quarta-feira, 22 de agosto de 2012

NORMAN ROCKWELL, O ILUSTRADOR

As ilustrações do Norman Rockwell fazem-me logo lembrar os livros da Anita, que guardo no mesmo gavetão empoeirado onde estão os filmes technicolor da Lassie, os rebuçados santo onofre e os iogurtes feitos em casa. Suspeito que terão o mesmo efeito convosco, se já cá estavam antes do 25 de Abril. 
Voltando ao dito, Rockwell (1894-1978), descendente de um dos primeiros colonos da américa, era conhecido como ilustrador de livros, postais, selos, cartazes, calendários (como os dos escuteiros, lançados anualmente entre 1925 e 1976) e revistas: debutando em revistas juvenis como a Boys’Life (onde conseguiu a sua primeira capa em Setembro de 1913), passou pela Saturday Evening Post (SEP), Life magazine, Country Gentleman, Ladies’ Home Journal, Literay Digest e, nos anos 60, na revista Look. Dizer que passou pela SEP é claramente um exagero, foi mais um emprego de longa duração: entre 1916 e 1963, Rockwell assinou 322 (ou 323) capas da revista.

Os seus milhentos trabalhos (cerca de 4000) são na grande maioria caricaturas realistas, passe o paradoxo, e davam trabalho: usava modelos e, a partir de 1937, cada ‘boneco’ envolvia uma composição de fotografias de pessoas e cenários, que ele depois plasmava na tela. Sempre com saudáveis bochechas rosadas.
Querido da América, o ilustrador Norman Rockwell retractava o país interior, dos valores, com o seu casulo de interesses (a lembrar o salazarento 'viver habitualmente'*), em cândidas cenas do dia-a-dia: as refeições, os encontros familiares, o natal, os escuteiros, as orações, os namoros, as idas à missa ou ao médico.

Durante muitos anos, os protagonistas foram os WASP (brancos anglo-saxónicos protestantes), mas, quando se mudou para a Look magazine, lá chegou o tempo de tratar o tema dos direitos civis e colocar os negros na boca de cena. 
Um dos seus trabalhos mais conhecidos é sobre Ruby Bridges, a primeira criança negra a entrar numa escola multirracial (forçada pela lei) – enfrentando sem uma lágrima a hostilidade de manifestantes e a recusa de professores e pais dos outros miúdos, durante um ano foi acompanhada por polícias para a escola e tinha uma professora (voluntária) só para ela.

* Norman pintava a felicidade, mas não viveu habitualmente: 3 mulheres, 1 divórcio, 1 viuvez, depressões, apoio psiquiátrico, o incêndio do estúdio com parte da sua obra.

Checkers (2.7.1928 Ladies' Home Journal)
Doctor and the doll (29.3.1929 Saturday Evening Post)
Puppeteer (22.10.1932 Saturday Evenong Post)
 The Tattoo Artist (4.3.1944 Saturday Evening Post)


Penny candy (23.9.1944 Saturday Evening Post)
Saying grace (24.11.1951 Saturday Evening Post)
How-to-diet (3.1.1953 Saturday Evening Post)
Happy Birthday Miss Jones (17.3.1956 Saturday Evening Post)
Optometrist. kid with new glasses (19.5.1956 SEP)
After the prom (25.5.1957 Saturday Evening Post)


 Before-the-shot (15.3.1958 Saturday Evening Post)
The runaway (20.9.1958 Saturday Evening Post)


The problem we all live with (01.1964 Look magazine)
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New Kids in the Neighborhood (16.5.1967 Look magazine)


NORMAN ROCKWELL, PARTE II

Criticado durante muitos anos pelas suas capas doces e sentimentalóides no Saturday Evening Post (SEP), Norman não se incomodava quando lhe chamavam ilustrador em vez de artista, e até assumia o epíteto. 
Nem todos o faziam: o escritor Valdimir Nabokov achava-o brilhante, mas desperdiçado em pinturas banais, e  chegou a escrever que Dali era o irmão gémeo de Rockwell, raptado por ciganos no útero. Homenagem póstuma, um dos seus trabalhos, Breaking home ties, foi leiloado em 2006 por 15.4M dólares.

Em seu crédito, diga-se que alguns dos seus trabalhos mais realistas (como os retratos dos presidentes), em oposição às suas costumeiras figuras abonecadas, provam que a caricatura, apelando ao imaginário dos leitores, talvez fosse opcional.

Até podem não conhecer nenhuma pintura de Rockwell, mas já viram com certeza os seus sucedâneos. Conhecem o Pai natal desenhado por Haddon Sundbom, que a Coca-cola ‘deu’ ao mundo a partir de 1930? Pois Rockwell já pintara um ‘Santa’ vermelho na capa da SEP em 1916 e, parece vingança, um dos seus pais natal foi usado pela Pepsi, em 1965.

