"Para certos republicanos a República tem sido um pé de cabra com que vêem aumentando os seus haveres." Senador João de Freitas, histórico republicano, in Boletim parlamentar do Senado, 11-06-1913
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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
SINAIS DOS TEMPOS
A cimeira da Nato em Lisboa foi muito bem organizada, a ponto do Obama afirmar que tomou algumas notas, para preparar a próxima reunião, nos states. Está descoberto o desígnio de Portugal, o nosso nicho: eventos. 500 anos depois do mar, o catering.
As coisas são tão calmas por cá, que os blindados da psp podem chegar depois da festa, que no pasa nada. Um idílio numa Europa em polvorosa, com manifs violentas em Itália, França, Inglaterra, Espanha ou Grécia.
Haverá fotografias mais impressionantes, de desgraças longínquas. Mas este quadríptico (se o Mia Couto pode inventar palavras, também eu) foi o que mais me chocou em 2010.
Perguntarão os pais destas criaturas “onde é que errei?”. De facto, o que pode levar uma pessoa, numa histeria colectiva ou organizadamente (como os anarquistas black block), a destruir carros e lojas, que têm dono, dono esse que deve ter suado para tê-los, e que é alheio à especulação financeira, à subida de propinas, à redução dos salários, ao despudor do Berlusconi ou ao aumento da idade da reforma.
Mas este caso é diferente: um cidadão tentou impedir o acto de destruição, e foi ferozmente agredido. Foi uma decisão temerária e inusitada, pois o costume é a passividade das pessoas, o virar a cara e passar de fininho - como se viu há semanas, em que câmaras filmaram uma enfermeira a ser roubada e agredida até entrar em coma (e morrer) numa rua de Roma, sem que ninguém a acudisse.
Há dias, ao sair para trabalhar, ouvi um berro cavo em decrescendo, parecia uma pessoa a esvair-se. Encontrei uma senhora deitada em convulsões e semi-inconsciência. Dentes e nariz partido contra a esquina do passeio, uma larga mancha de sangue. A senhora da loja em frente, a cabeleireira Carla, conhecia a “sinistrada” de 32 anos, e telefonou aos pais (o pai não abriu a boca, ajudou a dar-lhe açúcar, a mãe abraçava-se a todos os desconhecidos, em pânico) e aos bombeiros. Que me contou ela? Já não era a primeira vez que chamava a ambulância, a rapariga era diabética, mas não comia para não engordar…
Conhecem os parques dos IKEA, onde os pais deixam as crianças, enquanto se aviam na loja? A cunhada duma das funcionárias contou-me que nunca lá põe o petiz, e porquê. Parece que muita gente, quando tem os filhos doentes, os deixa no parque; alguns, quando a temperatura começa a subir, nem atende o telefonema da loja.
Será negligência, impossibilidade de faltar ao emprego, o quê? Nada de bom será.
Se ainda andasse por aí a minha avó "in law" Clementina, diria que são sinais do fim do mundo...
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