terça-feira, 3 de junho de 2014

Ó MÃE, O TÊCÊ NÃO ME DEIXA BRINCAR!

 
O tribunal constitucional chumbou a permanência dos cortes nos salários da FP, (mais uma vez) sem retroactividade, porque a dimensão e alargamento dos cortes a salários mais baixos ia para além do 'limite do sacrifício admissível', e a desigualdade entre sectores público e privado é legítima, mas 'não pode ser excessiva quanto à sua dimensão', tendo de 'obedecer a um equilíbrio que não pode ser ultrapassado'. Não foi uma surpresa, o governo (mais uma vez) atirou o barro à parede, sabendo que o TC aceitara a medida apenas durante o resgate, e com reservas.
A maralha da FP (cujo salário real, tirando 2009, encolheu todos os anos desde os idos de 2002, era ministra a vecchia signora) aplaude, os outros contribuintes apupam. É o dilema da 'austeridade sim, mas no meu quintal, não' (com direito ao acrónimo NIMBY em inglês): os primeiros dizem antes todos que só nós, os outros pensam antes eles que nós todos.
 
A réplica do governo assenta em 3 singelas ideias, o TC 1) vai obrigar a aumentar impostos, 2) impede a reforma do Estado e 3) faz regressar ao problema que levou ao resgate. Vamos por partes.
Primeiro, o TC não faz orçamentos, quem aumenta os impostos é o governo. A táctica de arranjar inimigos ou bodes expiatórios é tão velha como o Pinto da Costa, e o TC tem as costas largas - sendo certo que o tribunal foi, nestes tempos de cólera, arrastado para a arena política*, e sofre de alguma incontinência verbal nos seus acórdãos (não lhe compete sugerir caminhos, mas tão somente avaliar a conformidade das leis).
Quanto à reforma do Estado, 3 anos já davam para fazer mais que um ensaio a letra 26 e duplo espaço. Talvez coisas 'menores' como eliminar (mesmo) subsídios a quase todas as fundações, cortar as PPP na parte da rendibilidade, em vez dos custos de obras e manutenção, aplicar nitrato de prata na sangria financeira das transportadoras (começando pelas barbearias da CP, uma regalia para maquinistas de barba rija), agregar municípios como prometido ou decidir quais as funções que o Estado pode prescindir, eliminando-as - isso, em vez de fazer cortes transversais. And so on.
Finalmente, o problema do resgate: eu sou parte interessada, mas não me parece que os 225.897.000.000€ de dívida pública sejam responsabilidade dos funcionários públicos e dos seus bojudos salários. Eu cá juraria que é um crime de colarinho branco - de muitos colarinhos brancos (políticos e parentela, grandes advogados e grandes empresários, empreiteiros e sucateiros, blábláblá), durante 4 décadas.

* Não sendo recomendável uma judicialização da política (que parece para ficar), com o TC a limitar o leque de escolhas do governo, sobra a questão: o TC está a invadir abusivamente o espaço do legislador, ou, tratando-se de um Estado de direito democrático,  apenas a fazer o seu papel, assegurando o respeito por princípios fundamentais, de interpretação naturalmente controversa?

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