Mas há mais: o poster icónico da emancipação feminina (we can do it), com uma mulher a fazer um manguito, tem parecenças com a, na altura, mais popular Rosie the riveter de Rockwell (na mesma pose do profeta Isaías da capela sistina, mas com a bota sobre o mein kampf), inspirada numa música de 1942 que celebra as mulheres operárias envolvidas no esforço de guerra.

Uma das suas séries mais célebres teve como leitmotiv o discurso do Estado da União de 1941, onde F. D. Roosevelt propôs 4 liberdades fundamentais, que inspiraram a declaração universal dos direitos humanos: de expressão, de religião, do medo (resultado da paz mundial) e o direito a condições adequadas de vida (incluindo à propriedade, ao trabalho, à educação e à segurança social). Capas em 4 edições seguidas da SEP, dedicadas aquelas liberdades, foram também usadas em selos e numa digressão pelos E.U.A., sendo arrecadado 130M de dólares em títulos de dívida, para financiar o esforço de guerra.

Nota final, há dois trabalhos divertidos que merecem referência: a propagação dum boato que chega aos ouvidos do 'alvo' e a árvore genealógica indígena, uma miscigenação de bailarinas de saloon e clérigos, garimpeiros e índias, confederados e unionistas, independentistas e ingleses, piratas e damas espanholas. 

natal
Santa and scouts in snow (Boys Life 12.1913
 Santa Consulting Globe (4.12.1926 Saturday Evening Post)
Extra good boys and girls (16.2.1939 Saturday Evening Post)
The discovery (29.12.1956 Saturday Evening Post)
 as 4 liberdades
Freedom-of-speech (20.2.1943 Saturday Evening Post)
Freedom to worship (27.2.1943 Saturday Evening Post)
Freedom from want (6.3.1943 Saturday Evening Post)
Freedom from fear (13.3.1943 Saturday Evening Post)

Rosie the riveter (29.5.1943 saturday evening post)
Breaking home ties (25.9.1954 Saturday Evening Post)
The gossips (6.3.1958 Saturday Evenig Post)
Family tree (24.10.1959 Saturday Evening Post)
Triple self-portrait (13.2.1960 Saturday Evening Post)
 os presidentes
The day I painted Ike (Eisenhower, 10.11.1952 SEP)
Portrait of John F. Kennedy (29.10.1960 Saturday Evening Post)
Lindon Johnson (20.10.1964 Look magazine)
Portrait of President Richard Nixon (1968)
ver parte I

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

EM TEMPO ÚTIL

Pawel Kuczynski

NÃO TENHAMOS PRESSA,
MAS NÃO PERCAMOS TEMPO.
atribuído a José Saramago

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

GOZAR COM O PAGODE

Volta-não-volta, há provocações destas.
Há 12 anos, foi o filme Branca de Neve, que João César Monteiro resolveu fazer praticamente sem imagem: levou pancada, mas também recebeu elogios da vanguarda esclarecida - a culpa será minha, mas não encontro nenhuma 'inovação na eloquência da fórmula encontrada, o ecrã preto', nem atingi que se procurasse 'alcançar um nível de semelhanças, analogias ou isomorfias de ordem estrutural e técnico-formal' entre as artes.
Porque é que fez o filme assim, perguntou um jornalista. Porque não pude fazer o filme assado, não estamos a brincar com coisas sérias, respondeu o realizador. A outro entrevistador, disse 'eu quero que o público português se foda'. Pormenor de só-menos importância, Monteiro recebeu do erário (desse) público quase €800.000 para realizar 75' de rádio-cinema, uma súbita versão diferente da sua ideia original.

Agora foi a exposição Invisible Art of the Unseen, 1957-2012, encerrada há dias na londrina Hayward Gallery. Está bom de ver, a obra é o que existe - um quarto escuro (intitulado The Ghost of James Lee Byars), um supercarro invisível numa linha de partida, quadros em branco, superfícies pintadas com ondas cerebrais (?), telas virgens, pedestais vazios. Parece que a 'musa' da exposição é um tal de Yves Klein, que criou The Void em 1957: uma galeria vazia, mas que estaria supostamente impregnada pela sensibilidade artística do próprio...
Pois há quem consiga discorrer longamente sobre a mais-valia da exposição, a desmaterialização da arte, o desafio aos cínicos, a presença do autor, a pobreza do artista que o fez escrever o diário com água, porque não tinha tinta; em suma, não são os objectos visíveis que interessam, o que conta é a ideia. Não estou a inventar, isto foi escrito por Laura Cumming, crítica do The Observer, e por Jonathan Jones do The Guardian - este crítico, que achou a exposição brilhante, lembrou-se da série Seinfeld, que é sobre nada. Bem visto.
Repito, a culpa é minha que sou ignorante, quando olho para uma parede vazia, só vejo uma parede vazia.
Ignorante e pouco criativo, parece.

p.s.: até era gajo para adquirir uma das peças. com dinheiro invisível.


 Witche's Curse and Pedestal 1992, Harry Handelsman

 The invisible 1998, Carsten Holler

 Magic Ink 1989, Gianni Motti


 Unusual things happen (its all there) 2012, Bruno Jakob

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