, passa a haver para os funcionários, por conta de despesas futuras.
Bem haja um governo reformista: o seguro de saúde era parcialmente pago pelo patrão, pagou a ser pago somente pelo trabalhador e agora passa a pagar mais que o custo do 'benefício'. 
 
Durante um almoço, um amigo que trabalha no sector privado apresentou uns argumentos válidos:
- Porque é que eu tenho que pagar a tua ADSE?
- Bem, nos últimos tempos já não pagavas, o problema é que a malta, que já pagava o 'seguro de saúde', agora paga mais que o seu usufruto.
- E parece que a ADSE não é obrigatória.
- Tiro no porta-aviões...
- Mais, se o teu patrão está falido, não pode pagar benefícios.
- Ahã, mas também não tem que comparticipar a construção duma empresa ou a compra dum tractor, dar perdões fiscais ou deduzir o carro da empresa. Já agora, és tu que pagas o teu seguro de saúde?
- Paga a minha empresa, antes era complemento, agora faz parte do salário.
- Como o meu fazia!
No final do repasto, viemos embora no seu Audi novo - o carro da empresa com uso 24/7, como dizem os americanos, trocado a cada 3 anos. Presumindo que parte do leasing seja dedutível no IRC, c'est-à-dire, o Estado contribui (não recebendo) e eu também paguei uma lasca do retrovisor.
E, pela mesma lógica, via deduções no IRS ou no IRC (considerando-o ou não rendimento do trabalho), eu também comparticipo no seguro de saúde do meu amigo, que deus lhe dê saúde. Mas eu não posso deduzir a ADSE, o meu próprio seguro de saúde, nos impostos...
 
* A 1ª versão do diploma foi vetado pelo PR, argumentando que “não parece adequado” que o aumento das contribuições "vise sobretudo consolidar as contas públicas": "Numa altura em que se exigem pesados sacrifícios aos trabalhadores do Estado e pensionistas, com reduções nos salários e nas pensões, tem de ser demonstrada a adequação estrita deste aumento ao objectivo de auto-sustentabilidade dos respectivos sistemas de saúde". Trocado por miúdos, esse aumento significava que o ADSE ficaria  a custar menos que as contribuições, com lucro do Estado.  
O Governo insistiu, com uma nuance, as receitas dos descontos estão afectas à actividade da ADSE: “A receita proveniente dos descontos referidos no número anterior é consignada ao pagamento dos benefícios concedidos pela ADSE aos seus beneficiários nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação”.

 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

ODE


             Para ser grande, sê inteiro: nada
             Teu exagera ou exclui.
             Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
             No mínimo que fazes.
             Assim em cada lago a lua toda
             Brilha, porque alta vive.


              Ricardo Reis, 14.02.1933

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

NIEPCEGRAFIA

No dia mundial da fotografia, nada melhor que repescar uma das primeiras selfies da história, da autoria de Robert Cornelius, no ano da graça de deus de 1839, um ano depois da apresentação do daguerreótipo por Louis Daguerre, uma espécie de versão 2.0 do invento do seu 'sócio' Nicéphore Niépce - este criara a 'heliografia' em 1793 (mas as imagens desapareciam depressa), fixara a luz solar num papel, em 1817, conseguira fixar imagens numa placa de estanho com betume da Judeia, em 1824 (depois da sua morte, em 1933, Daguerre trocou-a por uma placa de cobre com sais de prata), e tirara a primeira 'fotografia' do sótão da sua casa de campo em 1826-7, um borrão que nós agora experimentamos no instagram...
 
Robert Cornelius, 1939
 
Nicéphore Niépce, 1826-27
 
Boulevard du Temple, Louis Daguerre, 1937
(como o tempo de exposição foi superior a 10 minutos, o tráfego não
aparece, e 'ficou' apenas uma pessoa, quieta q.b., a engraxar os sapatos)
 
 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

JOÃO JOSÉ DE FREITAS


A frase que achei perfeita para ajaezar o título deste blogue - a rês pública (com acento circunflexo) - é de João José de Freitas.
Sabia que o advogado transmontano (Carrazeda de Ansiães 1873 - Entroncamento 1915) tinha sido um republicano dos 4 costados, participando na revolta portuense de 31 de Janeiro - sendo-lhe vedado por 2 vezes o acesso à docência pela sua posição política. Pelo seu soundbite, imaginava uma espécie de Catão, um estóico que norteava todas as suas acções pela moral e nobreza mais elevadas.
Resolvi saber um pouco mais sobre a personagem, e tive uma surpresa, o seu fim foi inflamado (como a sua vida), mas teve pouco de nobre.
Adepto da ditadura de Pimenta de Castro (apoiada pelo seu Partido Evolucionista e pela União Republicana, contra o Partido Democrata,  maioritário no parlamento), JJF ficou possesso com o resultado da revolta de 14.5.1915, que depôs o governo (levando, por arrasto, o presidente Arriaga), e mais ainda pela indigitação do novo chefe de governo, João Chagas, com quem estava desavindo, talvez desde que este demitira o seu irmão mais velho do cargo de governador civil de Bragança (curiosamente, ou não, JJF fora o antecessor do António Luís de Freitas).
Na madrugada de 17 de Maio, JJF entrou num comboio parado na Barquinha e descarregou 5 tiros em João Chagas (3 dos quais acertaram-lhe de raspão na cabeça, perdendo o olho direito). O então Senador foi dominado, alvejado com uma carabina por um GNR e demoradamente linchado pela multidão, com tiques de malvadez - consta que até lhe deram fel a beber.
Parece que a ética republicana era uma coisa talvez demasiado belicosa.