domingo, 25 de abril de 2010

SOMOS LIVRES*


Em miúdos, eu e as minhas irmãs sempre dividimos as preferências: tirando o frango (lutávamos pelas coxas até passarmos os 3 a querer os peitos), cada um tinha o seu clube, a cor primária e até o candidato às presidenciais de 76: a mais velha, do alto dos seus 7 anos, gostava do Eanes, eu gritava Otelo no eléctrico e a do meio preferia o Pinheiro de Azevedo porque estava “doentinho”. 34 anos depois, é esta a minha personagem preferida da (pós)revolução.
Como não ficar fascinado com o Almirante que, quando discursava na Praça do Comércio e rebentaram granadas lacrimogéneas da polícia militar (ligada então à extrema-esquerda) e petardos do partido revolucionário português (um PRP) contra os manifestantes, tentou acalmar a população em pânico exclamando “o povo é sereno, não tem perigo, é apenas fumaça. Ninguém arreda pé!”. Arredaram, quando o fumo subiu à tribuna.
O mesmo almirante sem medo, primeiro-ministro do 6º governo provisório, foi cercado por operários grevistas no parlamento e, quando lhe chamaram fascista, retorquiu “bardam… para o fascista”. Mais tarde explicou “’tou farto de brincadeiras, fui sequestrado já 2 vezes, já chega, não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia pá (…) e eu agora pá, vou almoçar pá”, com ar de enfado.
Vai daí, e por causa das manifestações contra o governo e porque os militares “primeiro fazem plenários e depois é que cumprem as ordens”, auto-suspendeu o governo. Ah, valente.
O Almirante representa o esplendor da época, a descontracção da oratória, a saturação do caos, a comicidade da história. E tinha razão, o povo é sereno, mesmo quando não deve.



* Ser desbocado e contestatário (a ponto de ganhar a alcunha de tóliban) em democracia já tem um efeito bastante "depilatório", não imagino sequer o que seria viver num país onde não se podia criticar o poder.
Pelo menos Caetano não desenhava mamarrachos.

1 comentário:

  1. No período pós 25 de Abril vivia-se intensamente os anos da Liberdade que havia sido oprimida. Estava eu com o meu Pai em Lisboa à espera do autocarro para ir para Santa Apolónia e lá vinha a passar na rua mais uma "manif", como hoje se diz.

    Aquilo era uma festa. Pregões, vivas aos operários, bandeiras e muito barulho. Tinha eu uns 6 ou 7 anos e observava o espectáculo daquela multidão que vociverava com convicção coisas que me eram incompreensíveis.

    Chegado a casa o meu Pai lá contou a peripécia, pois tínhamos perdido o comboio, chegando por isso mais tarde. E claro, como observou o Otelo no programa do Herman, naquela tempo não havia télémóveis, estando a minha mãe em cuidados. E eis que me perguntou o Sr. Rogério para que a minha mãe pudesse ouvir da minha boca. "O que é que tu viste filho?". E respondi eu cheio de convicção: "Vi uma comunistação".

    Luís Coito

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