quinta-feira, 27 de março de 2014

IDAS A BANHOS

 
A partir dos finais do século XVIII, era comum as pessoas mergulharem na Junqueira e em Santa Apolónia, devido às alegadas propriedades curativas do rio. Na verdade, era mais garantido que apanhassem doenças, ou não fosse o Tejo a casa de banho da cidade: a excitação de poderem chapinhar na água fazia esquecer as calhandreiras, que despejavam os bacios poucos metros ao lado.
A moda [do turismo balnear, iniciado na Inglaterra, por volta de 1750] enraizou-se em Lisboa nos primeiros anos de 1800. Entre Junho e Setembro, era comum ver famílias inteiras em romaria matinal na direção do Tejo, acompanhados pelos criados, que lhes transportavam as pesadas roupagens de ir ao banho e as toalhas. As praias da Junqueira e de Santa Apolónia, nos dois extremos da cidade, eram as estâncias mais populares.
Logo de manhã, o rio fervilhava de barcas de banhos, alugadas pelas famílias mais ricas (esses botes, chamados catraios, eram usados durante o resto do ano para transportar gente entre as duas margens do rio). Chegados à praia, os veraneantes subiam a bordo e o barco navegava apenas uns metros, para que não se perdesse o pé. Os homens despiam, na proa da embarcação, os trajes de cerimónia e vestiam um colete de lã e calções compridos, e atiravam-se à água, onde esperavam pelas mulheres, que mudavam de roupa dentro de uma espécie de tenda feita com lençóis, montada na popa. Idealmente, trocavam os complicados vestidos e desconfortáveis corpetes por decorosas vestes de banho que lhes cobriam o corpo todo - e de lã grossa, para não deixar que a água moldasse a roupa ao corpo. Na margem, praticamente ao lado destas chiques farras de gente com sangue azul, dezenas de miseráveis calhandreiras despejavam no rio os seus potes cheios de... chamemos-lhes impurezas. Os matadouros a montante, perto do Terreiro do Paço, acrescentavam o seu quinhão, atirando carcaças e outros restos de animais para o rio.
Já as senhoras que viviam em moradias à beira-rio, com jardins até à margem, entravam na água com uma corda atada à cintura e  outra ponta presa a um armário dentro de casa, para não se deixarem levar pela correnteza. Mergulhavam rapidamente e regressavam a casa. Já os pobres que gostavam de imitar os ricos mas não tinham dinheiro para alugar um barco banhavam-se nas praias de areia de Pedrouços e da Cruz da Pedra. Nesses locais havia, à beira da água, tendas para as mulheres se mudarem e nadadores-salvadores, armados com cordas, para acudir a quem precisasse de auxílio.
Um escritor inglês louvava os mergulhos das mulheres lisboetas, se não fosse assim, nove em cada dez mulheres de Portugal nunca experimentariam outra ablução depois do baptismo - nem uma simples passagem com uma toalha molhada pela cara, de manhã.
Histórias do Tejo, Luís Ribeiro (ad.)

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