sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ANGÚSTIAS

Chegou hoje o Natal. Pelo menos assim o dizem as luzinhas já colocadas na CGD e os pinheiros chineses e respectivas toneladas de adereços à venda no Continente. Bem, a estrela cadente já tinha chegado, com o aumento na TV dos anúncios encadeados de brinquedos. Simpáticos, avisam com antecedência que é época de compras.

Sempre sofri de grande ansiedade pré-natal.
Em miúdo, era a expectativa durante semanas, em contagem decrescente para o melhor dia do ano, como um ladrão que risca a parede à espera do fim da pena.
Era a espera à janela da casa dos meus avós, ou o medo de me cruzar com o Pai Natal numa das esquinas dos seus 40 metros de corredor. Era palpar os embrulhos e tentar adivinhar o conteúdo, ou tentar espreitar à socapa sem rasgar o papel.
Curiosamente, as únicas prendas que me lembro são um fato de cowboy amarelo, aos 6 anos, e o Natal de 87, em que recebi um pullover Paul&Shark verde que ainda está como novo e um casaco à clown, que se usava na altura (anos mais tarde, partiram-me o vidro do carro no Porto para roubarem 2 casacos de ganga, mas deixaram esse - ainda me chamaram piroso!).
A última é pièce de résistance: em 92, namorados de fresco, dei à Susana 5 ou 6 prendas, ganhei em troca uma pistolinha isqueiro... Como lembrança, foi uma prenda bem sucedida.

Agora o Natal é a repetição, a cada 12 meses, duma correria em contra-relógio, numa mole de pessoas agitadas, a picar a lista de 33 pessoas a presentear (impressa a do ano anterior, com uma ou outra alteração), tentando encontrar um objecto que agrade minimamente ao destinatário. Confessem, a obrigação do ritual retira qualquer espírito fraterno ao gesto de oferecer algo de especial, pessoal e intransmissível. Balelas, é como ir ao supermercado, com um corredor bom para encher parte do carrinho (livros na FNAC).
Bem, recuso por agora pensar na despesa que será mais uma vez.

Mas o Natal é também sinónimo de falta de espaço, com as pilhas de brinquedos que terei que arrumar no quarto dos miúdos, sem que os mais antigos desapareçam.
A foto mostra um brinquedo de 1930 do meu tio-avô, um bocado de folha-de-flandres laranja, amolgada na forma dum chassis dum carro, com buracos no lugar dos vidros. Para chegar à minha mão, devia ser especial. Ainda que fosse normal, não tem nada a haver com os jipes telecomandados de hoje.
Mesmo há 30 anos, um forte de madeira do farwest, ou um jogo informático muito básico com um ponto branco e duas barras laterais (ténis pré-histórico, lembram-se?) era para uns poucos afortunados; agora, NÃO ter uma Playstation é quase violência doméstica, pois todas as crianças têm que ter o mesmo que os amigos, sob pena de desarranjo emocional.
Consequência, agora qualquer quarto de criança está pejado de plástico e pelúcia coloridos. Metros e metros cúbicos - e os miúdos ainda têm a lata de dizer “não sei a que hei-de brincar…” Que tal uma bola feita de meias ou umas tábuas e uns rolamentos, para montarem um carrinho?

A todos, feliz temporada.

1 comentário:

  1. Gostei muito de ler este "Angústias".
    Fizeste-me sorrir a recordar alguns Natais de miúdo. Rir com o teu estilo bem humorado. E lembrar um texto de Maria Filomena Mónica, "Uma Pessimista na Quadra Natalícia", onde, ainda por cima «...temos de fingir que a vida é um mar de rosas.» e «os irmãos têm supostamente de se reconciliar, os esposos de fazer as pazes e as guerras civis de parar.»
    O teu carrinho é uma verdadeira relíquia e tu escreves como um anjo :) Boas festas.

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