sexta-feira, 4 de maio de 2012

O AVELAR NÃO EXISTE



Tem mais de 40 anos e continua a ser o menino. Bem, ninguém deixa de ser menino naquela família.
O de Avelar vive com a senhora sua mãe numa imensa casa, na cercania de Colares. Os únicos barulhos são as portas a chorar por lubrificante, as comensais traças que se banqueteiam nos linhos e, à refeição, os talheres.
O de Avelar foi educado para ouvir. Habituado em petiz a só falar à mesa quando interpelado pelos adultos, continua a dar as suas opiniões apenas quando lhas pedem. É a única pessoa que eu conheço que, durante as jantaradas informais com amigos (tertúlias, chama-lhes) não descansa os pulsos - estendidos como floretes sobre a toalha -, apoiando os cotovelos na mesa. 
Aliás, nunca perde a postura: anda ou senta-se como se equilibrasse um alfarrábio na cachola, e tapa a boca quando ri, qual anúncio da Corega.
Claro, o cavalheiro acompanha os apertos de mão com uma vénia. Quando tem que ir às compras à aldeia (a coitada da Ana, que entrou ao serviço durante a guerra civil espanhola e mudou as fraldas com monograma a 27 Avelares, já não pode com uma gata pelo rabo!), de Avelar tem um código, em crescendo, quando se cruza com alguém: toca no chapéu, levanta o chapéu ou põe-no debaixo do braço, conforme o respeito que lhe merece o interlocutor.
O seu sonho era ter uma livraria na Toscânia, sem fazer contas ao deve-e-haver, vendendo apenas os livros que gostaria de comprar. E recebendo com um chá os clientes tão apaixonados como ele, que trocou o relógio de ouro do avô por um puído livro de horas.
Quanto aos seus gostos, as preferências de Avelar vão para o último de Dostoiésvki ou, na música, a mais recente de Chopin. Agora não há melodias, há chinfrineira, dirá se, e apenas se, lhe perguntarem.
O de Avelar não é deste tempo, é uma personagem oitocentista; estou a vê-lo, de polainas, jogando voltarete ou bebendo uma genebra com os Vencidos da Vida - e, a tirarem um daguerreótipo, ficaria de pé, discretamente na última fila.
Na verdade, acho que o Avelar reencarnou sem um período sabático - não desformatou.
Provas? De Avelar não tirou a carta de condução, usa as tipóias disponíveis: pretas com cobertura verde-alface e 'cocheiros' tagarelas. 

Sem comentários:

Enviar um comentário