"Para certos republicanos a República tem sido um pé de cabra com que vêem aumentando os seus haveres." Senador João de Freitas, histórico republicano, in Boletim parlamentar do Senado, 11-06-1913
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sábado, 10 de abril de 2010
O SENTIDO DA VIDA
Fui ontem à dentista.
O curioso foi que, ao contrário do costume – esperar uma hora na sala de espera, a folhear revistas cor-de-rosa com mais de 6 meses – , estive à conversa com a dentista mais de 1 hora antes do restauro, já de babete, sobre the meaning of life (fica menos lamechas em inglês).
Convenhamos, é assunto que raramente falamos, muito menos com uma semi-estranha de broca na mão.
O resumo da conversa não reproduz o interesse da mesma, mas aqui vai. A bonita pessoa, que nunca perde o seu sorriso sereno, teve um filho internado até aos 18 meses, com prognóstico muito reservado (aí viu como tudo é efémero) e, aos 9 anos, tem graves problemas respiratórios e uma espécie de autismo.
Diz que nunca se queixou, nem à família, porque a carga não é deles, apenas reconhece um cansaço ocasional: pudera, tem 3 filhos e o marido trabalha na Tunísia.
Ao contrário do que se usa dizer, acha ela que a pessoa não é a sua circunstância, e que, tirando a doença e a morte, podemos sempre escolher: ela escolheu, em vez da depressão ou desespero, encarar o filho como uma prova e uma oportunidade de se auto-conhecer (“descascar a cebola”) e melhorar.
Na sua metáfora, a vida é como um exame escrito, há as perguntas fáceis que todos acertam, depois há as questões só para alguns.
Contou que, até aos 20 anos, tudo lhe correu bem, e que não se conhecia então, e que prefere uma vida com obstáculos, onde pode crescer, a uma vida perfeitinha, “à bolina”, mas que não ensina nada nem obriga a “trabalhar-se” a si própria.
Pareceu-ma quase satisfeita pela provação. Perguntei-lhe se preferia a vida como uma estrada cheia de buracos e árvores caídas, em vez duma auto-estrada sem história. Embora admire a sua boa disposição, eu acho que preferia uma estrada rural em asfalto e pouco sinuosa, e num carro com boa suspensão – há problemas que não se desejam a ninguém...
O filho obrigou-a a relativizar tudo e a dar às coisas apenas a importância que elas têm, pois as pessoas fazem dramas com problemas comezinhos, ocupadas com uma vida apressada (sem tempo para parar, pensar ou apenas aproveitar o momento – carpe diem, não é?), pequenas competições e vontades materiais que podiam esperar mais um pouco. E com angústias que, vistas a frio, são pouco importantes.
Disse-lhe que estava mais perto do nirvana que eu, que me enfureço com muitas coisas, ao que respondeu que também lhe acontece, apenas o seu ponto de ebulição é mais alto.
Opta por valorizar os pequenos prazeres, as pequenas vitórias, o hoje, em vez de antecipar preocupações com o futuro (no caso, o do filho) ou viver o amanhã – o exemplo que deu é conhecido, porque é que estamos mais chochos ao domingo à tarde que na tarde de sexta, quando estamos a trabalhar?
Tive que concluir a conversa com um argumento de peso: se não me despachasse, a minha filha ficaria à porta da escola e a Susana ficava danada – e dizer-lhe “relativiza, há coisas mais importantes na vida” não daria resultado.
E lá restaurei o primeiro molar.
Luis Duarte, a melhor posta que já escreveste, segundo a minha opinião, claro. Está tudo no sítio e nem ouso acrescentar ou comentar seja o que for. Só isto: a melhor posta que já escreveste, com molar restaurado (também ando nessas viagens...)
ResponderEliminarFrases eleitas: "A vida é como um exame escrito, há as perguntas fáceis que todos acertam, depois há as questões só para alguns." e "(...)relativizar tudo e a dar às coisas apenas a importância que elas têm(...)"
E isto é um blogue.
Um Abraço,
Carlos Gouveia