domingo, 21 de julho de 2013

PENITÊNCIA


Uma pedra nos rins; uma pneumonia; uma mistura de calmantes e antidepressivos (a ponto de o 'distraído' não conseguir destrancar a porta da wc); um ataque de asma; uma febre alta dum executivo vindo de áfrica (ocupado, à vez, com 2 telemóveis XXL).
Cinco pacientes (vem de paciência, presumo) a partilharem uma tarde de sábado, numa sala de observações dum hospital privado.
Mundo pequeno, 2 deles vivem no mesmo prédio há 10 anos e nunca tinham trocado mais que bons dias. Tiveram oportunidade de recuperarem, eu e o sr. do 3º andar (é, vim embora sem nos apresentarmos).
Fiquei a saber que ambos temos uma amiga em comum, que trabalhava comigo e agora trabalha com ele, numa prisão. A conversa começou comme il faut, sobre as maleitas.
Aqui tratam-me melhor do que me trataram no S. João, e é mais barato, contou. Bem, é mais barato para nós, mas para o Estado não, retorqui. Olhe, eu também ando a pagar um submarino que não comprei, matou a conversa.
Disse que engordara 40 kg desde que deixara de fazer desporto, e que tivera de desmarcar uma caminhada na serra (um desporto violento, quanto a mim) por causa das dores. Aí passámos para o 'microcosmos' penitenciário, como lhe chamou: perguntei se não podia usar o ginásio da cadeia, em horas 'mortas', mas o sr. do 3º andar disse que não: o ginásio, apetrechado como os melhores, é só para os reclusos, como os 3 médicos em permanência, o dentista, os psiquiatras e os psicólogos - que eles têm muitos problemas a resolver (ironia).
Fiquei também a saber que 'as crianças das escolas podem jogar à bola no cimento, mas o campo dos reclusos tem que ser em resina sintética, o piso custou €50.000, ouviu bem', que 'eles tratam-se bem: jogam playstation, fazem desporto, vêm televisão, têm aulas de ioga e de teatro, ao fim de 2 anos de cama-comida-e-roupa-lavada estão recuperados para a sociedade, vão embora nos seus bmw e vão gastar o dinheiro que juntaram'.
Sobre a reinserção na sociedade, que é o suposto motivo primeiro da clausura, o sr. do 3º andar também opinou: não só os bons filhos (amiúde) à casa tornam, como, em 20 anos, conheceu várias gerações das mesmas famílias, com avós, filhos e netos a partilharem o ofício, o cadastro e a cantina. E o bairro social: o sr. do 3º andar estranha que as gerações se sucedam sem que o filhos consigam melhorar de vida e abandonar os bairros.
O curioso é que os 130 kg de guarda prisional disseram tudo com a voz baixa e pausada (também, as dores vetavam-lhe qualquer exuberância), com algo irónica bonomia e sem qualquer animosidade.
Não diria que é uma perspectiva redutora, porque vista por dentro e mastigada durante muitos anos. É mais uma visão desencantada ou céptica do seu universo. Não que o sr. do 3º andar não tenha apreço pelos seus presos: 'espero que continue a haver muitos, preciso de pagar a casa'.

p.s.: seguem-se, creio, mais 10 anos de bons dias e um upgrade intimista, então essa saúde? 

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