quarta-feira, 6 de julho de 2011

MORREU A VIZINHA DO LADO

23.03.1952-06.07.2011

Maria José Pinto da Cunha d'Avillez Nogueira Pinto, de sangue bem coado e salazarista (filha de Luís Maria de Avillez de Almeida de Melo e Castro e de Maria José de Melo Breyner Pinto da Cunha) morreu, com a serenidade e o conforto da fé: a sua crónica de despedida (como avisou ontem à noite), enviada hoje de manhã para ser publicada na página do costume, e onde relembra familiares e faz um balanço de vida, acaba com "como o Senhor é meu pastor, nada me faltará". 
Muita gente foi surpreendida na semana passada, quando compareceu muito magra na SIC notícias.

Era, a par do marido Jaime Nogueira Pinto (adepto, à data, duma federação de Portugal com as colónias, e com quem partilhava uma "grande cumplicidade e a extrema atenção dos amores sem cura", como escreveu numa foto do casamento), uma das vozes de direita mais eloquentes e com maior consistência ideológica desta democracia, num país onde ser de esquerda é que dá orgulho. Defendia a reorganização das direitas e o repescar das ideologias, que continuam "cá todas", tão vivas como antigamente.
Foi uma mulher "com causas, com cultura e com mundo" (mais um chavão de Portas), mas particularmente de combate, desde a caloira de Direito que furou sozinha uma greve aos exames em 69, até à última sessão parlamentar a que assistiu, onde ajudou a eleger outra mulher presidente da assembleia - não por quotas, mas por mérito.
Face às derrotas políticas, por cargos e por causas, respondeu "A única coisa importante é podermos responder à pergunta onde é que tu estavas quando isso aconteceu? O que é preciso é cada um estar no seu lado da barricada" (Sol, 22.5.2009).
O seu percurso, boa parte dele na área social, foi tão rico quanto contundente: assessora da ministra da saúde Leonor Beleza, directora da maternidade Alfredo da Costa, vice-presidente do Intituto Português do Cinema, subsecretária de Estado da Cultura de Cavaco Silva (batendo a porta a Santana Lopes, por causa da pala do estádio do clube de ambos*), consultora da Gulbenkian, presidente da Fundação para a Saúde, deputada, líder parlamentar (depois de Portas não ser eleito, e dizendo que este até perderia para o rato Mickey), candidata derrotada a presidente do CDS (num congresso onde ficou famosa a frase "Você sabe que eu sei que você sabe" dirigida a Lobo Xavier - e só os 2 saberiam do que estava a falar...) e presidente do seu Conselho nacional, provedora da Misericórdia de Lisboa, candidata derrotada e vereadora da CML com o pelouro da habitação social, deputada independente do PSD em funções.
Tem uma nódoa no curriculum, o pouco educado epíteto de palhaço que endereçou ao deputado socialista Ricardo Gonçalves. Ela bem elegeu como virtude indignar-se e como defeito ser excessiva (revista Única, 6.11.2010).

Esta é a mulher pública. Mas para mim é também a vizinha de Carmona, e dona do cinzeiro do meu aparador. Passo a explicar:
Carmona (agora chamam-lhe Uíge), Angola 1974. Mudámos para o prédio** ao lado e foi um casal para a nossa casa. Como o marido era militar e mudava de posto, acontecia que os baús com as "coisas" chegavam mais tarde, de barco. Com a casa desfalcada, à "Zézinha", que teria uns 22 anos, foi necessário emprestar lençóis, talheres, passevite, ... e telefone: ligavam de Lisboa, desligavam, o criado ia chamar a vizinha, que se sentava no chão, esperava o triiim e tinha conversas esquisitas, cifradas, balbuciando termos como frigideira ou cafeteira. Tempos agitados.
E, certo dia, o militar desertou escondido num camião de café e fugiram [para a Madrid franquista, passando por um campo de refugiados na Namíbia, pela África do Sul, onde teve que vender as suas jóias Cartier, e pelo Brasil, onde vendeu enciclopédias porta-a-porta]. Ficou um bilhete de agradecimento, oferecendo um cinzeiro que deixara numa mesa  - o tal que veio parar à Senhora da Hora. Tudo o resto foi apressadamente empacotado por uns amigos fazendeiros.
Em Lisboa, a minha mãe procurou Avillez na lista telefónica e acertou à 1ª no número da mãe. Regressada do exílio, a Zézinha telefonou e voltaram a encontrar-se. Até que um dia a minha mãe chegou a casa, da baixa, e a sua avó informou que uma Zézinha tinha ligado - esquecera-se que combinara ir lanchar a casa dela, com as crianças.
Calhou nunca mais se verem. Poderia dizer Bogart no Casablanca, foi o fim duma bela amizade.

* Sucintamente, o LNEC disse que a cobertura podia cair, ela proibiu espectáculos, Santana autorizou concertos sob a promessa de conserto da pala, esta foi reforçada e o já idoso Engº Edgar Cardoso andou aos pulos em cima da cobertura, assegurando que era mais segura que o viaduto Duarte Pacheco.
** O senhorio (e colega), de nome Machado da Graça, poderá ter parentesco com a nova ministra da Agricultura, Assunção Cristas, nascida em Luanda. Mundo pequenino.

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