quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

EXCALIBUR

É oficial, a espada original de Afonso Henriques está no Porto.
Então, é assim: o rei morre em 1185 e é enterrado no adro da igreja de Santa Cruz de Coimbra. Em 1190, com medo da invasão almóada, os cónegos regrantes de santo agostinho conseguem autorização de Sancho I para transladarem o corpo para o átrio da igreja. A espada de Afonso Henriques estaria então dentro do caixão de cedro e, sobre a pétrea sepultura, estaria colocado o seu pavês (escudo grande) que, conta a lenda, caía ao chão sempre que um monarca morria e o trono ficava vacante.
Em 1513 (ou 1518) Manuel I resolve dar outra dignidade às sepulturas de Afonso Henriques e Sancho I, e manda construir os belos túmulos no estilo manuelino que conhecemos hoje, terminados no reinado de João III. As armas de Afonso Henriques ficam então expostas, a espada e o pavês.
Em carta de 14 de Março de 1578, depois duma peregrinação aos mosteiros da batalha e de santa cruz, visitando os túmulos dos ancestrais, e tendo ficado fascinado com a espada do fundador (surpreso por tão pequena espada ter sido sempre vitoriosa), Sebastião pede aos monges que lhe emprestem as armas do fundador para a sua expedição em África ('pedido' aceite, contra a promessa de meter uma cunha ao papa, no processo de canonização do primeiro monarca). A 24 de Agosto de 1578, a frota atraca em Lisboa, com a funesta notícia, não só o Desejado não venceu a mourama, como morreu em batalha.
Em 1609, surpresa!, a relíquia reaparece exposta na sepultura do monarca. Conta-se que teria regressado ao reino após a derrota lusitana em Alcácer-Quibir - na azáfama do desembarque em Marrocos, o impetuoso rei esquecera a espada no barco... - e o rei-cardeal D. Henrique devolvera-a ao mosteiro.
Depois da guerra civil de 1828-34, Pedro IV resolveu dar provas de gratidão ao Porto, pelo seu sacrifício durante o cerco (além do coração, que legou à cidade, e da ordem de torre e espada, concedida pela filha, Maria II) - em 1833, aproveitando a recente dissolução das ordens religiosas, oferece a espada de Afonso Henriques ao Museu Portuense, que fundara enquanto estivera sitiado na Invicta, título que deu à cidade.
Em 1987, o agora chamado Museu Nacional Soares dos Reis, colocou a espada em depósito no Museu Militar do Porto.
Uma história feliz, fosse a espada do fundador. Não é, porque não é do século XII: é demasiado leve (pouco mais de 1,1 kg), o pomo circular (em cobre e com folha de ouro, incomum para a época) não é suficiente para servir de contrapeso à lâmina, que é de ferro (e não de aço, como seria de supor), o punho é curto e bojudo, quase impossível de manejar numa batalha (os da época eram rectos) e as guardas são helicoidais e não rectas. De facto, a 'relíquia' parece-se mais com as espadas de guarda portuguesas do século XVI - um estilo já arcaico para quem mandasse fazer uma espada 'antiga' no início de seiscentos.
Verdade verdadinha, o reaparecimento da espada de Afonso Henriques dava um jeitaço, em pleno domínio filipino, para exaltar o brio nacional.
Nada que uma novena não tenha expiado o pecado desses cónegos que, num conspirativo passeio pelos claustros, durante umas sonolentas Completas ou numa reunião do Capítulo sem assunto, congeminaram o renascimento da nossa Excalibur.

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