terça-feira, 22 de abril de 2014

O GRUMETE SALGUEIRO MAIA

A propósito dos 40 anos do 25 de Abril de 1974, num encontro no Posto de Comando da Pontinha, em Lisboa, onde foi instalado o controlo das operações do MFA, 2 dos quatro militares de Abril presentes manifestaram a sua discordância com a ideia de Manuel Alegre, de trasladar o corpo de Salgueiro Maia para o Panteão Nacional.
“O espetro político pegou no capitão Salgueiro Maia e transformou, 'santificou' o capitão Salgueiro Maia, que foi um tipo importantíssimo, que teve um papel que está descrito em todo o lado, mas passou para 2.º, 3.º, 10.º plano, esquecendo-os, Melo Antunes e Vítor Alves. Esses estão completamente afastados. O Salgueiro Maia concentra as atenções e o heroísmo. É um ícone. E agora querem pôr o ícone no Panteão”, declarou o major na reserva Sanches Osório. Para ele, a classe política elevou a símbolo da Revolução dos Cravos um executante, esquecendo os estrategas do plano, e, apesar de “imensa consideração pelo Salgueiro Maia”, que, afirmou, “não está em causa”, assim como não está a importância que o papel desempenhado pelo capitão teve para o sucesso da operação, Sanches Osório não deixou de fazer a comparação: “É a mesma coisa que dizer ao comandante de uma lancha: você fez um trabalho notável e nós agora vamos condecorar o grumete”.
“É antipático e impopular o que eu acabo de dizer, mas é o que eu sinto”, acrescentou.
O general Garcia dos Santos considerou a ideia da trasladação "um profundo disparate", afirmando que a transformação de Salgueiro Maia num ícone e o seu “endeusamento” como “figura máxima” da revolução explicam-se com o facto de ter morrido novo, ainda “em capitão”: “Está a ser levado a pontos que não justificam, porque há figuras que nunca mais foram chamadas a ocupar o lugar que, de facto, deviam ter em todo este processo”, citando também Melo Antunes e Vítor Alves.
 
O corpo de Salgueiro Maia deve estar onde está, em Castelo de Vide, por uma razão apenas, foi isso que ele quis expressamente*: caso tivesse voto na matéria, também lhe desagradaria a ideia de Alegre.
É verdade que a recusa de cargos (membro do Conselho da revolução, adido militar numa embaixada à escolha, governador civil de Santarém, membro da casa militar da PR) e uma morte precoce são românticas, e que houve protagonistas não menos importantes. Não sei se, nesta espécie de campeonato, Salgueiro Maia tem primazia face aos 'estrategas', mas sei que foi Salgueiro (com 29 anos), e não outros, que se expôs aos canhões da fragata colocada no Tejo (capitaneada pelo pai de Louçã) e dos chaimites do regime, e mostrou o peito às forças acantonadas no quartel do Carmo. E, caso o dia tenha corrido mal, Otelo O Cérebro podia ter sido preso, e Salgueiro O Bravo podia ter sido morto.
Mas a imagem da lancha é interessante: imaginemos de um lado o general que arrasta, com um rodo, soldadinhos de chumbo sobre um mapa gigante, e do outro o sargento que lidera o grupo de assalto às trincheiras inimigas - do sucesso do primeiro dependem muitas vidas, do sucesso do segundo dependem menos destinos, mas um é o próprio. Se a medalha for por bravura, condecore-se o grumete.

* Determino que desejo ser sepultado em Castelo de Vide, em campa rasa, e utilizar o caixão mais barato do mercado, o transporte do mesmo deve fazer-se pelo meio mais económico, de preferência em viatura militar. Durante o funeral somente a presença dos amigos a quem peço para entoarem "Grândola Vila Morena" e "Marcha do M.F.A." (testamento de 28 de Junho de 1989)

Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de o Estado se organizar: há os estados socialistas, os estados ditos comunistas, os estados capitalistas e há o estado a que chegámos. Eu proponho acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e vamos acabar com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!
Discurso de Salgueiro Maia na parada da Escola Prática de Cavalaria, madrugada de 25/04/1974


 
 




 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário